Monday, April 30, 2012

A sorrir...


Uma pessoa habitua-se às facilidades. Depois de ultrapassado o choque “cultural” de estar num país desenvolvido, as preocupações de comprar um bilhete de comboio esfumaram-se. Com toda a calma dirigi-me à estação de Ayuthaya. Parte do caminho foi feito de barco. Tempo para apreciar as casas de madeira e a pacatez das pessoas. O pôr-de-sol refletia na água e pintava tudo à sua volta. Eu sorria, contente com a minha sorte.
Ao chegar, sou recebido pelo cheiro intenso de comida. O estomâgo comanda-me para a confusão das refeições. Escolho um “clássico”: sticky rice e manga. Satisfeito, sigo para a pequena estação de Ayuthaya. O branco das suas paredes fazem-me recordar outras do meu país. E a ordem – ou desordem – quase me levam de volta a casa. Apenas os meus olhos e o cheiro a comida – existem barracas um pouco por todo lado – me dizem o contrário. Pergunta puxa pergunta e estou na bilheteira. Em menos de três tempos já o tenho na mão.
No dia seguinte - e com mais 18 kilos nos ombros - regresso. As letras escritas no quadro, perto do posto de informação, dizem-me que o comboio chegará a horas. Mas não existe horário que aguente a pontualidade tailandesa. Foi uma questão de tempo até que o pontual se transformasse em atrasado. Uma hora depois da prevista, lá chega. Com o bilhete na mão e o lugar memorizado entro para este animal metálico.
Mal estou no corredor, sinto um arrepio... não de frio mas de espanto. Já não estou habituado a tanto conforto e limpeza. Quase parecia um hotel de luxo. E com este olhar de espanto entrei para o meu compartimento. Os meus companheiros de viagem já tinham tomado o seu lugar.
E do espanto passei à curiosidade. Ao ver o tamanho do espaço, não percebia como poderia arrumar a backpack. Olhava para debaixo das camas e nada. Naquele quarto, de um branco imaculado, a minha mochila não tinha lugar. Ao ver a minha incapacidade, um dos meus colegas mostra o lugar das mochilas. De tanto viajar na India, esqueci-me qual era lugar normal: mesmo por cima da porta. Entre sorrisos e ajudas lá consigo colocar a minha pesada companheira.
Tempo para descansar e aproveitar a viagem. No meio deste confortável comboio, a paisagem ficou ainda mais bela. A caminho do norte, atravesso a montanha e a selva típica desta região. Não deixo de sorrir, enquanto os meus olhos bebem o verde das árvores, os ouvidos a sinfonia dos carris e os pensamentos flutuam para o mundo dos sonhos...

Thursday, April 26, 2012

Pelas ruas de Bangkok

“Única” É a palavra que encontro para descrever esta cidade. Por si só não significa nada. Este é um daqueles adjectivos que se colam a muitas realidades diferentes. O problema é que não consigo perceber muito bem o que a torna única. É apenas uma sensação que tive enquanto passeava pelas ruas de Bangkok.
São as pessoas que transformam um local naquilo que ele é. E a primeira coisa que reparamos é na sua beleza. É impressionante a forma como qualquer mulher coloca uma modelo em cheque. Tipicamente usam vestidos curtos a realçar as formas lineares dos seus corpos. Muitas com uma sombrinha a tapar do sol. E os homens não ficam atrás. Com estilo mais informal na aparência, cultivam o bom gosto desta cidade. Por aqui sinto-me um vagabundo.
Mas não é só a forma como se vestem. Também é a forma como andam. Certas do seu destino, sem ponderações, transmitem uma segurança que a cidade sabe para onde vai. E se olharmos para os passeios, vai para o céu. São muitos os arranha-céus ou os mega-centros comerciais.
Em cada saída do metro a mesma sensação. A de uma cidade cosmopolita e livre. Um sítio que se torna independente do país onde está. Por aqui goza-se uma liberdade que já sentia falta. Como em tudo, aqui e ali percebemos que essa não é a realidade profunda, mas sim a mais aparente. Afinal Bangkok é também capital da prostituição asiática e mesmo ao lado do night market – um conjunto de stands de rua que vendem um pouco de tudo – está um dos locais mais antigos de prostituição. E ao atravessarmos não ficamos indiferente a esta realidade.
Mas esta não é uma cidade de realidades únicas. Ao entrar na Chinatown encontraremos a confusão asiática e um espaço que é uma enorme loja chinesa. Aqui podemos perder o tempo de uma vida. Demorei meia-hora a atravessa-lo em linha recta. Pelo meio ficam os rostos, quase todos asiáticos, que procuram um pouco de tudo ao preço mais barato.
Pelo meio podemos nos banquetear com uma qualquer comida de rua. E como os tailandeses sabem cozinhar. A minha favorita é simples: um sticky rice com manga e molho de coco. Mas não apenas aqui. As barracas de comida de rua são outra imagem desta cidade e encontram-se um pouco por todo lado. Do sitio mais banal até à zona dos templos. Esta última é o centro de todo o turismo de Bangkok. Um espaço limpo a tocar o rio. Qualquer cidade do mundo ficaria feliz por ter um espaço assim. Os pagodas dizem-me que estou noutro mundo, as regras mudaram e agora é tudo acerca do turista.

Não estranho que por aqui sou mais vezes abordado que em qualquer outro sitio. Os condutores dos ricksaws coloridos - e bem maiores do que os que estava habituado - tentam-me convencer que preciso de ir a um local qualquer. Mas não preciso. Para sentir o que esta cidade transmite apenas é necessário passear pelas suas ruas...

