Friday, March 16, 2012

Obrigado!


A India é... | x | ← colocar o adjectivo que quiserem escolher. Ele fará sentido. Percebo agora porque é que este país capta a imaginação de tantos, durante tanto tempo. Tentei descrever o melhor que pude mas isso é tarefa impossível. Apenas consegui transmitir uma pequena imagem, de quem apenas conheceu um pouco este país. Noventa dias neste país é o equivalente a um atomo de uma migalha do maior bolo do mundo.

Mas foi tanto o que aconteceu. Tanto que vi e senti. Fui empurrado para todas as emoções. E com isso cresci. E se esta sociedade é responsável por esse percurso, são os momentos partilhados e vividos que fazem o ritmo do meu coração aumentar e os meus olhos humedecerem.

Podia tentar imaginar, podia tentar planear, mas sei que seria impossível sonhar com melhor viagem que esta que vivi. E apesar de ser o actor que une todas as diferentes histórias, as verdadeiras estrelas – bem brilhantes neste firmamento – são as pessoas que tive o privilégio de conhecer. A todos, aos que nomeio e aos que omito por esquecimento, um enorme e muito sentido obrigado. Sei que na vossa vida fui um momento, ou uns dias, mas não imaginam como é estupendo estar deste lado e ver tanta riqueza humana passar pelo meu caminho.

De uma forma, ou de outra, estas são as pessoas que tornaram a India o que é para mim: um sitio mágico e que ficará tatuado no coração.

Agora que parto, recordo tantos momentos. A simpatia e gentileza do Sr. Bento em Panjim. A conversa doce com Mariah enquanto partilhavamos uma mesa ao jantar. O Manchester City de Ian (será este ano?), a escrita de artigos partilhada com Lisa. A despedida sentida de Serafin no seu Ordo Sounsar e a forma como LD me fez sentir em casa nesse espaço. Isto sem esquecer o eclipse partilhado com eles. E ainda por lá, encontrei a generosidade e simpatia de Tom que me oferecia a sua casa se passar por Munich.

Impossível esquecer a caminhada, conversa e personalidade de Oscar em Hampi. Ou o momento partilhado numa agência de viagem/bus stop perdida no meio de Hospet com Selina. A forma como Firoz se preocupava comigo na sua guesthouse em Cochin, enquanto um idoso cliente levantava todos os obstaculos possíveis.

Assim como levarei no coração o abraço de despedida em Munnar de Dotan, ou o reencontro com  Dani depois de Munnar. E ainda nos meus ouvidos, está a voz de Nadesh enquanto cantava no Echo Valley. Penso no café e a ajuda preciosa de Divya em Chennai. Café partilhado com os seus amigos e onde conheci a simpatia de Alex e a hospitalidade de Vinoth, viajante indiano, que fez questão de negociar a corrida de rickshaw para a minha tão aguardada viagem de comboio.

E como me senti entre amigos, numa estação de bus na companhia de Yogesh e seus comparsas em Mumbai. E existem momentos que são felizes coincidências. Como a de partilhar um poeirento autocarro com Jure. Uma viagem transformou-se numa daquelas conversas que nos levam a muitos lugares.

Claro que para mim o Rajastão estará sempre ligado a Hannah, que me ajudou a desbloquea-lo e com quem partilhei tantos momentos. Dificil de escolher um, mas agora que parto talvez escolha o pôr-de-sol, enquanto eramos “vedetas” para as camaras dos papparazi's atrás de nós. Uma imagem surreal como apenas a India permite. E deste estado guardo no coração a simpatia humilde de Badal em Khuri, algo que me tocou. Uma pessoa que parece transpirar rectidão e simpatia. Igualmente tocante foi a alegria e boa disposição de Kukki vivida enquanto cruzavamos as estradas rurais de Bundi. Aqui fiquei hospedado mesmo ao lado do restaurante de Chetna e Tony, um casal tão simpatico como bem humorado e que espero que um dia possam ir à europa e se tiverem por lá, que os possa ver em Portugal.  Foi também aqui que conheci maravilhoso Dustin com quem partilhei excelentes conversas à beira-lago. Mas sobre ele acho que me alongarei quando o visitar no seu país, o Vietnam.

E quando pensava que me restava apenas visitar os monumentos icónicos de India, heis que me é introduzida a vontade de aprendizagem e simpatia de Pramod em Varanasi. Ou então a hospitalidade e irmandade de Abid e Hassan em Kajuraho. Isto apenas para ser maravilhado por um dia que não estava nos planos com Fernando e onde pude reaprender a falar português, enquanto a nossa conversa saltava do inglês para o português, ao sabor do hábito e esquecimento.

E para terminar a viagem de forma perfeita heis que o meu caminho se cruza com o de Aurelie. E entre o sorriso inicial em Panjim e a despedida na bus station de Madgaon foram muitos momentos especiais partilhados, impossíveis de escolher num só momento.

E estes são apenas fragmentos de momentos partilhados com pessoas especiais. Uma humanidade de pessoas, que enriqueceram-me, fizeram-me feliz e mais que tudo preencheram o meu coração. A todos o meu mais amplo obrigado. Nunca vos esquecerei e espero reencontrar-vos nestes caminhos do mundo. 

Wednesday, March 14, 2012

Le moi errant: Aceitação


Tudo se resume a isto: nunca me aceitei. Todo o meu vazio, os meus choros ou depressões estão contidas nessas três palavras. Sou teimoso. Segui alguns dos meus instintos, fiz as minhas escolhas e acabei por trilhar o meu caminho. Mas em qualquer destas alturas nunca me tinha aceite. Por dentro a vazio não terminava, as lágrimas corriam e as depressões seguiam trajetoria de um yo-yo.

Apesar das decisões difíceis, ou da criação deste projeto, o vazio ainda cá estava. Nasceu bem cedo. Nem tenho recordação do momento. Mas foi crescendo comigo. Tornando-se maior e mais invisível. Sempre coloquei uma carga negativa no que fazia. Sentia que não era normal, mas acabava por o fazer. Quase de olhos fechados.

Mas só agora, há poucos dias, é que se tornou claro. Tudo o que acontecia e sentia passava por essa parte. Enquanto caminhava ia conhecendo tantas pessoas e partilhando tantos momentos, que a determinada altura fui forçado a começar o processo de aceitação. Começou no Irão, mas teve o seu maior impacto aqui na India. Relacionado com os mesmos estão momentos que se partilham com outros e não com palavras.

