Monday, November 14, 2011

Ben Türk



Hoje é o último dia na Turquia. Na realidade, amanhã ainda estarei por cá, mas será passado em viagem. De Göreme para Ankara, e daí para Tehran. Sinto-me emocionado. Toda a experiência foi overwhelming. Mais que tudo, levo comigo as pessoas que conheci pelo caminho. Levo o companheirismo da Yuhsi, a simpatia do Zé, a simpatia da Sophie, a ideia do Harry, a abertura do Alejandro, o extraordinarismo de Volnei e da Pinar, a dica da Juliana, a conversa com o Quang e a hospitalidade do Chris. Um excelente arranque de viagem.

Mas a Turquia terá sempre a imagem de três pessoas: Eda, Naime e Özlem. Filhas desta lindíssima terra, foram a chave para abrir as portas deste país. Não existem palavras com que possa retribuir a simpatia, ajuda e hospitalidade que me entregaram. No fundo sinto que representam o que de melhor este país tem para oferecer: pessoas únicas, interessantes e envolvida num contexto histórico fenomenal.

São as suas pessoas que fazem da Turquia um grande país. Quer estejamos a passear pelas ruas estreitas de Istanbul ou a admirar a belissima paisagem da Cappadocia, são elas que transformam este local num sítio único.

Foram quinze dias espectaculares. Istanbul é um sitio vibrante. Não te deixa indiferente. Um palco imenso para a vida. Tanto no meio da confusão de um mercado, a passeares pela emblemática ponte Galata ou a apreciares o dia-a-dia numa das avenidas desta cidade encontras sempre uma multiplicidade de vidas. Diferentes passados, culturas e histórias convivem em harmonia. E sentes essa história não apenas nos monumentos ou estradas por onde andas mas, e principalmente, nas pessoas. Nas suas tradições e hábitos. Na sua forma de estar e interagir. É mais que tudo uma cidade real e que existe.

Cappadocia contrasta com esta agitação harmoniosa. Aqui encontras uma calma por entre os seus imensos vales. As pessoas em tudo são iguais. Ficas com a certeza que a hospitalidade é do país e não apenas duma região. Gosto muito como toda esta zona tem diversos ângulos. E se Istanbul é um mosaico cultural, este é um mosaico paisagista. Ambos entregam-te emoções forte. Gostei de me perder (mas não muito) por aqui, ou de encontrar aquele pequeno abrigo em que apenas a vida selvagem entra. E gostei de caminhar. Talvez seja algo genético. Estamos capacitados para andar, e, depois de uma vida sedentária, todo o meu corpo pedia para andar. Seguir trilhos como que chegasse a um porto de abrigo distante.

E eu apenas vi dois locais. Uma pequena amostra do que tem para oferecer. Descobrir este país foi uma dádiva. Sinto que o substimei muito. Procurei um local de transição e encontrei um espaço autêntico e acolhedor. E depois de uma tão boa recepção, sinto-me em casa. E de tanto me confundirem com um, hoje sinto-me também um pouco turco...

Tesekkür ederim por tudo

Hosçakal Turquia.

P.S. Amanhã é dia de viagem. Quando voltar a este espaço já estarei no Irão com outras aventuras para relatar. Se tudo correr bem volto a este espaço quarta-feira.