Wednesday, April 25, 2012

Le moi errant: A Lucky Bastard... ou seis meses depois

Fiz seis meses que parti de Portugal e nem sei o que sentir. Olho para trás e vejo o fio condutor que me guiou a este momento. Por dentro estou dividido entre o tanto que mudei, e o que sinto que ainda vou mudar.
O ponto de interrogação e exclamação continuam a guiar a minha vida. Um espanto de criança que teimo a abandonar. O meu io-io emocional também continua, e não fujo às minhas tristezas. Os vazios existem, mas compreendo que nos dão espaço para os preencher.
A forma como sinto a viagem também mudou. Hoje transformei o mundo no meu mundo e isso modifica tudo à minha volta. Não procuro o exótico mas sim o belo. Onde quer que ele se encontre. Tento sentir as emoções de onde estou. Reconhecendo que serão mais minhas que dos locais.
Não sei se estou mais adulto ou criança. Diria que ambos. Aprendi a viver com essa dualidade. Uma sempre presente em mim. Muitas vezes sou algo e o seu contrário. Abandono aos poucos a prisão de ser e transformo-me no que já era.
A viagem, bem essa segue o seu caminho. Nunca sei onde irei. Tudo depende do que o meu “inner self” me diz. Ouço mais claramente essa voz, embora por vezes ainda não a siga à primeira palavra.
E, apesar do tempo de viagem, sinto que ainda não vi, fiz ou aprendi nada. Existe tanto à minha volta. Tantas vivências que me ultrapassam e me deixam humilde. Hoje sou mais ignorante do que parti, até de mim mesmo. Descobri que tenho um longo caminho até agora desconhecido.

E é isto que estes seis meses me deram. Mas mais que tudo, recebi um conjunto de pessoas fantásticas que se cruzaram no meu caminho e a quem eu aprendi a chamar de amigos. Vidas únicas e especiais. Tão especiais que me fazem ter a certeza que sou, e talvez sempre serei, a Lucky Bastard!

Tuesday, April 24, 2012

História de uma foto: Uma simples foto


Esta é daquelas fotografias que há uns meses seria impossível. Isto porque foi tirada de um local que não era próprio para tal. Uma doca privada no fim de uma rua de armazéns. Daquelas que quando estamos sozinhos num lugar estranho não gostamos de nos aventurar.
No início desta viagem acho que nem pensaria colocar lá os pés. Mas agora que as ruas do mundo são também minhas, esta era apenas mais uma e estava curioso para saber o que encontraria do outro lado do rio. À minha volta as pessoas seguiam a sua vida normal. Carregando mercadorias, fazendo uma pausa para a refeição ou apenas relaxando.

A parte do fim da rua é um mercado. Possivelmente matinal, pois as bancas já estavam despedidas. Ao atravessa-lo, uma mulher dos seus 60 anos chama-me a atenção para algo em tailandês. Tentamo-nos compreender o melhor que podemos mas só partilhamos umas palavras. Percebo que é um local privado e peço para tirar uma fotografia. Ao que ela acede com uma cara de rigor. Foi a última barreira que tive de ultrapassar depois de meses a perder inibições e medos. Tanto para tirar uma simples foto.

Monday, April 23, 2012

Mulher

Um simples acaso determinou que em vez de dois X's eu tivesse um X e um Y. E por causa deste pormenor, portas abriram-se, a minha vida foi facilitada e passeio-me por este mundo sem as preocupações de tantas pessoas. Ninguém me quer tocar, ficar horas a olhar para mim ou me convida para dar uma “rapidinha” já ali ao lado. Uma realidade tão diferente que mudaria por completo a minha viagem.
Foi isto que senti, enquanto suava em bica às duas da manhã e conversava com Shyla. Conhecia-a em Bangkok. Estavamos à porta do local onde pernoitavamos – fruto do meu vício de nicotina – e as palavras fluiam sem parar. Ironia do destino, conhecia melhor uma realidade que já tinha abandonado fisicamente.

E por ali – naquele pequeno sofá no passeio de uma rua tailandesa - recordei outros locais da viagem e a minha própria pátria. Vi como a realidade ainda é tão cruel para as mulheres. Um mundo de privilégios para quem tem a sorte de lhe sair um Y na lotaria genética. Outro muito diferente para quem lhe sai o X. Mais luta, mais tristeza e desilusão. Mesmo na Europa, a luta ainda é desigual. No resto do mundo só agora começou.

Viajar é também pensar na realidade que nos rodeia. Hoje dedico este post a todas as mulheres. Às que, com uma coragem que nunca necessitei, viajam como eu por este mundo. E àquelas que na luta mais dificil - a do dia-a-dia e dos seus sonhos - guerrilham por uma vida a que têm direito, fazendo sacrifícios que nunca tive sequer de ponderar...

Sunday, April 22, 2012

Bem-vindo a Bangkok


Bem-vindo ao aeroporto organizado, ao calor e ar condicionado. A um metro impecável, que te faz arrepiar com o seu frio. Setas e indicações para não te perderes. Bem-vindo ao cheiro da comida, imensa e colorida.
Bem-vindo à mini-saia e à liberdade. Ao turismo sexual e assexual. À androgenia e transexualidade. Bem-vindo à espera do lado do passeio para que o sinal fique verde. Às avenidas amplas e arranha-céus. Aos parques dentro da cidade, caixotes de lixo e às massagens.
Bem-vindo à simpatia e ao mercado. À gentil negociação que não te deixa regatear. Bem-vindo à moda, ao stress e ao fato-e-gravata. À maquilhagem e aos problemas de dieta. Bem-vindo ao facebook, twiter, ipad, ipod e outros iguais.
Bem-vindo ao sorriso e bem-estar. À simpatia e vergonha. Bem-vindo a uma cidade que se impõe e se passeia com orgulho de ter uma personalidade própria.
Bem-vindo a Bangkok!

Thursday, April 19, 2012

Lang Tang Trekk

Entre a espada e a parede. Uma expressão que gosto, mas não de a sentir. Mas aqui estou, nessa posição incómoda. A tentar encontrar as melhores palavras para descrever o trekking que fiz. Sei, pelos ensinamentos de Katya, que numa crónica nunca se critica a viagem. Ou melhor, até é possível fazê-lo, mas isso requer uma boa dose de humor.

Não existe nada de falso nessa regra. É apenas uma forma de dizer que “se não tens nada de interessante a escrever, então não o faças”. O problema acontece quando não tendo nada que me queixar – a não ser da minha própria estupidez – também não posso afirmar que o trekking em si foi fenomenal. Mas vamos por partes, mais que dizer o que não foi, o melhor é explicar o que foi.

Nos Himalayas existem vários circuitos que podes fazer. Por zonas, as mais populares são Everest, Annapurna e Langtang. Dos três, a minha escolha recaiu sobre a última. Guiado pelas preciosas dicas de Isabel Braz e com adjectivos que me seduziram, não me preocupei muito em ver qual dos trekkings melhor me encaixariam. Por cada região encontras diversos percursos que podes escolher. No meu caso acabei por fazer uma pequena pesquisa na net, para ver qual o percurso mais conhecido ( ← o primeiro de alguns erros). A decisão recaiu pelo percurso que parte de Syabru Besi – uma aldeia quase no final da estrada que vem de Kathmandu – até Kyanjin Gompa – a última aldeia antes de nos aventurarmos para os picos das montanhas.

