Sunday, December 25, 2011

Tempo de uma pausa

E a caminho de completar o segundo mês de viagem, faço a minha primeira pausa neste blogue. Assim, novos posts só em 2012. Nesta semana entre festejos, espero que tenham passado um excelente Natal, e que tenham uma excelente entrada em 2012.

Thursday, December 22, 2011

Uma pequena aldeia


Sinto o toque leve de algo no meu ombro. Olho para cima. Na minha direcção flutuam pétalas amareladas atiradas pelas mãos simpaticas do empregado do restaurante. Sorrio, pois sei o que significa. Ele devolve-me o sorriso e diz-me “is to give you good luck”. Junto as duas mãos para agradecer.

Sinto-me abençoado, não apenas por este gesto, mas por tudo o que tenho vivido. Estou certo que Ganesha está a olhar por mim. Da mesma forma que tenho a certeza de ter entrado na India mistica. A que nos encanta, não pela sua beleza – que tem – mas por tudo o que nos faz mexer por dentro.

Hampi é um belo sitio para conhecer esta India. Não é grande e por isso não nos engole com os seus estimulos. Mas já é cheia dos pormenores que tanto imaginamos quando pensamos neste país. Fica situada no norte do estado de Karnakata e mais que tudo é uma aldeia rodeada de templos e paisagens magnificas.

Hampi Bazaar

Cor, cor e mais cor. Está em todo o lado. Na bancada à venda, nas paredes das casas, nas roupas que as pessoas vestem. Até os sorrisos das crianças que te abordam à procura do teu nome, foto e algumas rúpias parecem ter uma cor especial. Espalha-se por todo o lado e contagia-te. Hampi é uma pequena aldeia histórica e turistica. Histórica em duplo sentido. Centro de templos centenários e porque vai desaparecer. Toda a parte turistica da aldeia vai ser demolida. Na realidade já o começou a ser. A hampi que descrevo não será a hampi que existirá.

As suas ruas, empedradas ou de terra batida, têm um movimento próprio que tudo funde. Sentes o antigo e o recente, o turistico e o genuino. Convivem a par e passo numa estranha harmonia. No centro das atenções está o Templo de Virupaksha – uma das encarnações de Shiva. Com a sua torre de 50 metros, indianamente ornamentada, não escapa ao nosso olhar. Aqui tudo parece girar à sua volta e constitui um sempre presente elemento que nos vigia e protege.

Uns metros mais abaixo corre o rio Turgabahdra, palco da vida quotidiana. As suas margens são ocupadas pelos banhos e a roupa lavada. A escadaria que nos conduz a este lugar, serve de palco de contemplação de uma das mais belas paisagens que já vi. Algo para saborear ao nosso ritmo. Quer seja o de um click fotográfico ou de um belo pôr de sol.

Vittala Temple e Complexo Real

Por vezes o caminho é mais importante que o local de chegada. Não digo isto para desvalorizar os locais a visitar. Sem dúvida que o Vittala Temple, com a sua carruagem de pedra, ficará na memória. Aqui tudo é rendilhado. Mais que monumentos, eles parecem livros que devemos demorar algum tempo a degustar. E o complexo real trará a calma de espaço cuidado. O pavilhão Lotus, apesar de simples, é um hino à harmonia de formato ondulante. De qualquer ângulo é simétrico. Perdes tempo a andar à sua volta, com a boca aberta de espanto. Quase que te hipnotiza.

No entanto, tudo isto é interligado por caminhos que te levam a paisagens magnificas e te deixam espantado até com as coisas mais simples. Toda a região é constituida por pequenos-grandes grãos que constroem montanhas, margens e que que se equilibram por magia própria deste local.

A região é vasta e pode ser feita de bicicleta ou moto. Como sou do contra, fi-lo a pé. E apesar do cansaço, este ritmo permite observar os pequenos pormenores da vida. As pessoas que se deslocam a pé e a admiração por te verem ali. Serás abordado, e muitas tem genúino interesse em conhecer o estranho que passa por ali a pé. Reparas também nos templos funcionais e no respeito sentido pelas divindades. Vês sobras enferrujadas de uma altura mais rural desta região.

Hanuman temple

E quando caminhamos por sitios que não conhecemos acabamos por nos perder. Mas em viagem, raras são as vezes que isso tem uma carga negativa. Esta não foi excepção. Desta forma fui por caminhos incomuns das montanhas rochosas de Hampi e tive o privilégio de conhecer Oscar, um viajante ingles com quem partilhei uma excelente conversa. Mais um daqueles momentos que a viagem nos entrega.

Quando o encontrei, no meio de um grupo de pessoas que estavam a praticar climbing, estava completamente perdido. Procurava o Hanuman temple e o que deveria ser fácil – pois está no topo de um dos montes – tornou-se numa tarefa impossível. Estranhamente não o via, e sem essa referência, não me conseguia orientar.

Mal lhe perguntei, prontificou-se a me mostrar o caminho. E, passo puxa passo, acabou por decidir ir comigo. Passámos por meio dos arrozais, onde por agora quase todos estão secos, excepto o que serve de cultivo de sementes para a próxima colheita. Esse tem um verde vivo como a India. Atravessamos o ribeiro – que à primeira vista parecia um obstáculo intransponível – para chegar a uma aldeia rústica. E heis que estamos na base dos 570 degraus que nos levam ao templo. Pelo meio da subida ainda paramos à sombra de uma árvore e acabamos rodeados de macacos. Parece que estamos numa varanda do mundo tal é a amplitude da nossa visão.

Com a subida feita, e os pés descalços, chegamos ao local de nascimento de um Deus - Hanuman. Aqui só poderia nascer um deus, tal é a beleza do local. Tudo à nossa volta nos silencia em contemplação.

A descida é mais fácil. A caminhada foi excelente, acompanhada de uma conversa que nos transportou para este e outro mundo. Nos guiou ao passado, presente e futuro. Quando me despedi tinha já a certeza de ter vivido mais um momento mágico da minha viagem. Oscar é a personificação do mundo dos viajantes. Com uma generosidade desprendida, um olhar aberto ao que o rodeia, e uma cultura que alimenta uma boa conversa e desperta o interesse para outras dimensões desta vida.

Não era para estar aqui. Hampi não fazia parte dos meus planos. Mas a dica de um amigo iraniano e de uma amiga portuguesa adicionado dos sorrisos espontâneos das pessoas sempre que mencionava Hampi despertaram a minha curiosidade. Precisava de saber o que Hampi trazia. E agora que releio o que escrevi, acho que não lhe fiz justiça. Hampi não é só os templos ou as paisagens. Não é só a diversidade ou o espirito aldeão. Hampi carrega uma magia dificil de transformar em palavras. Se tivesse que a descrever em poucas palavras diria que Hampi é o local onde podes saborear a India ao teu próprio ritmo. E isso por si só é algo que te encanta e te faz sorrir sempre que pensas nesta pequena aldeia...

Wednesday, December 21, 2011

Le Moi Errant: O caminho


Viajar é deixar que o caminho nos encontre. Parece simples, mas é o obstáculo mais complicado que encontrei. Estava habituado a procurar o que desejo. Esse instinto natural impunha-se.  Quase inconsciente, tentava construir o momento. Tal como aprendemos a construir a nossa vida. Mas isso  cega-nos para o que está nossa volta e o caminho desaparece.

Tive de refazer a forma como estava perante a vida. E essa mudança abriu-me portas inesperadas. Hoje sinto uma estranha tranquilidade. De vez em quando, até desconfortável. Estava habituado à montanha-russa emocional. Durante anos alimentou-me a escrita. Sinto que tenho de me reconstruir para continuar esse sonho.