Sunday, November 13, 2011

Momentos

São milhares de coincidências – e pequenas escolhas – que fazem um momento. Neste caso, ir a pé até Ürgup (a 8 km de distância de Göreme) e uma demorada subida, levaram-me a este local. Um pequeno abrigo no cimo de um dos vales que rasga Cappadocia. Protegido do vento e bafejado pelo sol, encontro finalmente o tempo para admirar todo este mundo.
Lá em baixo, por entre as paredes despidas do vale, floresce a vegetação. Tenho a sensação de estar num pequeno jardim de éden. O Outono dá-lhe um tom acastanhado, onde o verde desponta aqui e ali. Não se ouve nenhum som de civilização. Apenas os pássaros e o vento a tocar nas folhas falam comigo. Reflito um pouco. É uma sorte estar aqui, neste momento, no meio de tão bela paisagem.
Sinto que a mesma me toca e me molda. De alguma forma estou diferente, mais calmo e centrado nos meus pensamentos. Não estranho que os cristãos otomanos tenham vindo para aqui. Toda a imensidão desta paisagem nos obriga à reflexão e nos torna humilde. Existe uma dualidade nesta paisagem. Cá de cima temos uma visão de montanhas vermelhas e suaves. Uma visão ampla apenas cortada pelos riscos brancos. Nesses riscos existe a monumentalidade tão retratada em fotografias. É um local exótico por se passear. Os trilhos levam-nos a vales curtos rodeados do branco caracteristico, a locais perdidos e túneis que parecem portais para um mundo de fantasia.
Aliás todo este mundo se assemelha a um mundo de fantasia. É fácil imaginar que, por entre os arbustos, irá sair um duende a qualquer momento. Ou que o som do vento, é a nave de Luke Skywalker a chegar. Mas também é o local perfeito para não pensar em nada. No meu caso, peguei no ipod e deixei que o shuffle determinasse a música do momento. É clássica. De repente as encostas tornam-se musicais. Como que esta provisse dos seus vales. Talvez seja o ondular das colinas que combine com os acordes desta música. Não sei. Nem me preocupo em encontrar o motivo. Deixo-me embalar e aproveito mais um belo momento...

Friday, November 11, 2011

Isto também faz parte da viagem...


Uma pessoa acorda sorridente e feliz da vida. A imaginar a quantidade de balões que vai ver quando abrir a porta do quarto e... está um dia cinzento e frio. Daqueles que só apetece ficar junto a uma lareira e não fazer nada. “Nada demais” penso enquanto desço as escadas para tomar o meu pequeno-almoço.



Altura de bomdiar o pessoal da estalagem. Neste caso apenas um, o Chris, um viajante suiço. Mas no caso dele a fazer uma slow trip – uma viagem de bicicleta à volta do mundo. Por enquanto está por aqui, neste trabalho, enquanto prepara o seu próximo destino. Para além do pequeno-almoço – tostas com manteiga e compota acompanhadas de chá – fornece-me também umas dicas sobre sitios que devo ver. Algo que acolho com muito gosto e que decido seguir.


Mochila nas costas e lá vou eu. O inicio é simples, uma estrada no meio de uma planície quase desértica. A meio sinto uma gota de água. “Estou a imaginar coisas...” digo para acalmar a minha preocupação crescente. Mas depois da primeira vem sempre uma outra, e quando o meu blusão começa a ficar molhado já não posso ignorar a realidade. Olho para a frente e vejo o céu carregado e nenhum abrigo. Uma simples chuva não me preocupa. Chuva, frio e vento já é outra história.


Decido, muito a contra-gosto, regressar à pequena aldeia turistica que é Göreme. Começou hoje a época baixa e por estes lados não existe muito que fazer. Decido retemperar o meu espirito com o melhor café latte do sítio (pelo menos é o que publicitam). O café é cosy e o latte é mesmo bom. Mais bem disposto, decido dar utilidade ao meu dia. Começo por comprar o meu bilhete de ida para Ankara e parar no supermercado para comprar algumas coisas que precisava. Dia de escrita e afazeres. Respiro fundo e tomo consciência do que tenho pela frente.


Entro na pensão determinado. Um dia tinha de o fazer, e apesar do frio, hoje é o dia: tenho de lavar roupa. Olho à minha volta e encontro um balde e alguidar. Essa parte está tratada. Agora é encontrar um sitio para pendurar abrigado da chuva. Saio para a varanda e encontro o cordel. No entanto está suficiente laço para se colar à parede, algo que teria de solucionar. Vou à mochila, e tiro do meu saco “macgyver” o cordel que trouxe comigo. Nó para aqui, ajuste para ali e em três tempos tenho o cordel da roupa bem esticado. Depois é altura da árdua tarefa. Faço-a com um sorriso no rosto.