E o que me esperava era uma escalada de alguns dias, montanhas e natureza. E não posso dizer que não tive isso. Pois tive. Mas também tive muito mais que isso. Todo este percurso foi mais que um simples trekking. Foi um enorme desafio, e acima de tudo uma lição de vida. Tive que lutar contra tudo. O cansaço físico, a doença (fiz o percurso todo com paracetamol, por causa de uma garganta infectada e uma febre que teimava em não desaparecer) e acima de tudo contra a desmotivação.

Esta apareceu logo no primeiro dia. Ao contrário do que imaginava o trekking não era fácil. O percurso segue uma lógica himalaya e muitas vezes é constituido por inclinadas subidas, para se seguir as consequentes descidas que nos levarão uma vez mais... sim, adivinharam... a outras inclinadas subidas. Pelo meio, o percurso segue o rio que nasce do alto da montanha. E apesar de belo, existem dois pormenores que causam muito impacto: (a) as montanhas são muito inclinadas e fecham a paisagem e (b) nunca nos afastamos muito do rio pelo que não temos a noção de altitude.

Assim o nosso cansaço físico diz-nos que estamos a subir, mas nunca atingimos a noção da altitude que temos. Para alguém com formação em gestão como eu, tudo parece demasiado esforçado para a beleza que estamos a contemplar. Pior quando não se tem um perfil desportivo. Ao final do primeiro dia - no qual fiquei a meio do meu objectivo - todo o meu corpo me dizia que eu era masoquista. Tudo doía e o cansaço era muito. E isto seria apenas o primeiro dos dias que tinha pela frente.

E com o cansaço veio a doença. Ao primeiro arrepio de febre, eu sabia o que esperar: umas longas horas com o corpo a tremer violentamente. Eu era uma misturadora humana. Tal facto fez-me temer não conseguir continuar o percurso. Quanto mais subia, mais distante de cuidados médicos estaria. Caso algo se agravasse tal significaria que tinha de caminhar tudo de volta e sem medicamentos que se estavam a esgotar. Se eu tivesse uma crise na subida, tal poderia significar que teria de parar onde quer que tal começasse.

É fácil imaginar que tudo no meu corpo me dizia para voltar. Claro que, se isso tivesse acontecido – ou se o trekking se resumisse a dores e poucas paisagens – não estariam a ler estas palavras.
A realidade foi muito diferente de meras dores, uma mente desmotivada ou umas pernas cansadas. Foi a companhia de uma pessoa especial chamada Hannah. A motivação que veio da América pela força de Miranda. Ou momentos mágicos como de um corvo a pousar nas asas de uma águia em pleno voo. Foi a superação dos nossos limites e a teimosia de continuar. A certeza de que, por mais que subisse, encontraria mais um pico para escalar só para ter uma melhor paisagem. Foram os pequenos detalhes de uma vida Himalaya camuflada por aldeias que existem para o turismo de trekking. Foi uma pequena criança que roubou um pedaço de coração e me entregou momentos únicos de brincadeira e sabedoria. Foi estar no meio do nada, sem um único som de civilização. Ter respeitos pelos yaks e macacos com que nos cruzávamos. Foi chegar lá acima apenas para voltar. Seguir um outro caminho no retorno e ter aquilo que ambicionava desde o primeiro momento.

Por ali, por aqueles carreiros, ficou um outro estranho. Algo de mim subiu, mas não retornou. Algo que apenas foi possível pelo caminho que segui, pelas pessoas que conheci e pelo esforço que ultrapassei. Posso não ter tido a melhor paisagem do mundo. Não ter subido ao pico mais alto ou não ter escolhido o pior caminho. Mas agora que tudo foi ultrapassado, não trocaria um segundo por um outro percurso.

Termino esta crónica ainda na mesma posição. Sem saber se devo ou não recomendar o que fiz. Acho que é algo que nunca saberei responder. Até a mim mesmo. Se tenho a certeza que no futuro não recomendarei a mim próprio este percurso – talvez faça o das aldeias ou me aventure pelo oeste nepalês – também sei que não diria a mim próprio no passado para não o fazer. O que ganhei foi precioso demais para trocar por momentos mais agradáveis...

Wednesday, April 18, 2012

Le moi errant: Tudo se perde...

Foi tão fácil. Umas semanas no Nepal e parecia que não tinha aprendido nada. Pouco restava da confiança ganha na India. Senti-me frustrado, inquieto e descontente. Senti-me de novo um turista e não um viajante. Tudo o que tinha feito tinha sido reduzido a cinzas. Foi aí que percebi que essa era a minha lição. Tinha-me tornado demasiado convencido e com isso baixei as minhas guardas.

Só depois de uma semana extenuante é que entendi isso mesmo. Percebi que a minha inquietude derivava dessa lição. Uma que tinha que aprender antes de seguir em frente. Tudo nesta vida se perde se não fizeres nada em contrário. E acontece muito rápido. Nem notas.

No meu caso, pouco mais de duas semanas. Tive sorte de aprender esta lição ainda em viagem. Eu sei o quão provavel é isso de acontecer quando voltar. Um corpo habituado a adaptar-se não terá nenhuma dificuldade em o fazer quando regressar.

Mas, agora percebo, que a luta é infinita. Estará sempre dentro de mim. E se der por garantido aquilo que tenho, é o momento em que perderei o que ganhei. Darei uns passos atrás como fiz no Nepal. Mas julgo que por vezes esse é o caminho para podermos seguir em frente...

Tuesday, April 17, 2012

História de uma foto: Kung Fu Master



A foto não está bem tirada. Mas esta é a mais preciosa do Nepal. Quando cheguei ao Lama Hotel estava exausto. Era o segundo dia do trecking e o meu corpo estava a começar a não aguentar a doença.

Altura de decidir o hotel mas primeiro tinhamos de encontrar as nossas mochilas que enviamos por porters. Coincidência, elas estavam no mesmo hotel desta criança. De imediato nos cumprimentou com a sua energia e sorrisos.