Hoje vejo quanto o meio em que vivemos nos molda e quebra. Como nos fazem optar pela norma ou aceitar a rejeição. É uma dura escolha. Uma que fiz por pura teimosia, e algum masoquismo. Nunca quis dobrar ao que os outros mandavam. Mas por dentro esse comportamento teve o preço de um vazio.

Sempre que olhava para dentro rejeitava o que via. Eu era eu, mas tentava ser um outro. Acontecia de forma sublime, e passeava-me entre mundos. Agora sinto que já não preciso disso. Eu não sou anormal ou normal. Sou uma simples pessoa. Que como todas, tenho caracteristicas, gostos e forma de viver. Não são boas, não são más. São minhas. Sei que serão sempre julgadas pelos outros, mas isso nunca me interessou muito. Pois, no meio do meu egocêntrismo, sempre percebi que o meu julgamento era o mais forte de todos.

Hoje sei que não sou anormal por alguns gostos que tenho. Ou por algumas emoções que sinto. Mas também sei que não sou o único. Que por mais originalidade ou estranheza, existe sempre alguém que partilha um pouco do que nós sentimos.

Escolhi como propósito da minha viagem a liberdade. Não sabia o quão profundo é esse caminho. Hoje passo pelo degrau da aceitação. Sabendo que este é apenas mais um dos que terei de escalar para me poder libertar...  

Tuesday, March 13, 2012

História de uma foto: O Sorriso


Hoje tenho poucas palavras para esta foto. Na última semana, ofereço como foto aquilo que é o maior highlight da India e humanidade: o sorriso!


Monday, March 12, 2012

10 Dicas para visitares a India


Está quase. Neste momento que escrevo faltam alguns dias para partir. Foi uma experiência brutal. Daquelas que te muda, e da qual já não regressas. É um outro estranho que sai da India. Mas antes de o fazer, queria partilhar umas dicas sobre este imenso país. Talvez vos possa ajudar quando decidirem a se aventurarem por aqui:

1 – Nenhuma dica faz sentido para a India

Esqueçam tudo o que direi. O mais certo é que não se aplique. E estando na India se calhar até se aplica.Confusos? Optimo. Então já estão a saborear um pouco da India. Esta é imprevísivel e pessoal. Será aquilo que tu és. O seu encanto é mesmo esse, o de nunca ser a mesma. Portanto estão mesmo por vossa conta.

2 – Tudo faz sentido e o seu contrário também

Talvez a caracterista que mais amei na India. Aqui a realidade é muito diferente da nossa. Estamos tão habituados a ter o branco, preto e um conjunto de cinzentos pelo meio, que ficamos confusos quando aqui aterramos. Aqui a realidade é mais quântica que linear. Por isso, não existe outra forma de a descobrires senão experimentares. O que parece ser sujo não o é. O pobre é rico e mais sábio que tu. Por isso vem com a mente aberta a algo que tu nunca viste.

3 – A letra P foi inventada para construir a palavra paciência e para a utilizares aqui

Se não tens, passas a ter. Se já tens, vais aumenta-la. A India não é fácil. Pode, se tu deixares, levar-te à loucura. Mas o segredo está mesmo aí: está tudo nas tuas mãos. Se quiseres encontrarás muitos motivos para te enervares. Transportes com atrasos, algo que combinaste mas não aconteceu ou mesmo aquela espera desesperante pelo empregado do restaurante. Mas por outro lado, podes tomar consciência dessa realidade e adaptares ao que está à tua volta. De qualquer das maneiras, traz uma boa dose de paciência, que será sempre importante.

4 – A India existe há milhares de anos e continuará a existir depois de saires daqui

Eu diria que é o Sindrome Ocidental. Passei pelo mesmo. No início tudo é esmagador. E enquanto estiveres em modo “ocidental” vai-te nascer uma vontade enorme de ajudar ou mudar esta realidade. Esquece isso. A India é mais antiga que qualquer nação europeia e já sobreviveu a basicamente tudo. Por isso devem estar a fazer algo bem. De qualquer forma, esta é uma sociedade com as suas regras, e não é no pequeno periodo que estás aqui que algo mudará.

5 – Cuidado com o que desejas

Esta é talvez uma das maiores dicas. Normalmente acabas por obter aquilo que desejas mas não da forma como tinhas imaginado. Assim tem muito cuidado com o que procuras porque de certeza que o vais encontrar.


6 – Existem todos os motivos para não funcionar, mas funciona

Isto é um dos encantos deste multi-país. Independente do que vês, as coisas funcionam. Muitas vezes parece pura magia. Pelo menos é o que penso sempre que olho para um poste de electricidade, ou quando estou no meio do trânsito. Por isso, e apesar do que todos os teus instintos te digam, podes ter a certeza que irá funcionar.

7 – Os indianos criaram a lei de Murphy e o seu antidoto

A lei de Murphy deveria chamar-se a lei indiana, tal é a propensão para algo falhar. Mas tendo eles inventado esta lei, também aprenderam a encontrar uma solução. Assim, mais que stressar o melhor é deixares as coisas fluirem até uma solução aparecer. E aqui o equilíbrio é a nota dominante. Não podes ser passivo nem demasiado activo. O truque está em descobrir os pontos que fazem as coisas acontecer. Lembro-me agora do dia em que mandei revelar as fotografias. Queria oferece-las às pessoas das aldeias por onde tinha passado. Mas só ia ficar um dia mais por isso sabia que estava a cometer um risco. Claro que o inesperado aconteceu e as fotos foram parar a outra vila. E na altura, em vez de me chatear e preocupar, basicamente fiz questão de lhe frisar a promessa que ele tinha feito. Três horas depois tinha as fotos na mão e um sorriso no rosto.

8 – Fácil é algo que não combina com India

Se andas à procura duma experiência fácil não venhas à India. E difícil é mesmo díficil. Por isso pondera sempre muito bem antes de decidires vir cá. A India pode ser a tua melhor, ou pior, experiência. Mas se estás preparado para isso (não realidade nunca o estás mas o que conta é que penses que sim), e se aceitares o que a India tem para dar, vais ter a experiência da tua vida.

