Tuesday, July 17, 2012

Um dia em... Phnom Phen

Gostaste de Angkor Wat? Magnífico, não é? Hoje quero-te levar a um sítio bem diferente. Fica junto à capital, Phnom Phen. A dureza do dia de hoje está nas emoções. Anda daí, que o condutor de tuc-tuc já chegou. Está aqui à beira do hotel. Entremos então. Uma caixa metálica multicolorida. O toldo é verde escuro, as guardas são metálicas e a caixa vermelha. Tudo puxado por uma moto. Queres ir no banco da frente (de costas para o trânsito) ou no de trás? O detras é sempre melhor e podemos ver melhor o que nos rodeia.
Arrancamos pela estrada da Guesthouse. Por aqui só encontras mais guesthouses. Um pequeno gueto. Chegamos a uma ampla avenida. Á nossa volta o som do... tuc-tuc. O bruuuum tipico quase envolve tudo, mas ainda deixa passar um pouco da vida à nossa volta. E por aqui temos apenas mais trânsito. Confuso e belo. Uma sinfonia desarranjada. Passamos pelo monumento de democracia de estilo khmeriano (isto é, como uma das torres de angkor wat). E em breve o nosso condutor leva-nos para uma rua paralela na esperança de escaparmos ao trânsito.
Esta é zona de vivendas, iguais à que estamos habituados, talvez fruto do passado colonial francês. A grande diferença são as grandes e o arame farpado que as envolve. Sinal que por detrás da imagem pacifica existe uma ameaça de violência. Algo que não é de estranhar num país que viu os Khmer Rouge serem derrotados apenas em 1998.
Conforme nos afastamos do centro, o cimento dá lugar à madeira. Consegues ver a pobreza mais perto. E é muita. Não estranhes que enquanto o condutor tenta cortar o trânsito indo para a berma elameada, passem por ti três crianças de gancho na mão a procurar no lixo pedaços metálicos. Elas ficam curiosas a olhar para nós. Eu aceno e uma delas sorri de forma sincera. Depois seguem a sua vida e nós a nossa.
A confusão continua. Os carros acumulam-se e as motas tentam encontrar uma escapatória. Tudo motivado por um cruzamento orientado pela policia. Conseguimos escapar e entramos na reta final. A cidade fica para trás e à nossa volta o espaço é idilico. São terrenos alagados que refletem o sol. Gosto particularmente das flores de lotus que dão um tom mágico. Viramos para chegar ao destino final.
O tuc-tuc abranda até parar à porta do complexo. Agora peço-te para preparares o teu estomago. Não é uma visita fácil. Daqui parece um bonito espaço verde com uma stupa no meio. Mas esta serenidade esconde a violência enterrada. Passamos pela bilheteira onde, depois de pagarmos o bilhete, indicam-nos para ir buscar o audio-guide. Essencial numa visita como esta.
Iniciamos a visita. Se ninguém nos informasse poderiamos estar num qualquer jardim. O memorial esconde o horror dentro dele. Um pouco como toda esta paisagem. Vamos pela direita. Um placar indica-nos que era aqui o ponto de paragem da camioneta que transportava a “mercadoria”: seres humanos a caminho da sua morte. À sua frente ficava o gabinete. Hoje é apenas o espaço e a ausência.
E talvez seja esta a palavra que mais se adequa a este espaço. Todo ele foi um espaço de ausência, de humanidade e hoje de vestigios. Os mais marcantes estão à tua esquerda. Mais uma ausência, neste caso de terra. Este espaço é cheio de crateras. Valas comuns onde enterravam os corpos inanimados dos prisioneiros. Ainda hoje, em altura de chuvas intensas, pedaços de ossos, dentes e roupas aparecem à superfície. Uma recordação sombria dos (poucos) limites da humanidade.
Enquanto assimilamos esta loucura, ultrapassamos as valas comuns. Aqui fica um lago. Também depositário de inúmeros corpos. A sua calma e beleza contrasta com as palavras que ouvimos no nosso audio guide. Histórias de horror, violência e loucura. Sentemo-nos um pouco num dos bancos de pedra por aqui existem. Altura de recuperar o folêgo e ganhar coragem para o resto da visita.
...
Podemos seguir? Ok. De regresso ao verde das valas comuns, viramos à direita. Neste espaço a memória é mais fisica e mais brutal. Repara naquela árvore. Sim, aquela que tem as pulseiras no seu tronco. Ouve agora as palavras do nosso guia. Ele conta-nos que ali - naquele tronco que podes tocar - era o sitio onde os guarda matavam as crianças e bébés. Pegavam pelos tornozelos e num gesto rápido... pum... esmagavam os crânios contra o tronco. De repente todo o lugar torna-se mais sinistro. O verde e a paz é subsitituido por imagens de vermelho e gritos. Sons secos de brutalidade chegam aos ouvidos da tua imaginação.
Depois de recuperar um pouco o “agora”, seguimos para o próximo marco. Uma outra árvore. Esta era o suporte de altifalantes. Um ultimo arrepio é nos fornecido pelo audio guide. Ele relembra-nos que desta árvore eram emitidos os ultimos sons que muitas pessoas ouviram. Sons de músicas revolucionárias. Ao som desta música, o nosso coração estremece e o nosso corpo pede para fugir... para regressar à nossa realidade, à nossa segurança. Uma que damos por garantida e que está a um passo de a perdermos...

4 comments:

  1. É de facto uma coisa a que nao estamos habituados por termos crescido em Portugal... violencia de uma brutalidade como esta.

    De aquando do aniversário do 7/7 aqui em Londres é que me dei conta que existem pessoas que carregam tanta dor e ódio dentro de si que conseguem matar outro ser humano.

    Um ser humano desconhecido, que anda na sua vidinha do dia-a-dia; nao é um soldado, um político ou alguém que tenha um impacto directo negativo na vida de outrém, é somente outro ser humano a ir de para o trabalho, como é possível ter-se tanto ódio?

    Eu acho que nao conseguiria visitar esse sítio... Só de pensar na dor, no sofrimento, no ódio gratuito, acho me iria sentir demasiado perturbada :(

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  2. Sim sem dúvida que é uma experiencia intensa, mas para mim é o contrário. Por mais informado que uma pessoa possa estar só quando visita estes locais é que tem a noção que é real. E que é algo dentro do ser humano.

    Embora neste caso não foi odio mas medo o gatilho de tudo... E existem quem tenha tanto odio por muçulmanos na europa, ou por comunistas, ou por capitalistas, etc, etc, etc...

    E sem dúvida que em Portugal estamos mal habituados, mas a nossa história não vem sem páginas negras ;)

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    1. Nao, mas eu já sou mocoila do pós 25 de Abril, tive uma bela de uma vidinha pacífica...

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    2. lolol e eu tb... ;) mas há que relembra-las sempre ;)

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