E isto foi só o início. Como tive que ficar mais um dia – uma febre repentina assim mo obrigou – acabei por encontrar nela a perfeita companheira. Afinal partilhavamos a mesma idade mental e fascinava-me a sua imaginação e energia inesgotável. Ela brincava com tudo e com todos. Qualquer coisa era motivo de sorrisos. Entre os mesmos, gritava umas frases que só ela percebia, mas que faziam todo o sentido.

Toda ela era uma personagem tirada de um filme de kung fu. E nesse filme era um mestre. Um daqueles que à primeira imagem nos parece enlouquecido pelos anos de isolamento. Mas que nos surpreende pela sabedoria de nos transmite com essa loucura. Cada pedaço de tempo era uma lição. Ali aprendi como com pouco se pode brincar. Como um sorriso é mais forte e poderoso que qualquer murro certeiro. Ou como mesmo sem nada, alguém pode ser tão feliz e fazer os outros tão felizes.

Quando tirei esta foto senti-me esmagado pois ela me tinha dado tanto. Senti-me como um aluno, que ainda tem tanto para aprender, a despedir-se do seu pequeno e louco mestre. E por dentro verti uma lágrima. Daquelas que deixam um rasto no nosso coração...

Monday, April 16, 2012

De novo um aluno...


É um cliché dizer que estamos sempre a aprender. Ainda maior – e mais verdadeiro – quando nos referimos a viagens. Mas apesar da constante aprendizagem nem sempre somos alunos. A India deu suficiente confiança para me esquecer o que é ser aluno da vida. Sorte que encontrei o Nepal pelo caminho. E com ele aprendi grandes- e por vezes duras - lições.

Percebi que sou tão ignorante como no dia em que nasci. Ou que não é a idade que nos dá algo para ensinar. Poderia explicar este país, e o que senti, pelo cansaço da India. Uma exaustão de emoções que nos faz recolher na mais doce preguiça. Mas isso seria demasiado fácil e pouco fiel a este país único. Sei que saio do Nepal sem o realmente conhecer. Algo que posso replicar para qualquer país que tenha passado.

Por aqui recuperei velhos vícios, senti-me derrotado pelas situações e regressei um pouco ao estado de alma que tinha antes. E por aqui é fácil. Com uma industria turistica com força, e poucas alternativas para quem se quer deixar ir pela preguiça, só posso sentir que este país foi uma pausa na minha viagem. Aquela necessária para reaprender a aprender. Para olhar mais fundo dentro de mim, mais do que achava possível.

O Nepal impõe-se pela sua brandura. Pelo seu caracter próprio e gentil. Ensina-nos, sem nos impôr nada. E transforma-nos todos no seu mais humilde aluno...

Sunday, April 15, 2012

What a Ride...

Chegamos da India convencidos que sabemos tudo. E com motivos para tal. É um dos países mais exigentes. Neste caso pensava que pouco me surpreendiria uma viagem de autocarro. Como estava enganado. Qualquer viagem no Nepal, faz parecer uma viagem na India algo luxuoso.

A melhor de todas foi a viagem que me transportou de Kathmandu para Syabru Besi na região de Lang Tang. Como todas, esta começa com a compra do bilhete. Uma pequena barraca junto de um autocarro é o sitio oficial de venda. O parque de autocarros é imenso e quase que parece constituir uma pequena cidade de autocarros, feira e muito pó. Com o bilhete na mão entramos para um daqueles autocarros multicoloridos que constituí uma imagem icónica. O meu lugar é mesmo por detrás do condutor e a idade do mesmo destroi a minha máxima de que “se o condutor faz isto há muito tempo e ainda é vivo é porque sabe o que está a fazer”. Nada que me preocupe. Sei que não tenho alternativa se quero ir.

A aventura começa logo à saída de Kathmandu, onde a serpente a que chamamos estrada começa. Nunca se pode atingir muita velocidade, mas os nossos sentidos dizem o contrário. Uma colina que parece começar debaixo do autocarro e uns saltos motivados pelas lombas do caminho é o suficiente para fazer disparar qualquer coração – por mais insensível que seja.


Lá dentro as pessoas ocupam os seus bancos, construídos à dimensão do Nepal. Aqui, é o primeiro país onde me sinto um gigante, e os meus joelhos competem por espaço com o banco da frente. Há falta de lugar, existe sempre o telhado, que acaba por transportar malas, pessoas e animais.

A banda sonora vai variando, entre música pop nepalesa e indiana. Ou pelo menos é o que a minha imaginação me diz, pois os meus ouvidos não conseguem distinguir a diferença. Tudo pacífico. O corpo habitua-se aos solavancos e o resto é alimento para os sentidos.

E quando pensava que assim seria até ao destino final, heis que um fumo vindo do motor e um motorista a gritar algo que não entendo lança mais emoção na viagem. E nem preciso de perceber nepalês para saber o que fazer. Se um motorista, no meio do fumo, pára o autocarro e sai do mesmo a gritar, eu faço exactamente o mesmo. Como eu, todos o fazem e rapidamente o espaço não é suficiente para sairmos ao mesmo tempo. Nada que um pouco de prática e empurranço não ajude a resolver. Em 5 segundos todos estavamos fora do autocarro a perguntar quanto tempo demoraria a o problema ser resolvido.
Mas como há males que vêem por bem, esta pequena pausa é suficiente para apanhar um pouco do ar. Já nos encontramos o suficiente alto para ter uma noção de montanha. Por entre cigarros, pequenas conversas e confirmação de que o problema ainda não está resolvido, o tempo passa rápido. E quando uma fila se começa a formar, o nosso autocarro ruge uma vez mais e retomamos o nosso caminho.

Depois veio as curvas e contra-curvas. Pelo meio mais uma paragem a pedido de um pneu furado. Desta vez nada que demore muito tempo. E enquanto o bus vai seguindo não deixo de ficar espantado com a paisagem. Por vezes parece que voamos. Na minha cabeça fica impresso a imagem do cobrador de bilhetes. Ele agarra-se à porta aberta e fica na posição de pendura. Por detrás dele é impossível distinguir mais que o pleno ar e as montanhas do outro lado da colina. Ele parece um falcão que acompanha por magia este autocarro. E eu, deixando-me embalar pelos solavancos, vou dormitando até chegar ao meu destino final, com um sorriso de quem fez uma difícil mas inesquecível viagem.