9 – Só podes receber aquilo que dás

Talvez o maior presente que recebi, mas um que vos devo de avisar. A India é aquilo que tu és. Ou melhor, aquilo que tu dás. Nunca senti tanta reciprocidade como aqui. Se acordasse mal disposto e com uma cara menos amistosa, a India transformava-se em algo agressivo e dificil. Se estava com um sorriso rasgado então a India era algo magnifico. E nesse sentido a India é muito generosa. O que deres ela devolver-te-a 10 vezes mais. Mas isso é para tudo o que deres, seja bom ou mau. Começas a compreender que o que está à tua volta está nas tuas mãos, e acabas por iniciar uma viagem interior do qual regressarás de forma diferente.

10 – Prepara-te para os sorrisos

E esta é a maior dica de todas. Sei que as pessoas – e eu não serei diferente quando me perguntarem – têm uma tendência para alertar para o pior. Neste caso o lixo, a confusão, o hustle-hustle, as crianças a pedir, as casas de banho em público, etc... Mas isso é algo que tu ultrapassas num instante. O que te esmaga e te reduz ao ser mais insignificante - em que não és mais que uma massa gelatinosa em forma de ser humano - é o sorriso de uma criança. São brutais e vão-te desfazer tudo o que tens por dentro. Por isso – e apesar de saber que é impossível – prepara o teu corpo para receberes o poder gentilmente brutal dos sorrisos das crianças indianas...

Sunday, March 11, 2012

O Puto Viajante, o Líder e o seu Sol


Rezam as lendas que anda por aí um puto viajante com um rasgado sorriso. Um daqueles que se formam quando um sonho é realizado. Este acompanhou-o àquela já-não-tão-confusa estação de comboios em Agra. Ainda deslumbrado com o Taj Mahal, ia à procura do lugar da sua carruagem. Para seu espanto, esta estação tinha essa informação em placares electrónicos. Seguia atentamente a contagem decrescente. “S7, S6, S5, S4, S3, S2...” e a estação terminava nesse número de carruagem.

“É mesmo India” pensou enquanto olhava para a distância entre placares para descobrir o local em que a S1 – sua carruagem - se encontraria. Por esta altura já duas pessoas o tinham “mirado”. Ele, um calmo Che Guevara, ela uma estrela brilhante. “Deve ser argentino ou chileno” pensou o Che Guevara e decidiu abordar este puto viajante com o seu castelhano.

“Estas na coche S1?” pergunta que deixou o puto algo surpreendido.

“Si, mi coche is S1” Por esta altura o puto viajante tem uma certa dificuldade em manter uma conversa que não tenha uma ou outra palavra em Inglês

“Nosostros tanbien, donde es?” Um desbloquador de conversas tradicional entre viajantes.

“Portugal” respondeu o puto, para receber um sonoro “Ahhhh... Portugal!” que o deixou surprendido

“Nós vivemos em Portugal”  e agora foi a vez do puto largar um sonoro “Ahhh... Portugal!”. De imediato estabelecem uma ligação própria de povos latinos. A festa estava montada e os risos ouviam-se entre as palavras e emoções gesticuladas.

Eles apresentam-se. Chamava-se Líder e era equatoriano. Sua mulher era Sol e chilena. Depois de uma vida de viagens tinham parado em Portugal para criar familia. E agora, com ela criada, retomavam o prazer das viagens.

O comboio entretanto chegara, e depois do puto viajante fazer aquilo que todos os guias não recomendam: deixar a bagagem sozinha no seu banco, retomam a conversa largada. A palavra saudade voltava a fazer sentido, enquanto eles recordavam – e salivavam – pela comida portuguesa. E entre histórias de Portugal e experiências da India, o tempo ia passando.

Ele deixa-se encantar pela calma do Líder e a vida em Sol. Mas mais que tudo sente uma familiriedade quase esquecida. Uma de sorrisos e toques, de expressões e emoções entre palavras. Algo próprio de quem é latino. Está de novo em casa, e bebe as histórias de vida fantástica destes dois viajantes. Sente-se transportado para a latinidade daquela América e tem a certeza que essa parte da viagem irá tocá-lo profundamente.

Mas o coro de ressonos já cantava alto. Era altura de despedir. Um “até amanhã” partilhado e o puto tateava pelo corredor até à sua cama. Quando chegou descobriu a sua mala intacta e um sonoro companheiro como companhia. Nada que retirasse o sono, e foi com um sorriso que adormeceu...

Thursday, March 8, 2012

Perolas da India


Deixar o melhor para o fim. Um conselho que segui religiosamente. Exitiam três locais que queria ver acima de tudo: Agra, Varanasi e Khajuraho. Estes eram as pérolas da India. E tinha motivo para tal ansiedade. São simplesmente divinais. Cada um por motivo diferente, mas todas são estrelas num firmamento carregado de sonhos.

Varanasi

Não pede desculpa. Entra em ti e viola-te os sentidos. Inunda-te de sons, cheiros e movimentos. No primeiro momento ficas paralisado. É muito. Quase sentes que é demais. Aqui tens tudo o que a vida é. Sem desculpa, nem falinhas mansas. É cru, violento e agressivo. Mas também muito belo.

Foi uma das últimas cidades que visitei na India. Por esta altura estava habituado ao movimento. Quando atravessei a rua da estação de comboios fi-lo de forma indiana: sem pausa e com a mão a orientar o espaço por onde consegues passar. Não me assustou, mas foi intenso. Sentia que tinham comprimido a India naquele “pequeno” espaço.

Mais do que qualquer outro sitio, Varanasi põe a nu o que a India tem de negativo. O lixo, o hustle-hustle e os encontrões. Mas também projeta tudo o que este país tem de bom. A simpatia, a diversidade humana, a beleza cénica. E não podes escolher. Aqui tudo te é entregue numa moeda de uma face. E cada zona da cidade tem a sua beleza.

As ruas principais e “amplas” trazem-te o movimento e o dinamismo do caos. Obrigam-te a apurar os sentidos e dá-te uma beleza de olhares, roupas ou conversas amistosas. Podes ter a certeza que até com o volume no máximo do teu ipod ouves e sentes a buzina. Tu não entras nesta realidade, é ela que entra em ti.

