Thursday, May 31, 2012

Um dia em Vietiane

Tenho de pedir desculpa. Depois de tantos dias, e textos, ainda não te levei a passear por um dia meu. Já escrevi alguns episódios, muitas emoções e ainda mais palavras. Mas nunca te disse como é um dia na viagem. E este é o momento certo. Estou numa cidade que não tem muito para contar. E só tenho planeado escrever os artigos.
Ok, encontro-te à porta do meu quarto. Acabei de sair da casa-de-banho que é comum e fica no corredor. Desculpa, mas vou ter de voltar ao quarto. Esqueci-me da carteira no meio da confusão. O quarto é maior que o habitual. Um single, com duas ventoinhas e muito espaço, que faço questão de ocupar com as minhas coisas. Sacos, meias e um pouco de tudo está espalhada pelo chão. Não te preocupes com as marcas de sujidade na parede. Não te fazem mal e o importante é que os lençois estão limpos e sem bedbugs – esse terror do viajante. Tudo o resto, uma pessoa consegue sobreviver... ou quase, que este calor infernal não desaparece com as ventoinhas.
Bem, vamos descer que é altura de sair daqui e eu já encontrei a minha carteira. Descemos os 3 andares até chegar ao rés-do-chão preenchido por uma recepção e um restaurante. O aspecto é colonial e a simpatia própria deste país. Antes de sairmos tenho de pagar. 50.000 kips pelo luxo de estar num single. Não te assustes, isto é apenas 5 euros. Vamos embora que o meu estomago aperta e preciso de tomar o pequeno-almoço.
Puff... não me consigo habituar ao calor sufocante desta altura. É um ar abafado e humido que te faz suar em bica cinco segundos depois de saires para a rua. Sim... habitua-te, quando estás na rua o suor é um eterno companheiro. Vamos por esta rua à direita da rua principal. Depois da loja das massagens – sempre convidativas – e do hostel-dormitório está um pequeno stand de comida e sandwiches. As sandes são boas, mas é pelo café que aqui venho. E claro pela simpatia dos donos. Não falam inglês, mas o sorriso é universal e a simpatia não precisa de traduções.
Sentemo-nos na pequena mesa de cimento com um jogo de xadrez embutido. A ventoinha traz um pouco de alívio. Daqui podemos ver a rua e tudo o que se passeia nela. Um leque tão variado como a população deste local. Turistas, nativos de motos ou vendedores ambulantes. O café está optimo, como sempre. Altura para fumar um cigarro e aproveitar os 5 minutos de fumo para pensar um pouco na vida. Não poucas vezes este é o momento em que reconheço a sorte da vida que estou a viver. Depois deste momento altura de pagar. 11.000 kips (1 euro e 10 cêntimos) e um estomago satisfeito
Pego na minha mochila azul que tem o computador e vamos para o meu “local de trabalho”. Este é o meu segundo luxo do dia: um café chique. Daqueles que encontramos um pouco por todo o mundo – como o starbucks – e que nos dão a certeza de encontrar lá dentro um espaço com ar-condicionado e wi-fi. Fica no final da rua do hotel. Pelo caminho repara nos Wat's (a.k.a templos) que existem. Limpos e imponentes. São a imagem e a atração desta parte da cidade. São o T na palavra turística desta zona. Mas hoje não é dia de visitas, mas sim de trabalho.
Já tenho a minha t-shirt molhada com o calor que sinto, e a minha cabeça parece uma fonte. Altura de entrar. Uma vez lá dentro, é só escolher um lugar. Ao pé da porta, pode ser? É que não posso fumar cá dentro. A bebida – que é o passe que me permite entrar no meu “escritório” - custa 16.000 kips (1 euro e 60 cêntimos). É mesmo caro por uma bebida, mas não é muito para um escritório com electricidade, ar condicionado e wi-fi. As próximas horas são passadas a escrever, ouvir Deolinda e passear-me pelo facebook. Repara nos turistas e a classe média que entra e sai. Muitos agarrados aos seus computadores, ipads e smartphones.
As horas passam, o trabalho está feito e sol já se pôs. Altura de jantar. Já arrumei e voltamos para a rua. Agora o calor já não é tão intenso. Passamos pela esquina da rua. Não ligues ao condutor de rickshaw que tenta vender uma corrida. “Just walking”, com um sorriso, é a resposta mais rápida e certeira. Ele não desiste e tenta vender o seu segundo produto: “smoke?” pergunta em surdina. “No, no” respondo com um sorriso maior.
Contornamos um dos Wat's e a meio da rua existe um descampado. Aqui estão três “restaurantes” de rua. Sentamo-nos num dos banco de plástico e esperamos uns segundos até que nos entreguem o menu. Para mim escolho uma noodle soup que custa 30.000 kips (3 euros). Algo que é suficiente para satisfazer a fome. Agora já consigo comer com os pauzinhos chineses e, tenho de dizer, que até sabe melhor dessa maneira. Não sei como aprendi. Falta de vergonha ou simples necessidade. Claro que para o caldo é necessário a sopa. Mas para os noodles, galinha e pequenos pedaços de salsicha, os pauzinhos são a melhor opção. E até os rebentos de soja já consigo apanhar.
A hora já é adiantada e é altura de voltar ao meu hotel. Deixo-te, livre para ires para onde quiseres. Eu por mim vou descansar, que um dia de trabalho deixa sempre as suas marcas...