Thursday, April 12, 2012

As emoções entre Chitwa e Pokhara


A vida hoje está fácil. Entre a internet e os guias, existe pouco deste mundo que não está coberto. Podemos descobrir o que fazer em cada local e até o que o mesmo contém. Preparamos o viagem ao ritmo da nossa imaginação. Mas se um dia formos a esse local, verificamos que o mesmo é muito mais que isso. Que para além do que está escrito, os locais são únicos e nossos. A viagem ultrapassa o que vemos e transforma-se naquilo que sentimos.

Chitwa

É pequena e podes fazer tanto quanto desejares. Entre o não fazer nada ou teres o dia preenchido a escolha é tua. Mas tudo girará à volta de uma coisa: a selva. Eu acabei por chegar como turista. Tal significava que tinha tudo incluído. Neste caso uma jungle walk, canoeing (que na realidade significa andar de canoa), Elephant Ride, museus (dois, em que o maior interesse é mesmo as coisas estranhas que encontras lá), e um espetáculo de dança tradicional (cujo o ritmo é diferente do que estava habituado e que valeu a pena).
De todas as actividades, sem dúvida foi a Jungle walk que captou a minha emoção. Não que tenha encontrado animais perigosos... longe disso. Na caminhada a única coisa que vi foram insectos, veados e... galinhas selvagens. Mas não há como fugir à sensação de vulnerabilidade. Caminhamos num local com uma visibilidade de 3 metros. Os únicos sons que ouvimos são os da vida selvagem, dos nossos passos e da nossa respiração. Todos os nossos instintos ficam alerta. E a simples ideia de que a acompanhar os sons – reais ou imaginados – pode estar um urso, um rinoceronte ou um tigre, faz o teu coração disparar. Sabes bem em que parte da cadeia alimentar te encontras.
E nada foi mais real do que no momento em que começamos a ouvir o som das folhas secas a serem pisadas. O som era cada vez maior, o ritmo elevado e vinha ao nosso encontro. Rodeados de vegetação densa era impossível saber o que era. Entre batidas cardíacas aceleradas, eu tentava recordar o que fazer para cada animal – ziguezague ou árvore para o rinoceronte, manter formação para o urso, olhar nos olhos do tigre e correr como não existisse amanhã para o elefante. Claro que tudo se passa demasiado rápido, e quando o animal apresenta-se, é um alívio ver que é um simples veado.

Pokhara

Pokhara tem um lago. Um belo lago. Tem um Peace Pagoda onde podemos contemplar a paisagem à nossa volta. Chegamos lá a pé ou então atravessando o lago de barco. Tem muitos restaurantes e algum comércio. Tem a rua principal do turismo – lake side. Uma rua larga com o tipo de comércio que encaixa nos turistas e viajantes que por aqui passam. Pokhara também tem uma paz de espirito próprio de um cenário belo.

Mas a minha Pokhara tem uma rua. Uma que saí da Lake Side. Tem asfalto por entre os buracos e é ladeada por duas valetas que servem para escoar a chuva. A rua não têm passeios. Mas tem comércio. Tem pequenas mercearias, onde as donas esperam pacientemente por clientes. Sempre que um turista passa, cumprimentam com um simpático “Namaste”. Perguntam se querem algo. Um “algo” que vai desde uma simples garrafa de água até lavar a roupa. Tem barbearias onde turistas e nativos deixam os donos fazer a sua magia. Estes, com a lamina transformam uma cara barbuda em algo apresentável. Tem também as pequenas agências de viagem, os ciber-cafés e as pousadas.

E a minha rua tem pessoas, risos e emoções. Tem uma família que nutre as pessoas com a sua simpatia. Tem crianças que brincam na rua com o pouco que têm – uma bola de basquetebol - e o muito que possuem – alegria e imaginação. Por entre elas passam turistas, vizinhos que trocam palavras com os seus pais ou vacas com o seu espirito zen.

E por entre este espírito calmo de estar na vida eu encontro a minha Pokhara. Não a turistica, mas a das emoções que transmite. A de uma vida serena, onde não sentes falta de visitar o highlight de um qualquer guia de viagem. Por aqui reencontro uma forma simples de viver. Um saber estar parado a contemplar a riqueza à minha volta. Um espaço emocional de pessoas onde guardo os (sor)risos, as conversas e os olhares que se cruzam.

Wednesday, April 11, 2012

Le moi errant: E a luta continua...


Está ferida, e como qualquer animal ferido revolta-se. Sinto-a a infectar tudo em mim. A minha escrita, o meu bem ou mal estar. Enquanto escrevo, existe uma guerra dentro de mim. É um all in contest. Não existem dúvidas e margens para erros. Ela puxa-me e eu empurro-a de volta. À minha volta tudo parece estar igual e sereno. Estou em viagem. Passeio-me pelo lago um pouco indiferente ao que me rodeia.

Dentro de mim uma voz diz-me: “vês... tu não és normal... não estás a aproveitar como os outros... ninguém se interessa por ti... vais voltar ao mesmo... não consegues aproveitar a vida...”

Mas uma outra voz, mais minha, responde de imediato: “mas é isso mesmo que estou a fazer... eu vim para me libertar... para me libertar de ti...”

A primeira voz fica ofendida. Recorda-me que foi minha companheira e me trouxe aqui. Tem razão. Mas relembro-lhe que me guiou para eu estar aqui. Neste momento e da forma como me sinto. Ela encolhe-se e não sabe como reagir. Cala-se e movimenta-se pelo cansaço e pela frustração. Ataca-me a escrita.

Com muito custo, os meus dedos escrevem palavras. A voz volta à carga: “Vês... Já nem consegues escrever... na realidade nunca conseguiste... mais uma das tuas ilusões... nunca soubeste o que é real... o que é pura ilusão criada na tua mente para fugires da mágoa da tua realidade...”

Eu agora não lhe respondo. Faço aquele olhar de quem aguardava este preciso momento. Que era mesmo isso que queria que ela fizesse. Que começasse a expôr os meus maiores e mais profundos receios...

...cheque!

Tuesday, April 10, 2012

História de uma foto: Entre a foto e a realidade


Na foto veêm uma pessoa. Um momento de reflexão. Uma amostra de um festival especial. Para os mais experientes repararão nas sombras, enquandramento e luz. Tudo está congelado naquele instante em que a máquina fez click. Não existe antes ou depois, só esta imagem.

Na realidade há muito mais que isso. Existem dois caminhos que se cruzaram. Decisões diferentes que fizeram o momento. Existe o fotografo e a fotografada. Várias vidas, palavras e emoções.