E do meio desta confusão vais para... outra confusão. Esta é feita de ruas estreitas. As que te guiam aos Ghats. É um óptimo local para passeares a imaginação. E entre os corpos que são levados para o crematório, as pequenas lojas de deliciosos Lassis ou becos pouco iluminados, encontras o que te apetece. Em qualquer sitio encontrarás a atmosfera de um bom filme de espiões ou  locais de contos de fadas.

Mas é nos Ghats que Varanasi se materializa. Por aqui tens a vida. É o curso mais intensivo de humanidade. E a beleza da mesma não é perfeita. É cheia de defeitos e chatices. Mas, tal como na vida, é a tua actitude que determina a tua experiência. Olhas para o imperfeito e negativo e Varanasi é um monstro que te consome. Olhas para os sorrisos e as cores, e não consegues deixar-te flutuar por um mundo de pequenos sonhos e conquistas, de uniões e amores.

Varanasi é muito mais que uma cidade, é uma humanidade que se comprime e agita, te toca e te violenta, mas nunca, por mais que queiras, te pedirá desculpa...

Taj Mahal

Só existe uma coisa mais difícil que descrever um pôr de sol: descrever o Taj Mahal. Por mais que puxes pela imaginação, acabarás com palavras que alguém já escreveu ou com imagens que alguém já fotografou. Mas nas duas situações – pôr de sol e Taj Mahal – eles contêm uma beleza que ultrapassa todos os cliches.

O Taj Mahal é uma emoção. Ele não é belo pela sua simetria, pela sua pureza branca ou pela sua bela e triste história. A sua beleza aparece pelo sentes. Ele toca-te. Mexe-te por dentro, apesar de ser um conjunto de pedras e dois corpos. Tem um magnetismo que consome tudo à sua volta. Passeias-te pelos seus belos jardins e os teus olhos prendem-se ao Taj. Sentas-te à sua beira, e mesmo com todo o movimento que os turistas trazem, estes são pinceladas criadas para sobressair o monumento.

Não sei quem era o maior romântico. Quem mandou construir ou quem construiu. Mas sei que todos os permitiram o Taj existir, são os maiores construtores da humanidade. Conseguiram aquilo que qualquer escritor luta sem sucesso por fazer: materializar uma emoção.


Khajuraho

E Khajuraho foi... diferente do que esperava. Desde que soube dos templos do Kama Sutra - como são apelidados - que tinha curiosidade em os ver. Acho fascinante, e um pouco trágico, como uma sociedade depois de passar por uma fase tão liberal se tenha transformado Tanto. Hoje as pessoas nem se sentem à vontade para passear de mãos dadas na rua. Esperava que estes monumentos conseguissem-me transmitir algo impossível quando falamos de evolução tecnológica: olhar para um passado mais avançado que o nosso.

Neste sentido, esta pequena vila indiana tinha como propósito terminar o caminho das três pérolas. Mas, e como estou na India, tudo foi muito diferente do que esperava. A começar pela vila. A saudar-me encontrei amplas avenidas, rotundas limpas e ajerdinadas. É certo que o hustle-hustle junto ao templo ainda nos recorda de que país estamos a falar, mas foi como me encontrasse num espaço a meio caminho entre a India e a Europa.

Também foi diferente porque tive a oportunidade de ver ums outra Khajuraho. Entregue pelas mãos de Abid (ou Michael para os turistas) e Hassan. Conheci Michael numa troca de palavras sobre um lenço. Tinha acabado de chegar e esperava que o meu quarto ficasse pronto. Depois, bem, depois palavra puxa palavra e Michael levou-me a conhecer um belo local para um pôr-de-sol nas montanhas. Guiou-me a uma pequena aldeia e templos.  E mostrou-me uma escola constituida por voluntariado e que ajuda as pessoas mais pobres da aldeia. Conheci os melhores locais para comer e mais que tudo tive acesso à gentileza das pessoas e à sua simpatia que me permitiu participar numa vida tantas vezes fechada a quem é de fora.

Foi também foi com ele que conheci Hassan. Um electricista, dono de uma loja de reparação de electrónica. Mais que tudo um senhor de coração generoso e sorriso cativante. Passado umas horas já me convidava para almoçar no próximo dia na sua casa. Algo que aceitei com todo o agrado.

Quando cheguei à pequena aldeia a 4 quilometros de Khajuraho, a palavra turismo tinha ficado bem para trás. Aqui estava num sitio feito de indianos para indianos. Cheguei de mota à sua humilde e generosa casa. Insiste em me pedir desculpa por a casa ser pequena, pouco maior que 15 mt2, algo que não concordo. Uma casa é do tamanho do coração das pessoas que a habitam, e esta, com Hassan e a sua familia, foi uma das maiores que já estive. Passei o tempo a brincar com as crianças, ou dito de outra forma com os meus pares, e a admirar esta pequena casa, que me recordava da casa da minha avó. As paredes de estuque, os sorrisos à refeição e o cheiro de comida cozinhada à lareira era-me muito familiar. Foi um momento muito especial que guardarei no meu coração.

Hassan ainda me leva a fazer um pouco de sightseeing, guiando-me até um templo hindu no topo da colina da sua aldeia. Daqui tive uma bela vista sobre toda a região. Uma ampla planicie verde, cortada por cordilheiras de pequenas montanhas. Daqui, as torres que se elevam de Khajuraho parecem as de uma cidade perdida no meio da selva.

E depois disto, pensava que pouco mais me restava para fazer em Khajuraho. Heis que Michael me surpreende com a pergunta: “já foste a um casamento indiano?” Parecia que lia os meus pensamentos, pouco me faltava para fazer e isto era uma dessas coisas. Já tinha desistido. Tratava-se de um casamento muçulmano, algo que é impossível de saber numa primeira impressão. Quando cheguei a casa do noivo - maquilhado de vermelho e com as mãos pintadas de hena - foi a alegria e generosidade que encontrei. Recebi de imediato um pacote de doces e fui introduzido à familia.