Mas sei que dessa reconstrução nasce algo mais poderoso. Mais genuíno do que o que tinha feito até hoje. Começo agora a talhar as minhas ferramentas. Pouco a pouco. Com a certeza que o escritor que há em mim me irá encontrar. Como o caminho o fez. Ganhei uma batalha com o meu maior inimigo – eu próprio – consciente que outras virão.

Mas qual é o meu caminho? É o dos momentos. Dos sorrisos e olhares. O caminho dos acasos e das emoções. Procuro em cada local a que me é oferecida. São pequenas pistas que me guiam ao próximo passo desta viagem...

Cartas a um estranho


Querido Estranho,

Onde estás tu agora? Pensavas encontrar o exótico mas apenas encontras a vida. Nem a transformação do espaço publico em casa de banho te choca. As vacas que se passeiam fazem parte da tua vida e os macacos que saltam de galho em galho são mais um detalhe da tua aldeia.

Para onde fostes que não te vejo? Pensavas encontrar outros mundos e apenas vês que fazes parte de um mundo maior. Que as crianças que se passeiam descalças pelas ruas partilham o mesmo sorriso e alegria que vias a quilometros de distância. Que, cá como lá, tens de estar alerta para quem te quer enganar mas sempre aberto a quem está disposto a te ajudar.

Já nem estranhas as cores cheias de vida que compõem a tua visão. Não te sentes num meio longíquo, mas que as palmeiras que ladeiam o rio são uma paisagem tua. Algo que te conforta a alma. Que te preenche de uma tranquilidade.

Para onde foste com o teu medo da insegurança e do desconhecido? Pensavas encontra-lo aqui mas apenas encontras uma aldeia que é tua, pessoas que são teus companheiros e um mundo que também é o teu.

Devias de estar aqui ao meu lado. Feliz como estou de encontrar novos mundos no meu mundo. De não sentir a ausência mas sim a presença. Não o longíquo mas a proximidade da humanidade. Mas julgo que sei onde estás. Estás dentro de mim. Foste tu que me permitiste estar aqui hoje, a viver esta vida e a escrever estas palavras...

Tuesday, December 20, 2011

Bem-vindo à India


Mais valia dizer “Bem-vindo à India”. Em vez de “São 10 rúpias” . Olho espantado para tal pedido. É a primeira vez que alguém me exige dinheiro para colocar as bagagens no porão do autocarro. A minha passividade latina faz contas e acaba por desembolsar o montante. Com essa tarefa cumprida, entro no autocarro e dou início à viagem que me levaria a Hampi.

Lá dentro - e depois de uma tentativa frustrada de encontrar os números dos lugares - pergunto “Qual é o meu lugar?”
“É este!” responde o revisor apontando para um ocupado por um indiano.
“Qual?!” pergunta que era mais um “Ok... é este... mas está lá uma pessoa...”
“Este, este!” E por esta altura já o chateava com a minha insistência. Com muita relutância pede ao homem para sair e eu ocupo o lugar. Deito-me estendido para vincar que este é só para mim. Mal o autocarro arranca, o revisor pergunta-me se uma outra pessoa se pode sentar na beira da cama. O meu primeiro instinto é dizer não, mas não vejo motivo para negar. Para evitar abusos continuo a ocupar o lugar todo.

Quando reparo na situação, acabo por perceber o rídiculo da minha posição. Na realidade, no lugar que ocupo, cabem duas pessoas. O máximo que estou a atingir é deixar outra pessoa numa posição incomoda. Digo-lhe, por gestos, para se sentar mais à vontade. Ele responde com um sorriso de agradecimento e surpresa. Talvez pelo tempo passado em Goa, este tipo de situação já não me chateava.

Passo o resto da viagem a dormir, até que um sonoro “Hampi Bazaar” me desperta. Olho para o relógio incrédulo. Estamos a chegar uma hora mais cedo. O que até podia ser uma boa noticia, não fossem 5 da manhã. E a esta hora a guesthouse ainda estaria fechada.

Mal coloco um pé fora do bus, sou atacado pelos condutores de rickshaw. “Rickshaw! Rickshaw! Rickshaw! Do you want Rickshaw? What do you want?” A esta hora da madrugada ainda é fácil ignora-los e acabo por ficar um pouco no terminal - nome dado a um pedaço de terra batida.

Passado cinco minutos, sou uma vez mais abordado

- “What do you want?”
- “Nothing”

- “What do you want?”
- “Nooothing”

Algumas repetições depois:

- “What do you want?”
- “Sunrise”
- “I got it” Solto um olhar de espanto
- “Yes... yes... I've got it”
- “You've got sunrise?! How do you have sunrise??”
- “I take you to see sunrise...”

E com a curiosidade satisfeita digo-lhe que isso não quero. Só pretendo que o sol nasça para procurar o meu pouso. Decido aguardar perto das barracas de comida que existem por ali.

Tempo suficiente para outro condutor meter conversa. Apresenta-me um cartão com o nome da guesthouse que tinha reservado. Sorrio por dentro a pensar que posso ir já para o meu quarto. Desenvolvo a conversa e aceito ir com ele. Como era perto diz-me que lhe pago o que quiser. Lá me ponho a caminho e 5 segundos depois estou à porta. Ele diz qualquer coisa lá para dentro e insiste que existem outras guesthouses mais baratas e melhores. Entretanto fala também com uma outra mulher que tenta me mostrar a sua casa. Eu agradeço mas explico-lhes que já tinha marcado esta. O condutor insiste e começo a ver o filme. Digo-lhe que fico ali à espera que abra. Palavra é palavra. Chega então a dona da casa, que, depois de conversar com o condutor, me diz que não há quartos sem ar condicionado. Eu explico que tinha reservado com, mas que não me importo de ficar num sem. Ela aumenta o preço que tinha dito ao telefone.

Cansado, decido voltar para o terminal. O condutor pede-me então o dinheiro – algo que por esta hora já esperava – e eu dou-lhe as 10 rupias com a certeza de que seriam as ultimas que recebia de mim. Ofereceu-se outra vez para me levar ao terminal, mas eu já não estava interessado. Chego para encontra-lo vazio de companheiros de viagem. Estou agora sozinho entre os nativos. Decido sentar-me ao lado de uma bancada de comida que abria. 

Peço um chá para passar o tempo. Entretanto os condutores iam e vinham. Sempre perguntando quem eu era, se tinha quarto, qual o meu nome e dando a disponibilidade insistente para eu ir com eles. Decido seguir o exemplo de Buda e não sair do lugar. Explico-lhes isso mesmo, algo que os confunde o suficiente para me deixarem em paz. Com o sol já à vista, decido ir à procura de um quarto. Começo a andar com a certeza de que a paz de Goa ficava para trás e estava quase a entrar numa realidade muito diferente...

Sunday, December 18, 2011

Outros Viajantes II – Lisa, a Designer de Interiores


Por detrás do viajante existe um interesse, um gosto ou uma visão particular. A minha já sabem, é a da escrita. A de Lisa é design de interiores. Conhecia-a no Outro Mundo. Sitio perfeito para se conhecer pessoas interessantes.

Partilhámos conversas, trocámos experiências. Ela e o marido estão em viagem pela Ásia durante seis meses. Descubro a actividade de Lisa pela partilha de uma tarefa comum – postagem de artigos num blogue. Desperta-me a atenção. Gosto de design e em especial o de interiores. Gosto de ocupação de espaços - algo inerente ao ser humano - e da capacidade dessa arte transformar lugares físicos em lugares emocionais.