Passo o resto do dia na pensão. Esta parece um abrigo de viajantes perdidos no deserto. Tem um charme difícil de explicar. Um empregado turco que fala pouco inglês e mal te liga. Um sistema de self service de bebidas em que somos nós que apontamos o que consumimos num papel disponível ao lado do frigorifico. E uma dessarrumação que nos faz sentir em nossa casa. Não sei o que é, mas gosto.


Apesar de não ter feito nada, chego ao fim do dia feliz. Afinal isto também faz parte da viagem. E apesar de não ter o glamour de outras actividades, sei que é um passo no caminho que iniciei onze dias atrás.


P.S. Agora rezo para que as roupas não congelem com este frio infernal (prevê-se temperaturas negativas)

Uma companhia muito especial...

“E como vais lidar com o viajares sozinho?” Pergunta recorrente sempre que falava da viagem. Respondia que, com a minha dupla personalidade, nunca estaria sozinho. No fundo, sabia que poderia ser complicado, mas acabaria por encontrar amigos pelo caminho.






Mas ontem foi especial. Tinha decidido caminhar pelos vales desta magnífica região. Como tinha acabado de chegar, e sem amizades criadas, estava preparado para o fazê-lo sozinho. Nada que me assustasse pois gosto de o fazer. Nem quinhentos metros volvidos e... já tinha companhia! De início estava um pouco assustado. Roxelana e Halide eram lindas, mas encontrá-las no meio do nada, e tão contentes por me verem, deixou-me de sobreaviso. Decidi dar tempo ao tempo e ver onde esta relação ia.


Os destinos eram o vale Rosa e Vermelho. Dois trilhos muito conhecidos e por isso perfeitos para mim. Inexperiente nestas andanças, convinha ir por onde existissem outras pessoas. Se acontecesse algo, estaria sempre perto de ajuda. Nem a Roxelana ou Halide me poderiam apoiar nesse caso. Com a decisão tomada, saio da estrada principal. Aventuro-me pelos trilhos que furam a cortina de rochedos à minha frente. E por espaços mais ou menos abertos, lá iamos em conjunto. Halide, de espírito mais independente e lutadora, seguia à minha frente. Roxelana, com mais compaixão, dava-me protecção atrás de mim. E heis que o vale se abre à minha frente. E que visão! Não pude conter um “wow”. É daquelas paisagens que te deixam sem ar. Não conseguia fazer mais que contemplar tudo à minha volta. Fiquei humilde com o que via.


Passado o momento de deslumbre, entro nestes vales. Passo por um café estrategicamente colocado no caminho. “Want a drink?” pergunta-me o dono. “No thanks” respondo-lhe com um sorriso. A minha vontade era andar por entre as encostas rochosas esculpidas pelo vento. Onde a vegetação conquista cada pedaço fértil. Tens em simultâneo a sensação de aridez e lúxuria. Estes trilhos são mesmo um palco perfeito para caminhadas. Neste caso, o aspecto Outonal permite-te estares mais centrado em ti. Depois de uma vida de stress e complicações. De dias agitados e emoções fortes. E após um arranque de viajem fantástico, pude finalmente fazer a pausa que precisava. Foi a grande oferta destes “Adamastores” cobertos de véus brancos: um tempo longe de tudo e um espaço contigo próprio.


E quando o cansaço apertou, foi altura de regressar. O Sol já se escondia por entre as montanhas e o frio aqui é implacável. Despeço-me uma última vez de Roxelana e Halide. Sem dúvida, foram as melhores amigas deste homem neste dia...

Thursday, November 10, 2011

Carta

Göreme, 09 de Novembro de 2011
Querid@ leitor(a),


Cheguei bem a Göreme. A viagem foi longa e um pouco cansativa. Mas acabou por compensar... Acordei para ver o belo nascer do Sol em Cappadocia. É uma paisagem vasta. O tom esbranquiçado do terreno combina na perfeição com os raios de sol matinais. Talvez seja por isso que a viagem de balão começa nesta hora do dia. E são tantos! Um autêntico postal vivo.