 Todos me saudavam e faziam questão que assistisse de perto à entrega de presentes ao noivo. Por entre um batalhão de fotografos e curiosos, via a familia da noiva entregar o enchoval a um noivo sorridente. Fui para fora, e depois de algum tempo, chegava o momento principal desta etapa do casamento: o montar do cavalo que levaria o noivo para o local de celebração. O cavalo era multi-colorido com fitas que me recordavam as das árvores de Natal. E apesar do cavalo apresentar algum temperamento, em pouco tempo o noivo - agora também coberto das mesmas fitas - já se encontrava no cavalo, e a procissão podia seguir. Isto significava que as quatro megas colunas na carrinha poderiam começar a funcionar. As pessoas seguiriam ao ritmo de festa, e numa atmosfera que parecia uma rave. Tudo possível com um gerador ambulante. Era altura de voltar ao hotel. Faltavam alguns minutos para fechar as portas e por esta altura já sentia que a festa não era minha.

Ah... é verdade... quase me esquecia. Ainda tive tempo para comtemplar os maravilhosos templos de Khajuraho. Os do Western Group, são os mais conhecidos e bem preservados. O espaço fechado é quase paradisiaco como os seus amplos jardins relvados. Um espaço para saborear cada momento e que te levanta a questão: como chegamos a este ponto? Mas por esta altura estes já eram um pormenor em Khajuraho. Graças a Michael e seus amigos conheci uma Khajuraho como só a India consegue criar: um local turistico e não-turistico embrulhado da mesma realidade.

Wednesday, March 7, 2012

Le moi errant: Coração


É um processo doloroso. Quando sais de um sitio, o teu corpo reage. É uma emoção muito forte. Entregaste algo de ti, e esse fica no local. Na paisagem que te roubou um suspiro, num sorriso que te contagiou ou numa pessoa com quem partilhaste excelentes momentos.

E em viagem o teu coração anda a mil. São muitas emoções. todas elas intensas. Não raras vezes passas de um deslumbramento que te traz uma felicidade sem medida, para um estado esmagador de humildade pelas histórias que se cruzam o teu caminho. Vives um sonho real e o teu coração acompanha-o. Na altura de dizer adeus, os teus olhos humedessem de emoção.

Apesar do instinto natural de protecção, acabo por decidir não o fazer. Não vale a pena guarda-lo desta dor. O coração é algo único. Por mais que deixes um pedaço, ele nunca fica menor. E apesar do sofrimento ao rasgares um pouco do teu, em pouco tempo ele fica recomposto e mais aberto à vida. Depois, quando olhas para as cicratizes, não vês dor ou sofrimento, mas encontras um mapa da tua felicidade. Não sentes os momentos de despedida com mágoa, mas com o sorriso de quem viveu uma vida preenchida.

Tuesday, March 6, 2012

História de uma foto: Uma criança


Em cada foto uma história. Nesta está a de uma criança. Uma que sonhava mesmo contra o que via à sua volta. Imaginava-se longe do seu bairro, a caminhar pelas estradas do mundo. Talvez tenha começado a sonhar quando o seu pai falava de terras longiquas. Lugares apenas acedidos pelas palavras que bebia com entusiasmo. Por dentro crescia o sorriso de quem sonha.

E o tempo passou. A vida traz curvas e contra-curvas, mas segue sempre numa direcção. A criança já não era mais criança e o sonho estava mais escondido. Mas sempre vivo. De tempos a tempos sussurava-lhe ao ouvido, mas ele não queria ouvir. Contentava-se pela felicidade do momento e a certeza de uma vida planeada. 

Mas o sonho é rebelde e não se deixa dominar. Quando preso numa jaula, vira fogo e consome por dentro. Torna-se fruto de mal estar e insatisfação. E a criança, que agora menos criança era, já não sonhava e muitas vezes desejava não o ter feito. Encontrava-se fraco e abatido.

No meio deste tempo árido e cruel, heis que uma pessoa, cujo olhar atravessava a sua alma como quem olha através do vidro mais translucido, lhe dá a primeira palavra. Pega nele e diz-lhe: “vai!”. Entrega-lhe a força que ele tinha perdido. E a ela, junta-se outra e mais outra. De repente, aquela criança - que se imaginava sozinha e abatida - tem uma multidão à sua volta. Recebe tudo o que precisa para caminhar.

O criança volta a ser criança e retoma o sonho. Já não está apenas acessivel nas palavras do seu pai. Está nas suas mãos, nas suas pernas, no seu coração. Agora o sonho arde mais intensamente, mas já não o consome. É a força que o move.

E quando essa criança se senta por fim naquelas pedras de mármore, verte uma lágrima. O sonho estava ali, à sua frente, à sua volta e dentro de si. Olhava para o Taj, mas não era isso que ele via. Via todas as pessoas que fizeram o seu caminho. Recordou quem lhe deu o primeiro empurrão. Agradeceu a todos e soube que nunca mais deixaria de ser uma criança...  

Monday, March 5, 2012

Outros viajantes V – Jure


E por vezes o caminho traz-nos coincidências. Neste caso trouxe Jure. Um viajante de um pequeno país, que partiu no final de Outubro para uma longa viagem, e que cruzou a Turquia e o Irão antes de chegar à India. Mas enquanto eu parei em Dubai, ele fez “escala” no Paquistão para chegar aqui. Cruzamo-nos num autocarro, entre Udaipur e Jodhpur. Uma parte das nossas viagens que foi comum.

E no tempo que medeiou essas duas cidades, construímos uma boa conversa que passou pelas viagens, politica e futebol. As histórias sobre o Paquistão são fantasticas e recomendo que vão ao blogue dele e vejam por vocês próprios. O site é Asia Overland e está repleto de videos de uma viagem a todos os níveis interessante e cheias de peripécias.

Antes de chegar ao fim da viagem ainda partilhamos as experiências do Irão, e de como o atravessar essa parte do mundo nos facilita a experiência indiana. Acabo por ficar rendido ao conhecimento que ele tem de Portugal e do futebol português. O que me faz ter a nota mental para saber mais sobre o que me pareceu o excelente país da Eslovénia. No fim ficou no ar a possibilidade dos nossos caminhos voltarem a cruzarem-se pela Tailândia. E nestas coisas de viagens nunca se sabe quando chega a próxima coincidência.

Sunday, March 4, 2012

Bundi, um dia perfeito


Gosto de coincidências. Como quando descobri que o gentil homem que me aborda é Kukki.  Era minha missão encontra-lo. E aí estava ele a encontrar-me. Kukki é um arqueologista, boa pessoa e com disponibilidade para fazer uma tour pessoal pela regiões circundantes a Bundi. Uma excelente oportunidade de conhecer um lado tantas vezes vedado a um viajante como eu.