O site chama-se Natural Modern Interiors. Gostava de chamar a atenção para o post sobre Goa. As fotos estão lindíssimas e quase que apetece dizer que não fomos a Goa se não virmos este post. Vejam estes e os outros que são igualmente interessantes. Sem dúvida uma outra forma de viajar e olhar os locais em que estamos.

E se por acaso tens interesse em Design de Interiores podes também “espiar” os trabalhos que a empresa de Lisa – Interior Designs – fez recentemente. Sinto-me sortudo por a ter conhecido. Sem dúvida enriqueceu a minha viagem. Espero que gostem da sugestão e que também acabem por viajar pelos “interiores” dos outros países.

Resta-me desejar toda a sorte e sucesso do mundo para ambos, e quem sabe se os nossos caminhos não se cruzam noutras latitudes...

Outros Viajantes I- Nuno Cruz, o Viajante Luso


O caminho traz sempre outros viajantes. “Conhecio-o” ainda antes de partir. Fruto de um amigo comum – André Escórcio. Acabei por demorar algum tempo a contactá-lo. Tinha partido à minha frente e não queria ser influenciado pelas primeiras impressões que colhia.

Falo de Nuno Cruz, um outro viajante português que se fez aos caminhos deste mundo. E, sorte a nossa, também ele vai descrevendo os momentos e impressões que vai tendo pelos seus trilhos. Deixo aqui o link para o seu blogue. A sua escrita é de viajante e as suas fotos são impecáveis.


Como é obvio, já o contactei por mail, e fui recebido pela sua enorme simpatia. Pelo meio, a promessa de um encontro, caso os nossos caminhos se cruzem. Será interessante a partilha de reflexões comuns e incomuns. A acontecer será mais um momento da minha viagem. Entretanto fica aqui o cruzamento internautico e a sugestão de leitura e acompanhamento. Sem duvida a seguir, ler e beber cada momento destes trechos do mundo.

Thursday, December 15, 2011

Ordo Sounsar


A primeira vez é unica. Um momento irrepetível. Deixa uma marca em ti. Por vezes é planeada, outras aparece de forma imprevista. Em ambas, o teu corpo enche-se de nervosismo e ansiedade quando se apercebe que o momento está a chegar.

A minha primeira vez apareceu de forma inesperada. Tinha ficado para ver a lua cheia em Palolem. A luz foi abaixo enquanto ia a caminho do restaurante. Na sua ausência recordo o motivo por que estava naquele lugar e olho para o céu. Ao reparar nela, acho irónico que tal não se concretiza. A noite tinha nuvens e a lua queria ficar atrás delas. Dou largas à minha imaginação e penso como seria interessante se a ausência não fosse das nuvens mas dum eclipse.

Não estava chateado. A luz era forte o suficiente e eu estava n'outro mundo. Este tinha sido o nome escolhido pelo Serafin: Outro Mundo – Ordo Sounsar. E o gosto que tinha empregue em cada detalhe fazia-nos transportar para esse espaço. Não era só a ponte ou a localização no meio da floresta. Era a pouca quantidade de cabanas. O restaurante-telheiro no seu centro – local ideal para saborear os pratos confeccionados na perfeição. O local de repouso à beira-rio com uma vista magnifica. Era um gosto em ser um espaço eco-friendly. Em que cada peça de madeira é certificada. Entrelaçando todos estes detalhes estava a simpatia de J.D., Serafin e dos empregados. Para além de um espaço físico criaram um espaço emocional perfeito.

Espero pela minha refeição num ambiente à luz das velas. Ouço um burburinho vindo da zona do bar. O Serafin andava para trás e para a frente. Não ligo muito. Imagino que seja o stress da falta de energia. Mas quando a palavra “eclipse” chega aos meus ouvidos, todos os sentidos despertam. Intrigado, decido aproveitar a próxima oportunidade para lhe perguntar. Quando recebo a confirmação nem quero acreditar. O meu primeiro eclipse... assim... inesperado... O meu corpo quer dar pulos de alegria mas satisfaz-se com um rasgado sorriso.

“Nós temos binóculos” Diz-me J.D. E eu, junto-me a eles na partilha deste momento. A lua, indiferente à nossa alegria, vai-se cobrindo pela sombra da terra. Sabe que é o centro das atenções e a cada minuto embeleza-se mais. Muda de cor. Nós, hipnotizados, deixamo-nos ir até à fragil ponte de madeira. Ali, no meio do nada, podemos contemplar a beleza em todo o seu esplendor. À nossa frente distingue-se a silhueta das palmeiras. Atrás de nós, as ondas do mar compõe a mais bela sinfonia. Por cima, as estrelas tecem um belo manto brilhante. Conseguem agora romper a timidez que a lua cheia impunha. Esta é uma esfera escura mas bem delineada. Um fruto proibido que poderiamos pegar e saborear se assim o quisessemos. Mas não queremos, tudo está perfeito desta forma.

“A refeição está pronta” e eu estou pronto para a refeição. Sinto-me aconchegado pelo momento. À minha frente a lua vai-se despindo do seu manto. Delicio-me com cada pedaço de comida que vou experimentando. Entretanto deixo-me embalar por uma boa conversa e excelente companhia. O momento da lua ficou para trás. Nunca a cheguei ver cheia. Afinal, ela própria era agora um detalhe a compôr este outro mundo onde eu vivia... 

Wednesday, December 14, 2011

Estranho elíxir


Passeio-me pelas ruas do mercado. Passo despercebido, talvez pela tez da minha pele. Tal dá-me liberdade para reparar o que as bancadas oferecem. Antiguidades, instrumentos músicais ou colares. Aqui e ali, especiarias e música. Aproveito o momento e vagueio distraído.

“Do you want to come in?” questiona-me uma mulher de olhar enigmático. Não tenho muito interesse mas pergunto-me “porque não?” Tinha tempo e ela tinha desperto a minha atenção. Seus cabelos, apesar de um liso moreno, traziam a imagem de selvagem. A sua presença transmitia uma calma e curiosidade para ver o que tinha para oferecer.

“Please sit down... I will bring it in a moment” Faço um olhar de espanto. Ela retribui com um sorriso e um abanar de cabeça. Afasta-se para outra sala. Mesmo antes de sair passa por uma imagem de Cristo e benze-se. Desaparece por detrás de uma cortina. Consigo ver um vislumbre do que se esconde por lá. Um belo e pouco cuidado jardim. Deixado ao acaso do destino. Em vez de  dominar a natureza deixaram-na ocupar esse espaço. E ela tinha criado um pequeno, mas belo, retiro.  

Volta à sala. Parece-me mais bela que antes. Reparo em novos pormenores. Vejo a cruz tatuada na sua mão, a forma suave como anda e as cores vivas do seu sari. “Take it...” diz-me enquanto entrega um pequeno frasco. Eu não sei o que fazer com ele. Ela adivinha a minha inaptidão e faz-me um gesto para o beber. No início desconfio, mas deixo-me ir.

Sinto uma profunda calma à minha volta. As preocupações desaparecem. Sinto-me bem e em paz. Que posso vaguear. Sorrir com as coisas simples da vida. Tudo deixou de ser complicado. A minha pele sente um calor húmido aconchegante. Ela saí da sala e desta vez deixa a cortina aberta. Eu deixo-me estar. Olho, e o verde tornou-se mais brilhante. As árvores compõem-se com flores. Vejo os diferentes pássaros que saltam nos seus galhos, enquanto um macaco creme me observa. Por cima da copa reparo na águia que circula por lá. Olho para o relógio e sei que é quase altura de partir. Deixo-me estar um pouco mais.