Ontem acabei por não fazer muito. Check in na pensão e parti para ver o Göreme Open Air Museum. Sei que vou utilizar muito esta palavra mas é mesmo bonito. Um complexo monástico forjado nas rochas desta região. Não é muito vasto, mas todo o local permite imaginar como seria a vida por aqui. E apesar dos turistas encherem as galerias – tornando a experiência um teste à paciência – por fora consegues ter uma excelente vista sobre o vale que se estende a partir de Göreme. A Capela Escura vale bem a pena as 8 liras adicionais. Os seus frescos parecem novos e daqui conseguimos imaginar a beleza que seriam as outras galerias. Apesar de proibido ainda consegui tirar algumas fotografias. Mais pela minha ignorância (e sorte) do que pela ousadia. Só à quarta fotografia é que o segurança (que tinha acabado de entrar) me avisou “no photos”. Fiz a minha cara 31 de turista ignorante e segui em frente.


O resto do dia foi mais calmo. Ainda parti à busca do pôr de sol, mas revelou-se uma tarefa impossível. Saí muito tarde do hostel e o momento fugiu-me. Sem problemas, pois acabei por encontrar a primeira pessoa que conheci na viagem: Yuhsi, de Taiwan. Coincidência do destino, também se despediu do emprego e está a fazer uma longa viagem pela Europa e arredores. Acabámos o dia com uma excelente conversa, daquelas que não conhecem horários.


Acabei por recordar todos os bons companheiros de quarto e amigos que conheci. Uma prova viva que a simpatia não conhece coordenadas. Partilhámos uns breves bons momentos, mas foi o suficiente para criar amizades, arranjar contatos e conhecer optimas histórias. Uma delas pareceu tirada de um filme romântico. Ele brasileiro, ela turca. Conheceram-se e falaram pela internet durante uma década. Apaixonam-se na primeira vez que estão juntos. É magia pura e vou torcer os dedos para que tudo dê certo. O Metropolis Hostel teve mesmo um vibe especial. E até o recepcionista, de aspecto cheguevariano e humor esquizofrénico (saltando de uma simpatia soviética para uma latina enquanto o diabo esfrega um olho), me parece uma personagem talhada para aparecer numa história qualquer.


É altura de me despedir. Vou precorrer os bonitos (lá está a palavra outra vez) trilhos que esta região tem para oferecer....

Contigo no meu pensamento, me despeço,

Um beijo e um abraço apertado,

Stran, o puto viajante

P.S. Não sei se reparaste, mas coloquei um link no blogue para o meu album de fotografia...

Monday, November 7, 2011

Um dia improvável...

Que dia mais insano que passei em Istambul. Programei um dia calmo com pouco para fazer. Começava pela Universidade e fazer o caminho de volta até ao Grand Bazaar. Mas parecia que o azar ia ser o mote do dia. À primeira fotografia descubro que não tenho bateria e chego ao mercado para o encontrar fechado. Back to the hostel e aproveito para tratar do próximo destino: Cappadoccia.





Já com a bateria carregada, aceito o convite do Sol de Outono e volto à rua. Não tinha nenhum foco em particular. A imagem de uma Nargile em Tophane leva-me ao elétrico, mas decido sair a meio. Culpa do mar que me atraie cada vez mais. Nunca tinha estado numa cidade cortada por um mar e o seu azul escuro fascina-me. Lembro-me que ainda não tinha visitado o Spice Bazaar e por isso começo o meu dia por aí. Também está fechado. Mas as ruas apertadas que o ladeiam fervilhavam de comércio e perco-me por lá. Sigo a multidão que vai parando pelas bancadas de mercadorias. Existe um pouco de tudo: bijuterias, sapatos, lenços, doces ou especiarias. Os vendedores competem por ver quem tem a melhor voz e capta mais a atenção. Vou saltando de rua em rua, seguindo ao acaso. Escolho a insegurança e sigo pelos caminhos que chamam por mim.