Conversa puxa conversa, e o meu dia de escrita é transformado em tour pelo countryside. Quando dou por mim já estou em cima da sua mota, a passear pelas radicais ruas indianas. Primeiro tenho de ir à estação de comboio comprar o meu bilhete de ida para Agra. Depois de uma paragem obrigatória na lateral da estrada por causa de um fitipaldi indiano, lá estavamos nós na estação.

O que parecia ser complicado, passa a ser simples – estava a espera de uma longa fila e muita confusão e encontro um balcão com duas pessoas à minha frente. E o que parecia simples transforma-se em complicado – demorou uma eternidade até chegar a minha vez, para descobrir que tenho de preencher um papel de reserva, para voltar à fila e aí poder comprar o meu bilhete. E com ele na mão partia descansado descansado.

O primeiro caminho é feito pelos campos agrícolas. Com um verde que muda consoante a colheita, mas que sempre transpira uma cor viva. Tendo vindo de zonas mais desérticas, estou mais sensível a esta imagem, e toda a região parece um pequeno paraíso. Paramos na primeira povoação, para tomar um Chai. Kukki cumprimenta todos com uma simpatia que parece contagiar toda a gente.
Todos saudam-me gentilmente, algo que tento replicar o melhor que posso. Apesar de não saber falar Hindi, fazem-me sentir como estando num grupo de amigos.

O sítio é destinado para pequenas paragens em viagem. Temos as bancadas de chai, mercearias e uma ou outra oficina mas mais nada. Mal tinha começado esta minha observação e já o dono do estabelecimento me dava uma chamuça para a mão, entregue num pedaço de jornal. Aceito de bom agrado e curioso para experimenta-la. Levo o primeira trinca à boca e esta reage de imediato. Sinto a picada rápida do picante. Tento ajeitar o melhor que sei a comida, como isso pudesse minimizar o picante. E lá para o final, entre sopros e narinas dilatadas – descobri que o meu ponto de tolerância é o de um nariz a pingar – confesso a Kukki: “hot... spicy...” Ao que ele replica, para meu espanto: “also for me”. Sorriu de alívio. Afinal 2 meses na India, já me deram alguma tolerância ao picante. Ele “refila” simpaticamente para o dono e sem dar conta já tenho uma nova chamuça na mão, desta vez com molho curdo – yogurte – que apazigua a minha boca. Termino a refeição com um clássico chai e muito sorrisos.

Com o estomago satisfeito, partimos. A próxima paragem é a casa do seu “irmão” mais velho. Irmão por amizade e convivência. Uma oportunidade para conhecer uma casa tipica do Rajastão. E aqui a experiência começa a ser mágica. Este povo tem uma simpatia que não te deixa indiferente. Torno-me modelo de turbante e fotografo-a-tentar-ser-profissional. Quando dou conta, já estou no pátio interior, que liga as divisões da casa, rodeado de crianças e adultos curiosos e satisfeitos por estar ali. Tento o máximo que posso para tirar boas fotografias, e cada vez que as mostro um coro infantil de risos e comentários junta-se à minha volta. Agradecem-me e eu agradeço. Lá fora vejo Kukki a sorrir para mim e a conversar com o seu “irmão”. O tempo passa entre sorrisos e timidez, entre comunicação gestual e rodas alegres de crianças. As “mães” estão tão bem dispostas como as crianças e parecem guardar entre-rugas uma jovialidade que refresca a alma e me recorda dos meus avôs.

Retemperado por este momento, partimos para visitar um templo, vida selvagem e um rio. Pelo caminho paragem para comprar fruta e visitar uma plantação. Coisas simples que dão outra cor a uma viagem. Lá chegados, o espanto não é só meu mas também de Kukki. Nas margens do rio – que nesta epoca é um conjunto de grandes poças – estão cerca de trinta pessoas. Aldeões nomádicos que estão a colher “water fruits”. Uma vez mais, a minha camara capta a atenção das pessoas e dou por mim a tentar apanhar o melhor que posso a beleza do momento. Este tocou-me especialmente. Não sei se foi a simplicidade do estilo de vida, a beleza do lugar, ou a simpatia envergonhada com que me abordavam, mas algo me prendeu aquele local. Pelo meio, e porque estava a ser um dia de sorte, um espetaculo de vida selvagem, com muitos passaros a pintarem o céu e árvores. Antes de partir, uma visita ao belo pequeno templo.

De novo na estrada, a paisagem muda radicalmente. O verde transforma-se em amarelo arido e rochoso. Pelo caminho fazemos mais umas paragens fotográficas – onde sou de novo recebido com uma simpatia desarmante – e outras obrigatórias pelo tráfico intenso de... gado. Aqui estamos dentro da India rural. Nas estradas rectilineas até perder de vista competem motas, camiões, tratores, vacas, cabras e ovelhas pelo pequeno espaço asfaltado. Tudo convivendo com naturalidade. O passado e o presente misturam-se e transformam-se na India que gostamos de conhecer. Acabamos por fazer mais uma pausa numa aldeia. Tempo para chai e pakora – fritos que retemperam a alma. E tal como na primeira paragem, sou adoptado por todos os membros do estabelecimento. O tempo desliza entre sorrisos, sentado nos bancos de pedra, e sobre a sombra de um telhado de palha.

E dentro desta doce melancolia, sigo para visitar as descobertas de Kukki: pinturas rupestres que abundam nesta região e que são um tesouro precioso que Kukki tenta manter. O cenário onde se encontram é belo: um rio que escorre entre as pedras arredondadas, pouso de vida selvagem. Pelas palavras entusiasmadas de Kukki, passeio-me pela pre-história e os momentos de descoberta até chegar ao difícil presente da manutenção deste espaço. Por aqui existem muitas minas ilegais, que dão sustento a familias e pedras a casas por este mundo fora. Parto com o desejo não confesso, de que o sítio sobreviva para outros terem o mesmo prazer que tive. Mas com a dúvida que tal seja possível.