Quando por fim me levanto, leio o que está escrito na garrafa. Uma só palavra: “GOA”

Tuesday, December 13, 2011

Uma Doce Pausa


“Can I take a photo?” pergunto-lhe “Você é português?” Responde-me. E com isto a minha viagem começa.

O dia anterior foi para me acostumar ao clima tropical da India. Foi um tremendo choque. Do frio invernal de Tehran para o calor tropical de Goa, em pouco mais de 24 horas. Todo o meu corpo ressentiu-se e, nesse dia, pouco mais podia fazer que alimentar-me e descansar.

“Sim, sim... é que ontem passei por aqui, vi o simbolo e queria tirar uma...”

“Ah, é sportinguista...” responde-me com um sorriso rasgado.

Afinal pertencíamos à mesma familia. E com a gentileza dos seus 70 anos disponibiliza uma cadeira para me sentar. Apresenta-se: “Bento”. É, entre outras coisas, o presidente do Núcleo Sportinguista de Goa e ainda fala português – algo que está em vias de extinção. Trocamos umas palavras, conto-lhe o que faço e ele prontifica-se a ajudar. Sinto-me adoptado e isso traz um conforto especial. Parto com uma nova segurança para mais uma etapa desta viagem...

Panjim e arredores



Foi paixão à primeira vista. Não sei se é o calor, a luxúria da vegetação ou o flavour semi-lusitano que ainda guarda. Algo atraiu-me e fiquei rendido. Gosto como pequenos toques de portugalidade são adoptados e adaptados à cultura indiana. Torna-se uma arquitectura e paisagem única. Em si, a capital não é muito grande mas é bastante agradável para se estar. Ao sabor dos conselhos do Sr. Bento acabo por experimentar o melhor Baghi Puri da cidade, um saboroso xacuti e deliciar-me com uma bebinqa divinal.

O primeiro foi no café Tato. Um sempre-cheio espaço. Descubro, para meu espanto, que esta especialidade serve-se mais como pequeno-almoço ou similar, do que entrada de uma refeição. Ainda não estou habituado ao picante, por isso, é com muita arte que tento separar os pequenos pedaços de malagueta, enquanto devoro o resto. Os outros pratos foram comidos no restaurante Viva Panjim. E se, por si só, a comida vale a pena, este restaurante situado numa ruela no bairro de Fontainhas é muito belo. Um negócio familiar. A casa restaurada leva-nos a uma era em que Goa era um importante posto mercantil.

A pouca distância desta cidade fica Old Goa. Podemos chegar lá de bus. E isso é uma aventura por si só. Esquece o número e paragem de autocarro. Aqui, para encontrares o teu bus, basta percebes o que os inúmeros gritos significam. “Ol'go, ol'go, ol'go, ol'go, ol'go, ol'go, ol'go, ol'go, ol'go, ol'go” grita um homem em menos de um segundo. É suficiente perto do que soa o meu destino pelo que o abordo para ter a certeza. Na mouche. Entro para o pouco-muito espaço que ainda sobrava. Por aqui nada é desperdiçado, e nos autocarros indianos cabe sempre mais uma pessoa.

Mais solavanco, menos solavanco lá conseguimos chegar a Old Goa. O espaço está em festa, e acorreu a este sítio uma pequena multidão. Gosto como pessoas se arranjam para a mesma. O que me parecia ser uma festa de bairro, transforma-se em evento social e todos querem estar vestidos à altura. Passeio-me no meio da confusão da feira. O ar calmo da estátua de Ghandi contrasta com o movimento mais ou menos caótico das ruas. Tenho aprendido que para lá do caos aparente, existe uma ordem que acaba por fazer fluir tudo. Apenas é necessário apanhar o ritmo e as coisas já não parecem desorganizadas... - ok, tão desorganizadas.

Acabo por passar a tarde entre a multidão. Reparo nos piqueniques das familias, na religiosidade das pessoas ou nos esquemas dos vendedores. Uma pequena amostra para o que vem aí...


Mandrem

Nem queria acreditar quando cheguei. Uma cabana e uma praia. Ao longo desta viagem tenho descoberto que é possível realizar os sonhos de criança. E se no Irão tinha ficado milionário, aqui satisfazia o de viver numa cabana à beira mar. Mandrem é uma das inúmeras praias que podemos encontrar no Norte de Goa. Quem criou a expressão “Dolce fare niente” deve ter passado por aqui. Este espaço chama por isso. No mesmo senti algo pela primeira vez: estar feliz a fazer nada.

Acabo por aproveitar para a primeira pausa da viagem. Senti que estava a precisar desse momento. De nada fazer, nada pensar, nada observar. Deixo-me caminhar pela areia aveludada desta praia até chegar a Arambol. Esta, já com mais movimento, parece um paraíso perdido para hippies. Com alguns bares, muito comércio de rua e uma estrada que acompanha o torneado da encosta.

E por vezes o ficar parado traz bons momentos. De um “what did you order?” desenvolve-se uma excelente conversa. Transforma-se em mais um momento desta viagem. Sinto-me um privilegiado. Quer por ter a possibilidade de viajar, quer pela sorte em encontrar tantas pessoas interessantes. Pergunto-me o que fiz para merecer tanto. Sei que nunca terei resposta, nem me interessa. Para mim, importante é aproveitar os momentos, experienciar as emoções e guardar as sensações de cada local. Neste, a sensação de local perfeito para viver feliz sem fazer nada...

Palolem

Não me vou esquecer desse instante. O primeiro em que vi um macaco selvagem. Foi a caminho de Palolem – uma praia no Sul de Goa. Ali, naquela rua que cortava uma pequena montanha tropical, um macaco creme e esguio corria pela estrada apenas para se atirar para os ramos das arvores à sua frente. Um pequeno sinal de que esta zona era bem diferente do Norte.

De onde estou sentado agora, já pude observar borboletas lindíssimas, esquilos atrevidos, macacos saltitões ou águias. Segui mais um conselho – desta vez da minha amiga Isabel Braz – e estou numa cabana na praia de Palolem. Ordo Sounsar é o nome deste espaço. Um pequeno conjunto de  cabanas no final da praia. Os donos transmitem uma hospitalidade que nos sentimos em casa. J.D., a dona, conta-me como este sítio apareceu. Ao apontar para o local, Serafin, o seu namorado, replicou com um “mas não dá para passar para esse lado” – o sitio fica no extremo norte desta praia em quarto crescente, para lá do ribeiro que a limita - “constroi-se uma ponte” respondeu-lhe J.D. com a força de quem visiona um sonho. E desta forma, temos a sensação de entrar num refúgio tropical quando atravessamos esta pequena e frágil ponte de madeira. Algo que parecia um obstáculo tornou-se num ícone do local.
Por aqui o tempo desenvolve-se devagar. Acabo por passar os dias entre kayaks, caminhadas, mergulhos ou então ficar por aqui a escrever. Lá fora, na praia, os vendedores de viagens tentam angariar clientes, pessoas divertem-se a jogar cricket, disco ou futebol. As vacas aproveitam o fresco da praia e repousam, enquanto os turistas vão e vêm consoante a actividade que pretendem. Eu acabo por decidir ficar à beira rio a escrever. Saborear a brisa e o dialecto local dos empregados. Com um sorriso estampado no rosto.

