Gostaste de Angkor Wat? Magnífico, não
é? Hoje quero-te levar a um sítio bem diferente. Fica junto à
capital, Phnom Phen. A dureza do dia de hoje está nas emoções.
Anda daí, que o condutor de tuc-tuc já chegou. Está aqui à beira
do hotel. Entremos então. Uma caixa metálica multicolorida. O toldo
é verde escuro, as guardas são metálicas e a caixa vermelha. Tudo
puxado por uma moto. Queres ir no banco da frente (de costas para o
trânsito) ou no de trás? O detras é sempre melhor e podemos ver
melhor o que nos rodeia.
Arrancamos pela estrada da Guesthouse.
Por aqui só encontras mais guesthouses. Um pequeno gueto. Chegamos a
uma ampla avenida. Á nossa volta o som do... tuc-tuc. O bruuuum
tipico quase envolve tudo, mas ainda deixa passar um pouco da vida à
nossa volta. E por aqui temos apenas mais trânsito. Confuso e belo.
Uma sinfonia desarranjada. Passamos pelo monumento de democracia de
estilo khmeriano (isto é, como uma das torres de angkor wat). E em
breve o nosso condutor leva-nos para uma rua paralela na esperança
de escaparmos ao trânsito.
Esta é zona de vivendas, iguais à que
estamos habituados, talvez fruto do passado colonial francês. A
grande diferença são as grandes e o arame farpado que as envolve.
Sinal que por detrás da imagem pacifica existe uma ameaça de
violência. Algo que não é de estranhar num país que viu os Khmer
Rouge serem derrotados apenas em 1998.
Conforme nos afastamos do centro, o
cimento dá lugar à madeira. Consegues ver a pobreza mais perto. E é
muita. Não estranhes que enquanto o condutor tenta cortar o trânsito
indo para a berma elameada, passem por ti três crianças de gancho
na mão a procurar no lixo pedaços metálicos. Elas ficam curiosas a
olhar para nós. Eu aceno e uma delas sorri de forma sincera. Depois
seguem a sua vida e nós a nossa.
A confusão continua. Os carros
acumulam-se e as motas tentam encontrar uma escapatória. Tudo
motivado por um cruzamento orientado pela policia. Conseguimos
escapar e entramos na reta final. A cidade fica para trás e à nossa
volta o espaço é idilico. São terrenos alagados que refletem o
sol. Gosto particularmente das flores de lotus que dão um tom
mágico. Viramos para chegar ao destino final.
O tuc-tuc abranda até parar à porta
do complexo. Agora peço-te para preparares o teu estomago. Não é
uma visita fácil. Daqui parece um bonito espaço verde com uma stupa
no meio. Mas esta serenidade esconde a violência enterrada. Passamos
pela bilheteira onde, depois de pagarmos o bilhete, indicam-nos para
ir buscar o audio-guide. Essencial numa visita como esta.
Iniciamos a visita. Se ninguém nos
informasse poderiamos estar num qualquer jardim. O memorial esconde o
horror dentro dele. Um pouco como toda esta paisagem. Vamos pela
direita. Um placar indica-nos que era aqui o ponto de paragem da
camioneta que transportava a “mercadoria”: seres humanos a
caminho da sua morte. À sua frente ficava o gabinete. Hoje é apenas
o espaço e a ausência.
E talvez seja esta a palavra que mais
se adequa a este espaço. Todo ele foi um espaço de ausência, de
humanidade e hoje de vestigios. Os mais marcantes estão à tua
esquerda. Mais uma ausência, neste caso de terra. Este espaço é
cheio de crateras. Valas comuns onde enterravam os corpos inanimados
dos prisioneiros. Ainda hoje, em altura de chuvas intensas, pedaços
de ossos, dentes e roupas aparecem à superfície. Uma recordação
sombria dos (poucos) limites da humanidade.
Enquanto assimilamos esta loucura,
ultrapassamos as valas comuns. Aqui fica um lago. Também depositário
de inúmeros corpos. A sua calma e beleza contrasta com as palavras
que ouvimos no nosso audio guide. Histórias de horror, violência e
loucura. Sentemo-nos um pouco num dos bancos de pedra por aqui
existem. Altura de recuperar o folêgo e ganhar coragem para o resto
da visita.
...
Podemos seguir? Ok. De regresso ao
verde das valas comuns, viramos à direita. Neste espaço a memória
é mais fisica e mais brutal. Repara naquela árvore. Sim, aquela que
tem as pulseiras no seu tronco. Ouve agora as palavras do nosso guia.
Ele conta-nos que ali - naquele tronco que podes tocar - era o sitio
onde os guarda matavam as crianças e bébés. Pegavam pelos
tornozelos e num gesto rápido... pum... esmagavam os crânios contra
o tronco. De repente todo o lugar torna-se mais sinistro. O verde e a
paz é subsitituido por imagens de vermelho e gritos. Sons secos de
brutalidade chegam aos ouvidos da tua imaginação.
Depois de recuperar um pouco o “agora”,
seguimos para o próximo marco. Uma outra árvore. Esta era o suporte
de altifalantes. Um ultimo arrepio é nos fornecido pelo audio guide.
Ele relembra-nos que desta árvore eram emitidos os ultimos sons que
muitas pessoas ouviram. Sons de músicas revolucionárias. Ao som
desta música, o nosso coração estremece e o nosso corpo pede para
fugir... para regressar à nossa realidade, à nossa segurança. Uma
que damos por garantida e que está a um passo de a perdermos...
É de facto uma coisa a que nao estamos habituados por termos crescido em Portugal... violencia de uma brutalidade como esta.
ReplyDeleteDe aquando do aniversário do 7/7 aqui em Londres é que me dei conta que existem pessoas que carregam tanta dor e ódio dentro de si que conseguem matar outro ser humano.
Um ser humano desconhecido, que anda na sua vidinha do dia-a-dia; nao é um soldado, um político ou alguém que tenha um impacto directo negativo na vida de outrém, é somente outro ser humano a ir de para o trabalho, como é possível ter-se tanto ódio?
Eu acho que nao conseguiria visitar esse sítio... Só de pensar na dor, no sofrimento, no ódio gratuito, acho me iria sentir demasiado perturbada :(
Sim sem dúvida que é uma experiencia intensa, mas para mim é o contrário. Por mais informado que uma pessoa possa estar só quando visita estes locais é que tem a noção que é real. E que é algo dentro do ser humano.
ReplyDeleteEmbora neste caso não foi odio mas medo o gatilho de tudo... E existem quem tenha tanto odio por muçulmanos na europa, ou por comunistas, ou por capitalistas, etc, etc, etc...
E sem dúvida que em Portugal estamos mal habituados, mas a nossa história não vem sem páginas negras ;)
Nao, mas eu já sou mocoila do pós 25 de Abril, tive uma bela de uma vidinha pacífica...
Deletelolol e eu tb... ;) mas há que relembra-las sempre ;)
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