Por esta altura o tempo voava e o Sol descia demasiado rápido. Altura para chegarmos ao ultimo destino. Uma aldeia típica da região. Kukki surra-me entre palavras que é constituída pelas pessoas mais humildes que conheço. Preparo a alma e coração, para o encontro. E vejo as suas palavras transformarem-se em realidade, por uma oferta de chai, os sorrisos de crianças e o convite a entrar dentro de uma casa. No meio a mesma alegria que tinha encontrado ao longo desta minha viagem. Uma existência cheia de coisas simples mas profundas, que parece guardar a essência do ser humano melhor que qualquer outra coisa.

Sinto-me esmagado, mas ainda com tempo para ser ouvido pelos deuses. Entre a viagem, Kukki pede a Deus que nos mostre “a little of wild life” e logo de seguida, para nosso espanto uma lebre cruza a estrada. Sem dúvida um sinal que Deus estava a ouvi-lo. Ele faz questão de agradecer efusivamente. Ainda paramos uma vez mais, para termos um vislumbre de uma catarata que parece desaguar num paraiso perdido. Uma maneira perfeita de completar o dia em que fazia 3 meses de viagem. 

Thursday, March 1, 2012

Rajastão


A India para muitos é Rajastão e arredores. Num pequeno espaço, consegues apanhar uma variedade difícil de igualar noutra região da India. Numa sociedade com pouco tempo disponível, este acaba por ser o local da India mais conhecido. Após um mês mágico no Sul, estava curioso para descobrir-lo. Tinha receio que acabasse por achar demasiado comercial. Mas como em tudo na India, acaba por ficar surpreendido e trazer algo que não estava à espera.

Udaipur

Todos temos no nosso passado uma aldeia. Retornem agora à mesma e imaginem-se a passear pelas pequenas ruas que ela tem. Dessa forma conseguem sentir um pouco o que é estar no meio de Udaipur. Uma cidade cheia dessas pequenas ruas e átrios. Uma sensação de aldeia, mas uma que parece não terminar. Tem um flavour mourisco, muitos cabos e cores. Tem vacas e pedintes. E tem um magnífico lago. Nas suas margens, restaurantes, hotéis e um excelente palácio. Daqueles que nos levam o ar e o tempo. Digno de histórias de encantar, acabas por te perder nas multiplas salas e átrios. Em todas, um gosto muito rico pelo ornamento. Desejas que tudo fosse assim. Acabas a visita por ser esmagado pela vista sobre o lago de um lado e sobre a cidade do outro. Uma cidade composta pelos azuis, cor-de-rosas e brancos dos seus prédios.

Mas Udaipur é colorida pela simpatia dos seus habitantes. Tens a pressão dos vendedores, como em qualquer outro local indiano. Mas o que é uma potencial venda, transforma-se numa boa conversa e conheces um pouco mais as pessoas. Uma troca, não de mercadoria, mas de momentos. E até o impensável acontece, quando o dono de uma loja me confidencia o local onde existe o mercado com os preços mais baratos. Um utilizado pelos indianos e alguns turistas mais curiosos. Aqui não apenas os preços são diferente, como as próprias regras. Em vez de negociação encontras preços marcados. Uma lufada de ar fresco para quem não tem gosto, ou arte, na negociação. Livre de agitação, acabas por te perder a ver o que comprar. No meu caso, uma manta, uma sweat, calças de fato treino, luvas e gorro. Numa palete de cores que nunca antes eu imaginaria utilizar, mas que acabei por gostar.

Jodhpur

Jodhpur apareceu com uma nota musical. Esta estava destinada a entrar na minha visita à cidade azul e a transforma-la em momentos mágicos. Começou logo que cheguei. Vim num bus de Udaipur, e fomos deixados num local em que apenas existiam rickshaws. No meio da confusão, lá sou guiado a um. Mais uma pessoa ia para o mesmo Haveli (uma mansão transformada em Guesthouse) e acabamos por partilhar o rickshaw. Descubro no meio de apresentações que é cantora e muito simpática.

Jodphur é mágica. As suas ruas estreitas e serpenteadas levam-nos para um local próprio de contos. O azul é dominante, ou não fosse este o seu nome. A supervisionar todo este emaranhado de vida está o forte, imponente e belo. O primeiro dia fui directo a ele. Quase que por atracção. Pelo caminho, a India que nos habituamos a ouvir falar. Crianças que nos abordam, vacas que se passeiam, belas mulheres em saris coloridos e um sorriso em cada rosto.

Entrei por uma das portas. Não sendo a principal, tudo estava calmo. És transportado para uma época medieval. Todo o complexo é feito de rocha. Nas muralhas, o sandstone vermelho domina reflectindo o Sol de uma forma magnifica. Decido segui-las. Erguem-se rapidamente e permitem uma bela panorâmica da cidade. Lá em baixo o azul é apenas irrompido pelo branco das torres dos templos, e o vermelho da clock tower. Ao longe é possível ver o palácio que os Rajas utilizavam no tempo das Monções. Depois deste momento, decido seguir a estrada que dá entrada ao complexo. Antes da entrada vejo uma familia de músicos de rua. Deixo-me estar. Assim que começa a tocar a sua guitarra indiana tudo muda. A sua voz, e da sua mulher, são perfeitas e hipnotizantes. Fundem-se com o cenário à sua volta. Com o aspecto medieval do forte, com a beleza azul dos tectos da cidade, ou com o aspecto árido das montanhas que envolvem Jodhpur.

O complexo do forte acabou por ser visto no dia seguinte. E enquanto admiro o rendilhado das paredes deste forte começo a ouvir um batido de tambores. Depois uma flauta e quando dou conta já estou à beira dos músicos. E a magia acontece quando uma foto colectiva transforma-se numa dança indiana. O momento é único. Sinto-me maravilhado pela forma ondulante com que dançam. E aqueles minutos dão uma beleza a um espaço já de si belo. Lá dentro podemos ver a riqueza de palácio. As várias armas e carruagens. Podemos ficar horas a admirar os pátios interiores. Mas foi o momento musical que transformou tudo. Gosto como é universal e como sempre traz um sorriso a quem ouve. Foi um momento real e belo.

Acabo por decidir perder-me nas ruas. Cheias de comércio, vida e cores. Não tinha um objectivo que não fosse caminhar. Também não precisava. São ruas cheias de pormenores, transformando-se num highlight por direito próprio desta cidade. E encontramos tudo pelas ruas cobertas de fios. A pequena mercearia, a oficina de bicicletas, o vendedor de comida, ou o fazedor de colares de flores. No seu meio o transito parece ter um ritmo variado e próprio. Ora  imergindo-te em motas e rickshaws, ora deixando a rua deserta para tu caminhares.