Goa é uma doce pausa. Um bom sitio para dar inicio à aventura indiana. Já contém muitos aspectos desta cultura, mas emana uma calma que me permite adaptar a este mundo. Todos me dizem para me preparar. India é a universidade do viajante. Goa foi o meu estágio. Uma preparação para o que aí vem. Por cá ficam momentos especiais, pessoas simpáticas e a certeza que vou voltar ainda nesta viagem. É que não contei, mas no meio de tanta ajuda, o Mr. Bento ainda se ofereceu para guardar a  mochila enquanto dou as minhas voltas indianas. Por isso a Goa, mais que um adeus, fica um até breve...

Monday, December 12, 2011

Le moi errant: O escritor que há em mim...


Esta viagem já trouxe muitos momentos especiais. Cada, é um tesouro que guardo e me modifica. Talvez a maior mudança é admitir o que sempre fui: escritor. Bem sei o duro caminho pela frente. Os pesadelos da impotência de escrever, o medo da opinião das outras pessoas. Mostrar o que escrevemos é sempre um acto intímo. E, por mais que não queiramos, é o momento da nossa maior fragilidade.

Até hoje sempre tinha apontado a escrita para o lugar de sonho. Daquelas coisas que se querem fazer mas que no nosso intimo achamos impossível. Era a solução mais simples. Se a escrita expõe a nossa fragilidade, o assumir o compromisso de que somos escritores – e não contabilistas, médicos, professores, seguranças, recepcionistas, etc... - é o suicidio emocional. Depois de o fazer – assumir que sou um escritor – não existe retorno possível.

Mas é a única forma de realizarmos o nosso sonho. É necessário esse compromisso. Só existindo a possibilidade de falhar é que se poder concretizar algo. Acabei por perceber isso com esta viagem. Não só ela representa a realização de um sonho, como demonstrou que, para lá desse primeiro passo, não existe um inferno mas a vida.

Eu não sei que escritor há em mim. É um projeto em permanente construção. Só sei que o sou. Sempre o fui. Apenas não tinha a coragem para o dizer. E agora venha o sucesso e o insucesso. Venha muito trabalho e alguma inspiração. E depois, como em tudo na vida, logo se vê...

P.S. Dedico este post a três futuras escritoras que encontrei pelo caminho. Foram elas que me guiaram a este momento. Que me permitiram estas palavras. E por elas torço os dedos para que tenham todo o sucesso do mundo...

Sunday, December 11, 2011

Um pôr-de-sol


Foi um dos exercícios mais difíceis. Descrever o pôr de sol. Foi me oferecido por Katya, a minha ex-professora-talvez-futura-professora-e-agora-mais-que-tudo-amiga. E raios, como foi complicado. É quase impossível não cair num lugar comum. Na altura, a minha solução foi recordar o pôr-de-sol mais recente e marcante que tinha visto – numa praia perto de amsterdão – e  tentar descrevê-lo sem nunca mencionar o pôr-de-sol.

Recordo-me desse exercício pois é impossível falarmos em Goa sem mencionar o pôr-de-sol. E pensem em todos os lugares-comuns, todos os clichés, todos os ângulos pois eles aplicam-se. Não o adjectivo. Não por falta de opções, mas porque ao ver mais um, descubro o quão pessoal é. Não existe um, existem milhões. E cada um é único. Tal como a pessoa que o observa. Pois esse é o verdadeiro pôr-de-sol. Um momento de íntima contemplação. Por cada pessoa, um pensamento, uma emoção diferente. E, enquanto o Sol se transforma num vermelho-enigma, antes de desaparecer na bruma oceânica, cada um de nós viaja para um sítio diferente. Vai para uma imagem do seu passado, para um desejo no seu futuro. Hipnotiza-se e destroi o tempo à sua volta.

E no entanto, todos partilham esse tempo de contemplação. Não estou sozinho na rocha, na praia tropical ou neste país. Partilho o momento de ausência com milhões de outras pessoas. Ninguém fala, niguém comenta, mas todos guardamos o segredo comum à humanidade de mais um pôr-de-sol...

O mergulho


Nem quero acreditar. Tenha os pés em água quente, um sorriso estampado no rosto e quase a dar o meu primeiro mergulho. Estou aqui, em Goa, a segundos de ficar imerso nesta água. Atrás de mim os coqueiros fazem-me companhia. Dizem-me que é real. Na euforia dou um mortal. Outro e outro ainda. A felicidade propaga-se por todo o meu corpo. O sorriso fica ainda maior. Não controlo, nem tento. Aproveito o momento, como tenho aproveitado todos ao longo da viagem. Grato por tantos.

E a vida é mesmo isto. Nada é um simples algo. Cada segundo, gesto ou momento carrega uma vida. Este momento, a certeza de que o sonho foi substituído pela realidade. E no fundo é apenas um mergulho. Igual a tantos outros que já dei. Mergulho, fico molhado e venho ao cimo. Demonstrando que, por vezes, são coisas simples que trazem felicidade... 

Às vezes é difícil...


Às vezes é difícil. Procuras um bom ângulo, tentas uma nova abordagem e... nada! Por cada tentativa, uma nova falha. Escreves e reescreves ao ritmo dos teus dedos. Sabendo que mal tenhas algo, já a mente diz para apagares. Gastas a tecla de “delete” e desesperas. O problema é que existe tanto para dizer.

Goa é cheio de estimulos. Não tens tempo para observar tudo o que o teu corpo capta. Quer seja a brisa doce, o corre corre dos insectos, o pequeno transito caótico, tudo se mexe e te toca. Goa parece uma pequena India com sabor português. Aqui tudo é mais calmo e ligeiro do que deve ser no resto do país. Já começas a reparar em pequenos pormenores que te confirmam que estás na India. As vacas já se passeiam bulolicamente pelas estradas e pela praia. O trânsito já tem laivos de caos. E as cabeças ondulam a confirmar o teu pedido. O português, ouvido aqui e ali, garante que ainda estás em Goa.

Mas continua a ser impossível encontrar um ângulo para transmitir toda esta paisagem verde tropical, toda a fauna que aqui e ali salta ou todo o ritmo calmo que acabas por sentir. Aqui existe tempo para tudo. E para um europeu – mesmo que português – isso é um pouco confuso. Às vezes pensas que não te entenderam, outras apostas que compreenderam perfeitamente mas não te ligaram. Em qualquer dos casos apenas com o tempo é que recebes a confirmação. E nesses minutos tu só podes mesmo esperar. Algo que rapidamente te habituas.

É normal que assim seja. Afinal no meio de toda esta paisagem, ao som das ondas suaves, tu próprio te esqueces do stress da vida. Para lá dos coqueiros pode existir um mundo, mas tu não queres saber. O mar hipnotizou-te e a música, tocada pela guitarra indiana, acompanha esse estado em que mergulhaste...

Thursday, December 8, 2011

Tempo de pausa

Viajar é ter várias geografias dentro de nós. Saímos de um sitio mas não nos desligamos de onde estivemos. Para quem escreve sobre a sua experiência isto pode-se tornar confuso. Estamos, durante uma fase, em vários sitios ao mesmo tempo. Cheguei à India depois de uma experiência marcante no Irão. E ainda estava a cultivar a minha paixão pelo cenário desértico e já me era apresentado um cenário de luxúria tropical. Aqui tudo explode de vida. O calor húmido impõe-se. Os pulmões enchem-se de oxigénio. Um verdadeiro contraste com o que tinha presenciado e me habituado.

O corpo - e a mente - fica sem saber como reagir. A quantidade de estimulos é tremenda e quase que existe a sensação de impotência. Perco o meu norte. Nunca tinha experimentado tal coisa. E como em tudo nesta viagem, estou a aprender a lidar com esta situação.