Mas existe muito mais que isso. Existe a superação. O ultrapassar a barreira da idade e do momento. Existe a vontade de estar presente e viver. O momento de escolher. O sorriso por entre uma cara serena. Uma forma de estar única. Existe o passado e o futuro.

Porque por cada pessoa com que te cruzas existem vários mundos. Uns explorados e outros por explorar. O momento e a realidade são sempre diferentes. Um fica congelado no seu espaço próprio – como uma foto, um local, um tempo – o outro segue o seu caminho.

Quando olho para esta foto vejo o meu privilégio de conhecer pessoas especiais. Vejo a beleza intemporal. Vejo a alegria do dia, de todos os dias em que vivemos e nos superamos. E vejo o sorriso de quem cruza o caminho de uma vida.

Monday, April 9, 2012

Holi Mess

Acordei ao som de crianças. Os gritos, risos e passos de corrida não enganavam: o Holi tinha começado. A criança que está em mim deu um pulo da cama e saio para ver. Quando olho para o conjunto de cores que voam nem quero acreditar. Embora fosse algo que sempre ambicionasse, não pensava ter a possibilidade de o festejar.

Holi festeja-se com cores, água e de vez em quando ovos. Festeja-se com muita alegria e sorrisos. É uma confusão multicolorida e não foi diferente em Pokhara. Existe algo neste festival que me seduziu de imediato. As cores são o mais simbólico. Mas são cores de emoções. Todos comungam o espirito jovial que o festival traz.

Preparo-me para entrar nesta confusão. Compro munições – um pacote com cada cor e uma garrafa de água – e liberto-me para o que vem. A cada “Happy Holi” uma cor é colocada no meu rosto e de quem se cruza comigo. Pela avenida principal existe uma parada em festa. Pessoas dançam, juntam cores, recebem água dos andares de cima. Naquele dia, tudo é confusão, tudo é alegria.

No final sou um ser multicolorido, igual a todos os outros que me rodeiam. Não existem nacionalidades, idades ou géneros. Esta confusão é sobre a partilha de um sentimento comum a todos: o de alegria. E que melhor do que espelhar essa alegria do que no azul, verde, amarelo ou vermelho vivo que compõe todo o cenário à nossa volta?

Sunday, April 8, 2012

De erro em erro até ser turista

Uma viagem não é feita sempre de decisões certas. Aliás os erros abundam. O meu teve muitos motivos. O cansaço de uma viagem, uma empatia desnecessária e uma precitipação de um sim antes de tempo.

Quando me sentei junto do meu “amigo nepalês” – agente turistico – queria-lhe dar um pouco de negócio. Julgo importante escolher a quem vou entregar o meu dinheiro. Assim - e como não tinha ainda a minha viagem orientada - não me parecia mal discutir um pacote turistico. E o cansaço que sentia, empurrava-me para aquela conversa. Depois de meses “on your own” não afastava a possibilidade de ter um pacote em que incluia tudo até Pokhara.

Claro que tal sensação deveria puxar todos os alertas que o meu corpo tem, mas estava anestesiado pelo cansaço. Quando o meu “amigo” me entregou o folheto, o grande interesse era saber se a viagem para Pokhara estava incluida - e se valia a pena dar algum negócio. Olhei para os preços, fiz uma pequena conta mental e pareceu-me um preço mais que justo. Não me custou nada dizer que sim. Uma vez mais, tudo me deveria dizer que algo estaria errado. Pelo menos toda a experiência que já acumulei me deveria prevenir para não me antecipar a aceitar algo sem saber tudo.
Como poderia esperar, o preço que tinha visto não era o correcto. Era o nepalês, e o meu era ligeiramente mais caro – quase o dobro. O cansaço voltou a ganhar, e no final achava que do estrago que não tinha sido mau. Tudo isto acabou por transformar a minha viagem. Sem que eu desse conta, passei num instante de viajante a turista. Com todos os sabores e dissabores que tal implica.

Vi Chitwa de uma forma diferente dos outros sítios que estive. Acabei por fazer tudo e mais alguma coisa. O que desejava e o que não desejava. Mas neste local acho que a minha alma queria ser um daqueles turistas que não se preocupa com nada. E quando saí de Chitwa estava de novo retemperado para prosseguir a viagem. Talvez mais do que antes. Sabia de novo a importância e alegria de fazer uma viagem como a que estou a fazer. De certa maneira foi necessário ir ao outro lado da moeda das viagens, para perceber um pouco mais de mim...

Thursday, April 5, 2012

Kathmandu – Uma estranha familiariedade


Preciso de fazer uma nota introdutória nesta “artigo de viagem”. Caminhar significa também aprender as nossas limitações. Uma delas tornou-se clara. A cada dia que passa, afasto-me mais do estilo “artigo de viagem”. Sinto que ainda não tenho o dominio completo da minha escrita para conseguir levar esta rúbrica ao destino que quero encontrar. No entanto, e porque julgo ser importante dar a conhecer os locais por onde passo, não termino a rúbrica em si. Será uma que irá mais ao sabor da imaginação do momento do que da certeza de um estilo – aliás cada vez mais acho que o meu estilo é não o ter. Espero que tenham a paciência para acompanhar a evolução e diferentes facetas que esta rúbrica terá.

Decidi isto, pois Kathmandu revelou-se um obstáculo impossível de transpôr. Não a consegui colocar no formato desta rúbrica. Para isso contribuiu muito a mudança que a viagem vai tendo. No início, o local era o mais importante. Hoje já pouco interesse tenho por isso. Não perdi o espanto de uma grande paisagem ou monumento. Mas o meu foco moldou-se para as pessoas que me rodeiam e as emoções únicas que cada lugar transmite.

Mais do que descrever o Pashupatinath (um zona de templos muito agradável), Swayambhunath (mais conhecido como Monkey Temple) ou a Durbar Square, interessa-me explicar a sensação de estar em Khatmandu. Talvez estranhem a palavra que vou utilizar de seguida, mas foi essa que senti: familiariedade. Não sei se tal aconteceu pelo sonho que tive anos atrás - e que se materializou quando cheguei - ou porque é a sensação própria deste local.