Agora dou por mim numa zona deserta e silenciosa. Nem parece que estou em Istambul. Por aqui o único habitante que encontro é um ou outro gato que me ignora por completo. Esta cidade é uma cidade de gatos. Cada um com a sua personalidade: encontramos os tímidos, os preguiçosos, os vádios e os descarados. Dão um tom único a uma cidade que parece cuidar deles.



Dou-me por vencido e decido procurar ajuda. Não me apetecia andar horas até chegar a um ponto conhecido. Orientação recebida e dou por mim na zona de Sultanahmet.
Aqui já não são os habitantes locais que dominam mas sim os turistas. A agitação das máquinas fotográficas, as poses e os guias são os actores deste palco histórico.



Sento-me um pouco num dos inúmeros bancos que existem. O que fazer agora? Abro o meu guia e reparo que ainda me faltava ir a Istanbul Modern, um espaço para arte contemporanea. De moedinha na mão (aqui os bilhetes são moedas de plástico) lá sigo para Tophane.



Chego e descubro que é altura de Istanbul Biennial, um ponto de encontro em Istanbul entre artistas de diferentes culturas criado pelo İstanbul Foundation for Culture and Arts. Este ano as obras combinam arte com politica. A forma artistica como expressão politica é algo que admiro bastante. Adorei o espaço clean e eficaz, e algumas obras surpreenderam-me, quer pela sua originalidade, quer pelo seu carácter inovador. Uma que me tocou em particular foram os desposos de uma demolição na Palestina. Um sapato, uma gaveta ou uma colher relembrava que mais que tudo este é um conflito humano. Sem dúvida uma exibição muito bem conseguida.



Altura de relaxar. Saio deste espaço para entrar num dos inúmeros cafés e recordo este meu dia insano. Só nesta cidade é que uma pessoa passa pela agitação medieval do comércio de rua, entra em ruas desertas semelhantes a uma aldeia, volta à agitação de um pólo turistico, encontra a modernidade artistica e termina a relaxar num hábito milenar de fumar um cachimbo de água. Até parece bom demais para ser verdade. Alguém belisque-me, por favor...


Sunday, November 6, 2011

What (Is)tanbul

Na Europa “ocidental” a Turquia parece um país fechado, conservador e distante. Preconceito muitas vezes estendido a Istanbul. Na melhor das hipóteses, temos uma ideia duma cidade distante e exótica. Nada pode estar mais afastado da realidade. Percebi isso logo que desci das nuvens e vi pela primeira vez “A Cidade”. Foi uma tonalidade familiar que me acolheu. Por momentos parecia que chegava a casa.

Não estava preparado para isso. Fruto dos meus próprios preconceitos, tinha imaginado uma cidade transformista, um local de passagem para sitios mais exóticos. E como eu estava enganado. O nome da cidade foi escolhido a dedo. Esta é uma cidade que vale por si só. Não se consegue realmente descrever. Tentar fazê-lo é como apanhar o vento com as mãos. Não é algo que se agarra mas sim que se sente.






Então o que é Istanbul? É certo que encontraremos pessoas com véus na cabeça. Que o horizonte é marcado pelas suas inúmeras mesquitas, ou que os muezzins nos lembram que é o momento para rezar. Mas quem vê apenas isso, vê uma cidade que não existe.

É impossível para mim responder à questão. Tem sido difícil escrever este texto. Talvez por ser o primeiro, ou talvez por sentir a responsabilidade de escrever sobre uma cidade que aprendi a amar e a respeitar. Logo quando cheguei a Aya Sofia Meydani, uma praça que medeia as duas conhecidas mesquitas, senti isso. Nunca as apreciei muito. Habituado a templos muito ornamentados, as que conhecia sempre me pareceram despidas e frias. Isso mudou aqui. Estar no meio destas é estar no meio de um desafio entre dois belos monumentos. É uma sã rivalidade que os muezinns parecem acompanhar na altura do chamamento.