Khuri

Cheguei a esta pequena aldei pelo conselho e companhia de Hannah. Eu queria uma pequena aldeia para ficar uns dias e ela tinha a sugestão perfeita. Sem hesitação coloquei este local no meu itinerário. Após uma viagem duma hora num típico bus lotado - em que dois lugares são na realidade três - e com tempo para uma criança curiosa, chegamos a esta aldeia.

Khuri apresenta-se como uma cidade resort. Muitas renovações e guesthouse por cada habitação. No entanto consoante nos aproximamos da casa do nosso gentil anfitrião, começamos a abandonar o feeling de resort e a entrar no ambiente de aldeia. As cabras e vacas são mais numerosas que os aldeões e o ritmo tem um ritmo doce de esquecimento. Com a casa apresentada, um complexo constituido por alguns quartos e três desert huts (barracas de tijolo, lama e caidadas em branco). A decisão foi obvia: fico numa hut. Temos a sensação de não precisarmos de mais nada que uma cama e um telhado.

Mas se o local já é atracção suficiente, é o deserto que nos chama. Nunca tinha entrado no deserto. Já me tinha cruzado com ele no Egipto, mas não o cheguei a conhecer pessoalmente. E seguindo a estrada que segue à duna encontrei-o. E entrava na magia das dunas sedosas. As cores e as formas ondulantes das dunas encantam e hipnotizam. Mas é a sensação de abandono que te agarra. Aqui não tens nada, e por isso é tão fascinante. Podes-te concentrar na tua existência. Tudo o que é civilização fica para trás e tens apenas um céu azul, e os tons de amarelos à tua frente.

É dificil captar a beleza do deserto por palavras. Porque a beleza está na ausência.de elementos. Está no silêncio apenas interrompido pelo som de camelos trazido pelo vento. Na não existência de vegetação, à excepção de uma árvore, que pelo seu isolamente se torna belo. Ou por um sol, que quando desaparece, se transforma e muda as cores do cenário à tua volta.

O deserto aqui não é o do sahara, mas um constituido por dunas  e terrenos áridos. Passas entre a “savana” e deserto do sahara a uma distância de casa. Mas é o local inóspito que nos habituamos a associar à palavra deserto. E ele tem o condão de apurar os teus sentidos. E de valorizar o belo no pouco que tens. Viver em khuri é uma experiência minimalista. Sem muito, valorizas a comida, a companhia e a paisagem pelo belo e significante que tem. Abandonas o superficial e tornas valioso as pequenas e mais importantes coisas da vida.

Jaisalmer-Pushkar-Bundi

Acabei a semana num ritmo acelerado. Com pouco mais do que dois dias por cada sitio, sinto que apenas vi um vislumbre destes três locais. Mas não deixou de ser intenso.

Se Jodhpur é a cidade azul, esta será a contra-parte amarela. Um amarelo de deserto que nos mostra a sua função. Hoje Jaisalmer é um posto turístico que serve de passagem para os safaris no deserto. Apesar deste aspecto, ela mantem uma beleza arida e agitada que a torna única. É certo que assim que colocas o pé fora do autocarro, és levado por uma maré de solicitações, que só termina quando voltas a sair. Mas saindo fora desse “drama” indiano, acabas por encontrar as ruas estreitas e esguias, os belos Havellis ou um daqueles fortes em que dá prazer te perderes. E para lá das lojas turísticas existem os jogos tradicionais, os sorrisos afáveis e as conversas espontâneas que te recordam da verdadeira natureza da India.

Pushkar continua turistica, mas bem mais calma. É uma pequena vila religiosa. Ao seu centro um lago sagrado, onde muitas pessoas se banham ou lavam as suas roupas. Turistas passeiam-se enquanto crianças dão de comer a milhares de pombos. As suas danças aéreas, sempre que alguém passa pelos pombos a correr, dá um belo cenário para a música que estiveres a ouvir. Para lá do lago, existe o mercado. Demasiado tentador para não comprares algo que não sabias que precisavas.  A envolver toda esta vila as montanhas, que dão o toque mágico a todo o cenário. E apesar de ser um belo palco para tu estares, Pushkar foi um palco diferente para mim. Acabei por ir a um concerto de músicos tradicionais do Rajastão. E não existem palavras para o descrever. Tocado numa pequena sala preparada especialmente para esta ocasião - dentro de um complexo religioso - foram momentos que apenas a música permite-te chegar. No final, um sorriso de orelha a orelha e um extase que transforma tudo à nossa volta. Pushkar ficou mais belo depois deste concerto, e ainda com a música na minha cabeça, nada melhor que terminar a visita a ver o pôr de Sol no topo de uma das suas montanhas.

E depois apareceu aquele sitio que qualquer pessoa tem de ir quando passa pelo Rajastão. Falo de Bundi. Essa vila que te recebe com um sorriso aldeão, e um abraço generoso. Se o forte que desce sobre a vila te rouba o primeiro sorriso. Se as ruas estreitas e medievais te deixam os teus olhos a brilhar. São as pessoas que te roubam o coração. São genuínas. São belas. São de uma humildade que te contagia e te permite crescer como ser humano. Talvez, como nenhum outro sítio, este guarda o que de melhor o Rajastão tem para oferecer. Tens o forte, o comércio, a confusão, o cenário desertico ou o verde luxuriante numa pequena distância. E a tecer todos estes cenários tens as almas coloridas das pessoas que se refletem no olhar, nos sorrisos e no brilho dos saris. Bundi foi sem dúvida a melhor forma de me despedir deste estado.

O Rajastão é a India que melhor conhecemos. Estava curioso para saber porquê. Depois de ter passado algum tempo entendo a razão. Num só estado tens uma imensidão de paisagens e emoções. De certa forma acaba por ser o estado que melhor consegue transmitir o que a India tem para oferecer. No entanto, como tudo na India, o Rajastão é isto e o seu contrário. É também um lugar genuíno e com caracteristicas que não encontras em mais lado algum. E é isto que mais seduz neste tão belo Estado indiano.