Mas as ruas não asfaltadas, o aspeto poeirento ou a mistura de diferentes traços não me eram estranhos. Estar em Kathmandu é estar num berço de humanidade. Daqui poderemos seguir uma linha que nos leva a qualquer local. E o Nepal tem tanto de India como tem Portugal. Sim, aqui e ali, reconheces os gestos das mãos parecidos aos dos indianos. E não há como fugir ao “Namaste” que acompanha a troca de saudações. Mas esses traços aparecem pela fusão com as outras culturas. Tens os templos que já estão mais perto da China que da India. Em algumas casas encontras o cheiro de arquitetura ocidental. És encantado por uma música que não se afasta muito da Andina da America do Sul. E por cada traço do rosto de um nepalês podes fugir para um continente diferente.
Talvez esta sensação familiar apareça por reconheceres um pouco de tudo em tudo. Ou então pelos regressos à minha juventude. Ao meu bairro. Quando me dirigi para o Monkey temple – que fica no topo de uma colina – não poderia prever o que me esperava. Saí de Thamel – um bairro centro do turismo, comércio e confusão – e desemboquei numa rua não asfaltada. A minha orientação disse-me que estava correcto, mas entre as vivendas parecia que estava numa rua do meu bairro. Claro que era apenas uma breve ilusão. Mas quando atravessei o rio - e me perdi à procura desse templo - poderia estar de novo nos meus 8 anos a caminhar pelo ribeiro - que mais era um esgoto - por entre canas e hortas.
Quando finalmente cheguei ao topo da colina tudo ficava para trás. Mas este magnifico lugar também não me pareceu estranho. A Stupa, com os seus olhos que tudo veêm, tornam-se acolhedores, e as rodas das rezas, de tanto as imaginar, já fazem parte de mim. A combinar esta longa caminhada, ficou também uma conversa com Kash – um amigo de uma amiga que me ajudou a desbloquear este país - que me levou a discussões sobre religião e modos de vida, e, mais que tudo, ao ponto comum de qualquer humanidade: os sentimentos.

Kathmandu é local de ruas estreitas, praças lindissimas e pessoas simpáticas. Centro de turismo e capital politica. Mas mais que tudo, é um local familiar. Onde não me importo de me perder e flutuar na minha imaginação. Aqui acabo sempre por encontrar o sorriso, o pormenor belo ou a ajuda necessária. Não sei se irão encontrar a mesma cidade. Mas se tal acontecer, enviem cumprimentos, como quando os entregamos a uma amizade comum.

Wednesday, April 4, 2012

Le moi errant: Algo mais


Tenho caminhado lentamente. Um passo de cada vez. Cada um mais seguro que o anterior. Sei que passava estava mais próximo deste momento. E quando a India acabou, todas as células do meu corpo disseram: É agora!

Durante décadas fugi de mim mesmo. Sabia que a transformação e a análise era superficial. Cá dentro existia uma parte que sempre foi bem protegida. Era forte demais. Nunca senti a coragem de o enfrentar.

Quando tive a minha primeira consulta com o psicanalista, ele disse-me que não era o momento de enfrentar o crocodilo (ou dito de outra forma de fazer uma terapia com psicologo). Era altura de reunir as armas antes de enfrenta-lo. Sempre adorei essa imagem. Simbolizava bem o que tinha dentro de mim. Assim passaram anos, depressões e mudança de vida para enfrentar o meu crocodilo.

Agora o momento de espera terminou. Enquanto parto para outra etapa desta viagem, também a minha interior vai para outro destino. Um mais fundo e forte. É altura de me confrontar comigo mesmo. Pegar nas armas que recolhi e remover cirugicamente o que não é meu. Aceitar o que é e libertar-me das amarras que coloco a mim próprio. Não o faço de ânimo leve. Tudo em mim treme ao pensar no que vou fazer. O mesmo que sorri ao imaginar o que aí vem...

Tuesday, April 3, 2012

História de uma foto: Pelos teus olhos


Reparo em ti e vejo uma vida. Um olhar vago preenche os meus pensamentos. Sei que não posso aceder aos teus. Apenas estou aqui, ao longe, a tentar captar a tua beleza.

Pelos teus olhos tento caminhar na tua vida. Tento entender o que motiva esse teu olhar. Pergunto-me o que verás quando os teus olhos se cruzarem com os meus... Verás uma pessoa, ou mais um turista que te poderá dar um pouco do teu sustento? Um estúpido turista que ignora a dureza de uma vida mantida com o pouco que te é oferecido em troca de uma lembrança?
Será que me vês? Ou o hábito de um dia passado no mesmo local te torna cega ao que por aqui se passeia. Eu não fiquei indiferente a ti. Os teus olhos diziam-me que a tua vida não era fácil. Que essa dificuldade não te moldou. As tuas rugas acompanham a beleza do teu olhar. Confidenciam-me que nunca te rendeste. Que ainda hoje olhas à tua volta a admirar o que te rodeia. Estás em vários momentos. Tentas captar um futuro cliente enquanto saboreias o tempo que a tua profissão te permite.
Nesta praça podes ver o mundo. Podes admirar os europeus, americanos e chineses. Aqui e ali os oceânicos. Pelo meio os teus companheiros de cidade. Pelos traços da arquitetura viajas entre o ocidente e oriente, e talvez te orgulhes por seres filha deste local que é um mundo de civilizações...

Monday, April 2, 2012

Momentos sem local

Ao longo da viagem encontras muito. Uma diversidade difícil de igualar. E se a palavra “local” é algo que acaba por aparecer quando o tema é viagem, a realidade é que vai perdendo a força inicial. E por vezes, quase que por magia, o local desaparece do vocabulário. Foi em Kathmandu como local fisico. Tinhamos à nossa volta os nepaleses e os seus monumentos. O ar era definitivamente desta cidade, mas nós não estavamos ali. Estavamos num momento sem local.

Aquele dia passado com o Nuno Cruz – de quem já falei aqui – foi passado em vários locais e vários momentos. Foi passado em emoções e sonhos. Na realidade actual e em projectos futuros. Foi um momento mágico, dificil de transformar em palavras.

A curiosidade era muita. Tenho acompanhado os seus passos por este mundo no seu blogue, e agora tinha curiosidade para estar com ele. Claro que encontrei o viajante – que ele também é – mas mais que isso encontrei um ser humano com uma enorme profundidade. Daqueles que são capazes de mudar o mundo pelas suas acções. E entre um bacalhau, um banco de jardim e um quarto, o tempo fugia ao ritmo das palavras que traziam muitos mundo.