Nesta zona conseguimos encontrar três das atrações mais conhecidas desta cidade a uma distância de cinco minutos. Para além da Mesquita Azul e Ayasofia, existe também o Palácio Topkapi. Um palácio que vale mais pelos seus espaços, arquitetura e história, do que pela beleza dos seus quartos interiores.

Como seria de esperar, todos estes sitios estão cheios de turistas, e com estes aparecem os vendedores de tours ou guias “profissionais”. É uma harmonia caótica que se vive aqui. Sendo que uma pessoa nunca se sente incomodada com as ofertas. É um facto que te abordam à primeira oportunidade, mas também te largaram quando não mostrares interesse. Tal como no mercado mais conhecido, o Grand Bazaar. É sem dúvida impressionante. Um mundo por si só, com as suas imensas ruas e ruelas. Parece um outro universo, e passado 10 minutos temos a impressão de que conseguiriamos viver sem nunca sair lá de dentro.

Toda esta zona foi um excelente arranque para a minha aventura em Istanbul, mas se se resumisse a isto, não seria a cidade que tanto gosto. Sortudo como sou, tive o privilégio de ir um pouco além do circuito normal turistico. Devo-o a três amigas desta maravilhosa cidade. E talvez mais que tudo o que tenha visto e experimentado, elas são o que de melhor esta cidade tem para oferecer: uma enorme simpatia e um extraordinário prazer em nos mostrar o que de melhor existe.

A uma devo a experiência de comer os melhores profiterolis do mundo. Encontram-se na Istikal Caddesi, uma avenida parecida à nossa Rua Augusta. Numa pequena pastelaria (INCI Pastanesi) está a harmonia perfeita entre os ingredientes que compõem este doce. O único perigo é uma pessoa não conseguir parar de comer e arruinar o seu orçamento para a viagem (apesar de não serem caros - 5 liras cada). E para quem me conhece sabe bem que não sou guloso, mas este local tornou-me num.

Para além desta experiência, segui o conselho de visitar duas zonas da cidade: Ortaköi e Vali Konagi Caddesi. O primeiro é um bairro cheio de comercio e cafés. Fica perto da Bogaziçi Köprüsü, uma das pontes que une a Europa à Ásia. Daqui podemos fazer um pequeno cruzeiro de uma hora pelo Bósforo e admirar a belas casas e paisagens que ficam situadas nas suas margens.

A zona da Vali Konagi Caddesi é uma zona comercial e em que não se encontram muitos (ou mesmo nenhuns) turistas. Um óptimo sítio para ver esta cidade a se movimentar. Passei uma excelente tarde de Sábado e terminei num café: The House café. Apesar de não ser tradicional, serve comida que nos satisfaz todos os sentidos. Fica num sitio calmo, na Atiye Sokagi nº 10, uma transversal à Tesvikie Caddesi (que parte da Vali Konagi), constituida por restaurantes e cafés chiques situados nos apartamentos desta rua. Aqui encontramos muito glamour e estilo, e percebemos que a imagem vendida na Europa “ocidental” está tão fora da realidade.

A uma outra amiga devo uma excelente noite passada em Tophane a fumar Nargile e a conversar. E, principalmente, a conhecer um pouco mais da realidade deste país e desta cultura. Apesar da viagem ainda ir no início, é um dos momentos que não irei esquecer. Aqui pude testemunhar ao vivo a enorme simpatia deste povo. Passar uma noite nesta zona é por si só uma experiência. Passa-lo, na companhia das pessoas que conheci, é algo extraordinário e que guardarei no meu coração.

Finalmente, a terceira pessoa deu-me a oportunidade de poder fazer à noite uma caminhada entre Tophane - que fica na parte norte - e Sultanahmet - a zona histórica da cidade. Entre palavras, pude conhecer como esta cidade tem aspectos mais liberais que muitas congéneres europeias, ou como, pela Ponte Galata, as dezenas de pescadores passam o seu tempo pelo prazer da pesca. Aos meus olhos eles seriam profissionais, tal o empenho com que se dedicam àquela actividade, no entanto a realidade é que é pela paixão que o fazem. E a essa hora nocturna existe quase um mundo paralelo. Pessoas estão à volta de uma fogueira enquanto outras vendem comida. Um mundo auto-sustentável e também muito apaixonante.