Sigo o conselho do meu corpo: é altura de uma pausa. De me deixar entregar à doce actividade de nada fazer. Viver sem preocupação a não ser a do momento. Sem outra intenção que não seja a de existir. Sem dúvida chegou o momento da minha primeira pausa. E tenho de admitir, a escolha do sítio foi perfeita. As praias de Goa chamam a isso mesmo. Dizem-me que está tudo bem. Para não me preocupar. A viagem ainda está no início e ainda existe muito para aproveitar. Mas isso é algo que fica para depois. Agora é tempo de uma pausa...

Tuesday, December 6, 2011

Onde está o meu livro?!


Na realidade o livro já não é meu. Falo do guia da Turquia. No último dia resolvi entregar a quem o podia dar uso. O meu único pedido foi que, assim que ele não precisasse, entregá-lo a outro. Em contrapartida quem o recebe fica encarregue de me enviar um mail para saber por onde anda o livro.

E não poderia encontrar melhor pessoa a quem entregar. Conheci Chris na gelada pousada de Göreme. Eu turista, ele estava ainda a trabalhar por ali. Mas este trabalho é apenas uma paragem no projecto que está a desenvolver. É que Chris também é viajante, mas um com um projecto inspirador.

O projecto chama-se All School Project, e o Chris anda a percorrer o mundo de bicicleta, indo de escola em escola, pedindo às crianças para desenharem casas para depois ir entregar esses desenhos às crianças de outras escolas noutros países. Uma forma simples de abrir canais de comunicação e melhor um pouco o nosso mundo. Sem dúvida um grande projecto, pelo qual o Chris e a equipa dele estão de parabéns.

Vão ao site, informem-se, apoiem, nem que não seja com um like na página de facebook do projecto. E claro, para quem estiver ligado a escolas e estiver interessado na ideia é só enviar um mail e entrarem em contacto com ele.

Quanto ao livro espero que ajude o Chris de alguma forma e fico curioso para saber a que mãos irá parar...

Dubai


Dubai apareceu na viagem como curiosidade zoolófica. Um oportunismo de uma viagem entre o Irão e a India. Queria conhecer esta polis criada no meio do deserto.

Logo no aeroporto tive a noção de que estava num mundo muito diferente daquele donde vinha. O cenário amplo e polido do hall do aeroporto transmitia-me a sensação de estar num hotel de cinco estrelas. Por momentos até poderia imaginar que estava numa qualquer cidade europeia. À minha volta não existia um véu e tudo parecia organizado. Claro que o check point da alfândega, com o seu aviso a determinadas regras de conduta, fez-me voltar à realidade.

Como tinha pouco tempo, acabei por escolher fazer uma das atracções da cidade. Neste caso o Burj Al-Khalifa, maior prédio do mundo. Já que fosse para fazer algo, que fosse algo apenas possível no Dubai. E tomo consciência que este deve ser o pensamento dominante. A sensação é de que as pessoas quiseram criar um sitio único, uma experiência unica. O que conta é ser o mais ou o maior. Coisas que o dinheiro possibilita.

Depois de sair do funcional metro do dubai, tenho a minha primeira visão sobre este lança apontada ao céu. Impressiona, como impressiona a quantidade de prédios ainda a serem construidos. Ao lado das residências encontro monstros de betão e vidro. Passo pelo Armani hotel – luxo, luxo, luxo - e sigo a asseada rua que me leva ao Dubai Mall – o maior do mundo – porta de entrada para a escalada.

Lá dentro, a modernidade saúda-me. Esqueço a minha faceta de simples viajante e vagueio-me como turista. Afinal, aqui é o que sou. E com o bilhete na mão lá vou sorridente para o elevador. É a primeira vez que subo a um arranha-céus. Tenho curiosidade de descobrir qual a sensação. Um homem vestido de árabe mostra-me o caminho. Partilho o elevador com outros turistas, e quando a subida começa, sinto que não é um elevador qualquer. Quer a pressão nos ouvidos, quer a contagem vertiginosa dos andares, dizem-me que este consegue atingir uma grande velocidade. Chegado ao topo, tenho uma ampla visão dos emirados. Um cidade plantada entre o deserto e o mar.

Não consigo deixar de ter a sensação de uma cidade artificial. Algo construído para satisfazer o ego de quem a criou. E apesar de todo o luxo, toda a modernidade e toda a perfeição sinto que esta cidade não pertence aqui. Quase que parece o recreio de seres humanos cheios de dinheiro. Desço uma vez mais pelo elevador. Sigo direto para a rua. Já vi o que tinha a ver. O momento é para estar um pouco a observar todo o luxo antes de regressar ao corre-corre da viagem. Não dou o meu tempo por perdido. Julgo que é necessário ver isto. Ver todo o luxo o que o dinheiro pode comprar. Acho que só assim se pode compreender melhor a natureza humana.

Mesmo antes de partir, um bom momento. No aeroporto um árabe despedia-se da liberdade do Dubai o melhor que podia. Celebrava efusivamente os ultimos momentos enquanto trocavamos umas palavras. Descubro que a vontade de liberdade é cada vez mais comum por estes lados...

Sunday, December 4, 2011

Pela tua mão...


Pela tua mão encontro algo único. Estou cego, mas a tua mão gentil guia-me. Ouço vozes e sei que estou num sala. Sinto as rugas da tua mão. Está marcada pela experiência de uma humanidade. Sei que posso confiar. Decido deixar-me ir e descobrir o que me queres mostrar. Sento-me e a palavra “chay” já me é familiar. Sinto o montar de algo à minha frente. O som metálico a bater na madeira prova-me que estão a colocar uma mesa. Tu guias-me até lá. Obrigas-me a abrir a minha mão e descubro o que pretendes: oferecer um tecido.

Ao primeiro toque, noto o aveludado de uma simpatia persa. Aquele conforto que encontrei no café tomado na companhia de um contador de histórias. Ali, no meio do nada, apenas os carros quebravam a nossa conversa. Nesse momento, não existia um turista e um guia. Eramos dois seres humanos a partilhar uma boa conversa e um café que aconchegava a alma e expulsava o frio do corpo.

Prossigo para ver que outros pedaços de tecido me ofereces. Este é mais àspero, quase agressivo. Sinto que não quer que lhe toque. A minha mão está a mais. Como eu na manifestação que celebrava o aniversário da polícia que controla a moral. Era na bela praça Khomeini em Isfahan. A mesma que uns dias antes me tinha acolhida tão bem. Agora o véu negro, como o preconceito, cobria as mulheres e os camuflados fardavam os homens-meninos. Era uma festa que não partilhava e expulsei-me dessa praça.

Levas-me para o próximo pedaço de tecido. E agora é tão diferente. Tornou-se leve. Deixa passar o ar fresco e confortante de uma conversa à beira rio. Livre de preconceitos ou morais. Um momento intemporal e sem geografia. A não ser a dos nossos sonhos e emoções. Por aí senti uma vez mais a hospitalidade das pessoas que vivem cá. Algo que me tocou com toda a profundidade. Que humildemente agradeço com a certeza de não conseguir retribuir tão generoso presente.