Quando me despedi no aeroporto, ficaram as saudades de tempos futuros e a alegria sempre que te cruzas com uma pessoa especial. Agora os nossos caminhos desenrolam-se em direcções diferentes, mas sempre no mesmo mundo. Não um fisico, mas um de emoções e sonhos.

Sunday, April 1, 2012

Adeus India, Olá Nepal

Já não estava habituado. Depois de 3 meses no mesmo país, heis me de novo a preparar mais uma viagem ao “estrangeiro”. Voltava a sentir o nervoso miudinho no meu estomago. Como presente de fim de India, comprei a viagem de avião para Kathmandu via Delhi. Motivo pelo qual me encontrava no pequeno aeroporto de Dabolim em Goa.
Gosto de pequenos aeroportos. São mais compatíveis com o sentimento de viagem. Os internacionais são higienicos e pertencem a um mundo próprio. Poucas diferenças existem entre eles. Os pequenos têm mais caracter mas também menos para matar o tempo. Este apenas oferecia um café e uma pequena livraria para nos distrairmos. Enquanto olhava para a pequena colecção de livros a minha mente deambulava pelos os sentimentos de uma despedida. Uma viagem tão intensa como a indiana não desaparece com uma simples passagem de fronteira, pelo que preparava o meu corpo para receber o Nepal.
Mas isso ainda estava distante. Antes tinha de passar pela burocratica entrada na área dos viajantes, chegar a Delhi, esperar oito horas repetir tudo uma vez mais até poder chegar ao Nepal. Desde o primeiro dia – e único que utilizei o avião – que estes procedimentos necessários me espantavam. Para um país tão “organizado” como este, era impressionante os passos para atravessar um simples checkpoint.
Fazemos o check in como em qualquer outro país. Esperem... esqueci-me de dizer. Antes deste tens de passar a mala por uma máquina de raio-x - que “convenientemente” está num outro local. Se tiveres sorte - e nada que incomode os seguranças - então recebes um carimbo de aprovação. Claro que não foi o meu caso, e quando a minha mochila foi colocada à parte, já sabia que a vida não seria fácil.
“No lighters...” diz-me o segurança com um simpatico sorriso. Já estava à espera depois de ter perdido os meus quando cheguei à India.
“Is it ok now” perguntei, só para ter a certeza que não cometia nenhum erro ao pegar na minha mochila. Ele olha para o outro segurança, e apesar de não perceber hindi, consigo entender que ainda não...
“Do you have cameras?” pergunta que eu sinto como um punhal nas minhas costas. “sim...” respondo com hesitação. “...mas não faço a minima ideia onde... omg, vou ter de tirar tudo de dentro da mochila...” penso, enquanto a outra parte do cerebro tenta encontrar uma solução.
“Can I see the picture?” foi a que encontrei. Isso e rezar que não estivesse no pior sítio, o meio da mochila.
“Yes of course” e ao ver suspiro de alívio quando reparo que estavam no topo da mochila.
Com este problema resolvido, vou para o check in. Algo que não é complicado. Com a mochila no limite do peso – para meu espanto – é só dar o passaporte e receber o bilhete. Altura para mais uma burocracia: passar para a zona dos passageiros. Nada de especial... bem isto se a pessoa no check in me tivesse dado o papel para ser carimbado pela segurança do check point. Descubro essa falha depois de passar 10 minutos na fila. Altura de regressar ao check in, pedir a etiqueta e voltar a estar mais 15 minutos na fila.
Finalmente na zona de espera do meu avião. A partir deste momento tudo foi simples. Quando o avião levantou voo, parte de mim já se despedia da India. Faltava só a etapa de Delhi, uma noite passada no aeroporto. Mas como estava na India, ainda me estava reservado uma surpresa...
Logo à saída do avião tinha um sentimento estranho. Uma incompatibilidade entre o que a minha mente previa e os meus olhos viam. Algo que confirmei quando saí com a mochila do aeroporto doméstico. Não queria acreditar... Tudo limpo e organizado. Tudo tão... perfeito. Depois de três meses o meu corpo reagia com violência a esta dose de normalidade ocidental. Parecia que tinha regressado à europa.
Com a hora avançada - e o espanto para trás - procurava um lugar para pernoitar. O meu plano original era ficar no local de espera. Claro que fazer planos aqui apenas servem para falharem, e sou barrado à entrada do aeroporto internacional. “Too early” dizem-me enquanto sugerem que vá para uma outra sala de espera num dos cantos do aeroporto. Tento seguir a sugestão, mas antes de entrar na sala vejo um sinal informando-me que a permanência naquele local custava 70 rupias cada hora. Num assomo de avareza, penso que o limpissimo chão do aeroporto dá uma óptima cama.
Depois de encontrado um local agradável, lá me instalo. Bem perto de outros passageiros que tentam fazer o mesmo. A união faz a força, e nestas coisas não gosto de estar sozinho. E com um ajeite aqui, um encolhimento ali, já me sentia numa verdadeira cama. Era altura de poder sonhar...
“Excuse me...” acordo sobressaltado com este comentário. Era um policia. Por esta altura já consegui ler na sua cara o que me queria transmitir. Primeiro com uma cara mais rude - talvez a pensar que era indiano - depois com uma cara mais gentil quando ouve que sou estrangeiro. E de uma forma muito educada diz-me para sair dali e ir para a sala de espera. Eu explico-lhe que não quero pagar o dinheiro, e ele diz-me, para meu espanto, que apenas preciso de mostrar o bilhete.
Lá regresso ao local que tinha estado uma hora antes e o meu espanto não termina. Depois de vaguear à procura de um lugar, reparo que têm chaise longues para descansar. Enquanto vou ajeitando o meu corpo - e deixando-me embalar pelo sono - guardo os meus últimos pensamentos. Sorrio ao imaginar quão os turistas devem ser enganados com a chegada a este local, antes de enfrentar todos os desafios que a incrivel India tem para dar.
No dia seguinte, tudo foi mais mecânico. Talvez a ansiedade superava o dia de despedida. Com tudo programado, rapidamente me encontrava no meu lugar no avião. Olhava à minha volta, e os rostos das pessoas não enganavam. Estava a ir para um novo país. Os traços da asia oriental já penetravam as faces dos passageiros. Quando é anunciado que estamos a chegar, sinto de novo aquele arrepio de uma nova aventura. Era altura de cumprimentar um novo país.