E talvez seja isto que esta cidade é: apaixonante. Como disse no início, não a sei definir. Talvez seja um pouco de tudo. São milhões de vidas que cruzam estas ruas, e que, pouco a pouco, transformam esta cidade em algo único. Aqui, eu não vejo uma ponte entre o Ocidente e o Oriente, nem sequer vejo exotismo. Aqui, vejo uma cidade que é única e que vale pelo seu todo. Vejo simpatia sem paralelo e um sítio a que poderia chamar de casa. Esta é “A Cidade”, e acho que depois desta experiência também a levo comigo. De uma forma inexplicável também tornou-se a minha cidade. Talvez isso seja Istanbul...




Thursday, November 3, 2011

1.11.11

Bem-vindos à minha grande aventura! Com uma pontualidade alemã, a minha viagem começou à 00:01 do dia 1.11.11. Não o fiz de propósito, mas o comboio que me levou ao aeroporto chegou nesse momento. Agradável coincidência.

Depois de uma viagem de quatro horas, o meu corpo pedia pela dose de nicotina. E como qualquer boa estação alemã, a zona amarela marcava o meu porto de abrigo. Mal tinha aceso o meu cigarro e vozes mediterrânicas preenchiam o vazio da estação. Uma senhora de lenço na cabeça disparava umas palavras incompreensíveis, e uma outra tentava acompanhar o seu ritmo infernal.

A primeira aponta para o relógio acima de mim e diz-me algo em alemão. “No deutch” respondo-lhe, ao que ela retorna com um “No english”. Mas a barreira linguística não a demoveu e em breve estavamos a ter uma breve e estranha conversa. Descubro que uma é turca com muitas malas e a outra é Napolitana, que a estava a ajudar (talvez até um pouco forçada). Ambas aguardavam o próximo comboio e queriam saber se tinham tempo para fumar. Uma companhia que durou o tempo de um cigarro e cada um de nós seguiu o seu destino.

Chego finalmente ao aeroporto e encontro-o despido. Apenas uns quantos vagueavam pelos corredores enquanto muitas pessoas preparavam mais um dia de um dos mais internacionais aeroportos da Europa - Frankfurt. Sem cafés abertos e com 25 quilos para carregar, decido sentar-me num banco corrido. A minha cama improvisada. No início estava um pouco tímido, mas após uns momentos, o cansaço já falava mais alto e eu dormitava o melhor que podia.

Acordei ao som de movimento e rodeado de pessoas que aguardavam o primeiro voo, e que eu transformasse a minha cama em lugares para se sentarem. E com essa dica fui tratar das minhas “burocracias” e ficar 20 quilos mais leve. Agora, sem mais que fazer, andei um pouco pelos cafés e lojas até que cheguei à porta de embarque que estava no meu bilhete. Com uma hora para queimar e umas cadeiras convidativas, dormitei um pouco mais. Acordei e decidi ir verificar se o bilhete estava correto. Coisas que se fazem quando ansiamos algo. Olho uma vez para o ecrã e esfrego rapidamente os olhos. Volto a verificar e não quero acreditar: faltam dez minutos e a porta de embarque é diferente da do meu bilhete. O tempo passou bem rápido nesse momento. Coisas que o stress faz. Quando dei conta já estava dentro do avião.

A viagem de três horas foram passadas com muito nervosismo. A aventura estava quase a arrancar e todos os receios vieram ao de cima. Como vou tratar dos vistos? Como vou encontrar o hostel? Serei capaz de tudo? Por momentos tive um ataque de pânico. Mas tão rápido como apareceu, desapareceu. A imagem do que estava a fazer acalmou-me. E enquanto descia pelas nuvens que cobriam Istambul a única coisa que ansiava era ver a primeira imagem desta bela cidade...