Já não preciso que me guies. Prossigo sozinho, com vontade de descobrir o que mais existe. Sinto que ao passar a minha mão por este novo pedaço, o tecido emite um som especial. Tão especial como ouvir o chamamento para uma oração dentro da Mesquita Iman. Passeio-me sozinho pelos seus amplos claustros e o som torna-se transcendental. A melodia daquelas palavras não chega aos meus ouvidos mas à minha alma. É poesia encarnada no som. Sinto-me elevar para um outro estado, para uma outra consciência. Passeio-me com a melodia na minha cabeça e apenas desperto para o som da flauta que toca no salão musical do palácio Ali Qapu e me embala para outro momento de contemplação.

Penso que mais belo tecido não poderá existir e eis que a minha mão toca um último pedaço. Não tenho palavras para o descrever. É do mais puro que pude sentir. Mexeu comigo. Mudou-me. Tremo a pensar nele. Seria um crime, neste estágio, tentar fazê-lo...

Recupero por fim a minha visão. Vejo o que a minha mão sentiu. Um tecido completo de momentos, bordados na perfeição num país a que chamamos Irão.

Por debaixo do véu


Faz 32 anos que o Irão foi coberto pelo véu islâmico. Desde então tornou-se mais distante. Hoje pouco sabemos da realidade deste povo milenar. É nos alimentado uma imagem de religiosidade radical, um estado ditatorial e de um povo extremista. Um local fechado e desconfiado dos ocidentais. Não era essa a imagem que me tinham oferecido por quem já o visitou. Supremo curioso como sou, tive de descobrir o que se escondia por baixo do véu da minha ignorância.

Tehran

É barulhenta, escura e poluída. O rugido das suas motas dominam as ruas. Andam por todo o lado – inclusive pelos passeios – e atravessar uma passadeira é uma aventura imprópria para cardíacos. Mas esta cidade tem uma vibração que no mínimo não te deixa indiferente. Capital política, sente-se essa carga por aqui. Talvez num nível inconsciente. O melhor exemplo são os véus. Encontras um para cada personalidade. Apesar da obrigatoriedade, esta é desafiada por um véu que cobre apenas o fim do cabelo. Ou então é confirmado pelo tradicional véu, no qual nem uma ponta de cabelo vês. Uma dualidade muito presente por aqui.

Tive a sorte de conhecer um pouco mais da sua vida. Presente oferecido pela enorme simpatia de Mahdi. Compreendi que o “pitoresco” – trânsito – torna-se um inferno para quem vive cá. Pude ser um “revolucionário” e escrevi num dos inúmeros sites que este regime censura – o facebook. E terminei uma noite com um petisco (beterraba em calda doce) que se vê à venda um pouco por toda a cidade. Descubri também que a Europa é uma verdadeira fortaleza. Mesmo que seja apenas em turismo, tornou-se uma tarefa quase impossível arranjar visto se nasceste na coordenada errada deste planeta.

Em termos visuais não é uma cidade que enche os olhos. Entre o degradado e o composto, encontramos de tudo. Um “tudo” que vem embrulhado numa névoa de poluição e uniformiza a cidade. Um tom castanho acizentado apenas cortado pelos algo-coloridos placares das lojas. Só que esta cidade “esconde” algo muito especial. Apanha o metro e sai a norte. Tenho a certeza que ficarás com a boca aberta. A vista das montanhas Alborz é algo único. Talvez o melhor postal que Tehran pode oferecer. São autênticos gigantes de rocha e neve que vigiam esta cidade.

Mas Tehran tem mais para oferecer. A Praça Khomeini é o centro do movimento caótico e lojas de rua. Da mesma saiem importantes avenidas (como a Ferdosi, com as suas casas de câmbio e montras cheias de dólares). No meio, um placard do Iman deixa-me surpreendido com a semelhança entre ele e o Sean Connery. Devem confirmar isso com os vossos olhos. Muito especial para mim, foi ver o graffitti da estátua da liberdade com o rosto de uma caveira. Imagem icónica do anti-americanismo. Uma sensação estranha podê-la ver ao vivo, quase de tom agri-doce. Os mini-aquedutos que separam as estradas dos passeios são outro dos pequenos pormenores que nos é oferecido. Antigos canais que transportavam a água potável, são hoje locais por onde as chuvas pluviais correm. Com mais de 30 centimetros, rapidamente te habituas a ter cuidado com os mesmos. Se não te chamarem à atenção num primeiro momento, estou certo que ao primeiro susto de queda nunca mais te esquecerás.

Tehran é uma óptima introdução a este país. O sítio perfeito para começar a levantar o véu que o encobre. Para terminar, nada melhor que fumar shisha com amigos. O local com aspecto semi-clandestino, fez-me temer o que existiria por detrás da porta. Lá dentro um espaço pouco iluminado, preenchido por sofás cobertos de tapeçaria persa e umas horas de conversa.

Shiraz

Desconfio que você queira ir para Persepolis...” diz-me um homem de tez morena e ar jovial. “será um adivinho?!” penso num primeiro instante. No dia anterior tinha deixado um periquito ditar o que Hafez tinha previsto para o meu destino. Ele é um dos poetas mais celebrados pelo Irão. Toda a casa deve ter uma cópia de Corão e de Hafez. E, tal como o Lonely Planet refere, desconfio que será mais fácil encontrar uma cópia da obra de Hafez. Existe o hábito de pedir um desejo, abrir o seu livro ao acaso e ver o que Hafez nos diz. À porta da sua campa, algumas pessoas têm um conjunto de versos, e, por uma pequena quantia, ficamos a saber o nosso destino – “fal” em persa. A campa em si é um local obrigatório para se visitar em Shiraz. Constrastando com o aspecto cru da cidade, a campa é um belo e calmo jardim.

Você deve ser o motorista...” respondo-lhe. “Morteza” apresenta-se, entregando um cartão e um sorriso contagiante. Não poderia estar mais contente com quem me iria levar a Persepolis. Morteza é a personificação da simpatia persa. Gentil, educado e muito jovial. Pelo caminho – uma estrada que corta as montanhas e que por si só enchem os olhos – conta-me como é amigo de um outro Português, também João, mas neste caso, Pedro. Descreve as peripécias desse João e como ele ficou raptado pelo período “dos melhores 22 dias da sua vida” entre o Paquistão e o Irão.

Conta-me um pouco da sua história de 62 anos. De como era trabalhador da petroquímica no tempo do Xá. E de como, depois da revolução, se despediu por não conseguir trabalhar com os Mullahs. Vejo como esta revolução teve impacto na sua vida, e como nem sempre a “revolução” tem o melhor desfecho. Guia-me de volta à sua juventude e de como os aldeões conduziam os primeiros carros. Quando me explica que eles pensavam que o espelho retrovisor servia apenas para ajeitar o cabelo, não posso deixar de largar uma gargalhada sentida. É um verdadeiro contador de histórias, e pelas suas palavras viajo um pouco pelo país que já não existe. Ao chegar ao meu destino, ainda me acompanha até comprar o meu bilhete para Persepolis.

E este local, apesar de meio despido, é uma lembrança que esta é uma terra de grandes impérios. Da campa de Artaxerxes, percebe-se a escolha do local. Uma planície ampla é o cenário perfeito para o palácio de um grande império. Vagueio um pouco por aqui e por outros tempos. Imagino o que as comissões estrangeiras devem ter sentido ao entrar pela escadaria monumental à sua entrada. Do cimo, trompetas ecoariam, e demonstrariam, pelo som, a força deste império.

Após esta visita ao passado, vou para outra máquina do tempo: Naqsh-e Rostam. São os tumúlos gigantescos de Darius I, II, Xerxes I e Artaxerxes I. Apenas conseguimos ter a noção da sua dimensão quando observamos outro ser humano – sempre de aspecto minúsculo – a olhar espantado para o mesmo. Das várias inscrições uma parece um aviso ao limite que a Europa teve. Num baixo-relevo o rei persa segura pela mão o imperador romano, enquanto outro se ajoelha. Aqui foi Roma que prestou vassalagem a outro grande império.

Volto à companhia do simpático Morteza, enquanto regresso a Shiraz. Dá-me várias indicações sobre os belos locais que este país tem para oferecer. Explico-lhe que já vi o lindíssimo masoleu Aramgah-e Shah-e Cherag, ou que me perdi pelas misteriosas e infintas ruelas dos bazares desta cidade. Aí é impossível não deixarmos a imaginação nos guiar, enquanto passeamos à deriva. A tapeçaria é dominante, cortada pelas especiarias, perfumes e chás. Refiro-lhe que me falta apenas experimentar uma especialidade local – Faloodeh Shirazi, um gelado. Prontifica-se a me levar ao local que me tinham indicado. Uma gelataria por detrás do forte que domina o centro da cidade. Este forte, austero por fora, mas delisioso por dentro, marca o fim da Avenida Zand - estrada que corta toda a cidade. Despeço-me com um obrigado muito sentido e a certeza de que não poderia ter encontrado melhor pessoa para me transmitir o que esta cidade tem para oferecer.

Isfahan

O meu espírito retorcido tem destas coisas. O normal é começar o périplo iraniano com Isfahan (isto se não se quiser ficar em Tehran). Eu tinha de fazer ao contrário e terminar nesta cidade. E em bom momento o fiz. Isfahan é a pérola da Pérsia. Uma cidade com muita vegetação e um rio que a separa em duas partes (pormenor que salta à vista depois de passar tanto tempo sem ver água). A cruzar esse rio estão inúmeras pontes. Umas mais modernas, outras com um rico historial. As mais antigas – e as que gostei mais – são a Si-o-Seh e a Khaju. Ambas construídas no tijolo amarelado típico desta região. São pontes entre o norte o sul, entre a realidade e a imaginação. Belos sítios para ficar e contemplar a beleza do rio Zayandeh e das suas margens. É uma cidade que se passeia por aqui. Entre uma estrada de árvores, flores e arbustos encontramos algumas estátuas, recreios e máquinas de exercício. É algo imperdível.

Mas este corredor de arvóres continua pela avenida principal – Chahar Bagh Abbasi. Nos seus lados, o corre-corre normal das cidades iranianas. Trânsito, muitas lojas e cores e muito movimento. No seu meio, uma tranquilidade contrastante. Daqui chega-se à Praça Iman. Uma ampla e geométrica praça. Contém o que de melhor a Pérsia tem para oferecer: o bazaar a norte, a mesquita Iman a sul, a leste a mesquita Sheikh Lotfollah e a oeste o Palácio Ali Qapu. A sua beleza não está apenas nos seus monumentos, mas na forma como a sua decoração subtil, apenas rasgada pela lúxuria dos referidos, nos deixa num estado de tranquilidade. Por detrás desta praça está uma cidade que vive. Um cidade que corre e se movimenta. Aqui parece ter um ritmo mais calmo e ligeiro.

Um bom sitio para sair é pelo Bazaar. Local sempre propício à imaginação e à satisfação da nossa vontade de observar. Cada detalhe deixam-nos uma recordação que mais tarde nos irá fazer sorrir. E, mesmo perdido no meio das suas ruas fechadas, acabaremos por ir parar à parte mais antiga da cidade. Aqui o cenário é bem diferente da beira-rio. O amarelo desértico é dominante. Esta zona é constituída por inúmeras ruas estreitas em que nos apetece ficar perdidos. No entanto - e sob pena de perdermos demasiado tempo a chegar a algum lado - vale a pena não o fazermos com muita “intensidade”. Aqui existe outro momento “wow”. Trata-se da Mesquita Jameh. Uma verdadeira homenagem à evolução da arquitetura islamica. Por fora passa completamente despercebida. Mas uma vez lá dentro, o tempo é para contemplar todo o seu espaço.

Para completar a cidade nada melhor que ir ao quarteirão arménio. O caminho para lá leva-nos à extensa avenida Tohid. E por estes lados, o moderno convive com o clássico, as ruas amplas com os becos estreitos. Caminha-se e encontra-se as lojas que nos habituamos a ver noutros contextos (Apple, Adolfo Dominguez, Nike, Puma, Geox, etc...). Aqui têm um sabor diferente. É mais um sitio para onde deixarmos ir até onde os nossos pés aguentarem. Encontraremos numa loja, num sinal, numa flor, na cor de um prédio, ou no simples movimento natural da cidade, interesse suficiente para ficar.

Claro que tudo isto é embrulhado pela simpatia dos seus habitantes. E em qualquer oportunidade falarão contigo, ajudar-te-ão ou tentarão te compreender - mesmo que o máximo de palavras comuns sejam uma dúzia. Uma simpatia que guardarei sempre. Um enorme presente, talvez a maior pérola que podes levar contigo.

E por debaixo do véu...

…está um mundo que espera por ti. Cada cidade é unica. Guardo o movimento de Tehran, a simpatia de Shiraz e a tranquilidade de Isfahan. Saio com a sensação que irei voltar. Apenas levantei um pouco do véu. E nesse pequeno espaço encontrei, acima de tudo, uma riqueza nas pessoas que cruzaram o meu caminho...


Le Moi Errant: O início

Finalizo o meu primeiro mês de viagens com uma nova rúbrica. Desde já agradeço à Suzzanne e à Ana Salvador por me guiarem a este título. Procuro por aqui descrever a viagem interior que esta aventura também representa. Viajar tem tanto de olhar para fora como passear por dentro. Espero que gostem da mesma.

O início não poderia ser mais intenso. Foram muitas emoções, epísódios e momentos que me preencheram. É, mais que tudo, a fase de acomodar e de nos confrontarmos com uma nova realidade. Nesse sentido foi muito diferente do que esperava. Quer queiramos, quer não, criamos expetativas, idealizamos situações. A realidade é sempre diferente. E sei que por mais que tente passar para palavras o que vou vivendo, tal só poderá ser sentido quando viajado. Nesse sentido foi talvez a minha primeira surpresa, a diferença entre o ideal e o real.

Num primeiro momento tentamos concretizar o que sonhamos, ver o que pretendiamos ver, mas, no meu caso, tive de abandonar esse sentimento. O realidade é o que é, e mais que realizar o que sonhei, quero viver o presente. Foi difícil trocar a ânsia de ver pela calma de estar. Sei que estou a perder muito. Que muitos locais acabo por não ver. Mas também sei que tenho uma vida inteira para o fazer. Mais do que tickar uma lista de to-do's, pretendo encontrar a minha viagem.

É desconfortável a sensação de teres um mundo apetecível tão perto de ti e optares por não ires a todo lado. Mas viajar é também ir à procura do desconforto. Talvez seja isso que obriga um viajante a mudar por dentro. Luta-se contra o nosso instinto natural de protecção. E quando estamos num sitio confortável, já vamos para o desconhecido uma vez mais. Mas esta mudança, este desconforto, obriga o teu espírito a estar completamente aberto. Olhas com mais cuidado à tua volta. Sentes dentro de ti uma insegurança que acabas por controlar. Onde queres chegar é mais importante que esses sentimentos.

Sei que um mês é pouco para dizer que mudei, mas a realidade é que aconteceu. Hoje recordo-me já com um olhar algo distante. Ainda é uma mudança difusa e sublime. Algo não concretízavel, mas à mesma é uma mudança...