Wednesday, May 30, 2012

Le moi errant: Esquecimento


Para trás ficaram as noites mal dormidas. As cartas entregues e os acordares no meio do desespero. Ficaram as lágrimas. Umas contidas, outras largadas com a fúria da emoção. Os telefonemas e emails. Ficou o esperar pela hora de saída, com a ânsia de quem está perdido no mar e precisa de respirar. Ficaram as filas de trânsito e as sestas num carro que transparecia a minha alma.
Tudo isso ficou coberto na manta do esquecimento. Uma memória vaga e tão distante que parece um sonho perdido no tempo. Essas recordações são agora poeira. A minha memória guarda outros momentos.
Comigo ficou o sorriso gentil. As histórias partilhadas. Ficaram as músicas e os olhares. Uns ternos, outros eternecidos. Ficou aquele abraço sentido no momento de despedida. Ou os cafés, muitos tomados em horas de puro entretenimento. Ficaram os clipes a voar e as partidas que fizemos. Ficam as pessoas, agora e sempre.
A manta do esquecimento também começou a cobrir a minha viagem. Para trás ficam momentos que não vou voltar a sentir. Alguns serão meras memórias vagas. Outras serão o tecido que envolve toda esta aventura.
Descubro assim a benção do esquecimento. Aquele dom de refinar o que vivemos. Que somos nós que escolhemos essa manta. Somos nós que fazemos os buracos pelos quais poderemos vislumbrar as nossas memórias. Mais que ter a sorte de encontrar a felicidade, somos nós que a construirmos. Quer seja a do presente, quer seja a da nossa memória. Até porque o único momento que existe é o agora. O que engloba o passado, presente e futuro num instante só.

Tuesday, May 29, 2012

História de uma foto: Aquele pôr de sol


É sempre um momento mágico. Não sei o que me atrai. Algo que vejo vezes sem conta e continuo a ficar maravilhado. Este foi especial.
Porque foi inesperado – o motivo pelo qual estava ali era o de uma roda que rebentou. Nada que pudesse planear, e o mais certo seria estar num outro sitio qualquer, não naquele. Mas este era o sítio que o destino que me quis colocar.
Porque foi familiar – o tempo que passei naquele local foi suficiente para o snetir meu. Já conhecia as linhas do horizonte, as nuvens no céu e os reflexos das planícies. Apesar de ser num local novo, quando as cores começaram a mudar trouxeram com elas um toque de familiariedade.
Porque foi no momento certo – aqui a noção de certo não é tanto de do pôr-de-sol, que tem sempre o seu momento, mas sim da vida à minha volta. Este pôr de sol era o limite da minha espera. Depois dele teria de encontrar solução para o meu problema. Mas a minha boleia vez questão de chegar naquele preciso momento, como um belo fim escrito por um autor qualquer...

Monday, May 28, 2012

De moto em Phonsavan


Existem sons estranhos. Todos os segundos os ouvimos. Na maioria nem reparamos. Mas o duma corrente metálica a tilintar é algo que desperta a tua atenção. Se vier acompanhado de um balouçar da mota em que estás, então todos os teus sentidos ficam despertos. Sorte que não era eu a conduzir e o episódio terminou com um simples tombo da moto. O som não era de corrente, mas do chassis da roda que se partiram e o balouçar foi motivado pelo pneu que se enrolou no eixo da roda.
Antes, a mota tinha servido para chegar ao primeiro sitio da Jar Plains. Uma planície cheia de Jarros de Pedra a uns quilometros de Phonsovan. Pela mesma podemos encontrar os vestigios das crateras de bombas que os americanos largaram, e ter uma pequena noção do que deve ter sido essa página triste da história da humanidade. Agora, com uma natureza irónica, os mesmos buracos de destruição estão cobertos por vegetação. Por aqui a floresta densa deu lugar a pastos verdes e toda a paisagem dá-nos uma sensação de calma. Para chegar temos de andar por ruas não asfaltadas, o que dá uma pitada de aventura ao percurso.A mota é a forma mais prática e livre de visitar estes monumentos. E de aproveitar para contemplar a beleza que toda esta região tem. Ou a melhor forma de... ficares parado no meio do nada.
Com uma roda naquele estado não restava mais nada que não fosse esperar que alguém nos trouxesse de volta à “civilização”. E o estar parado tem o condão de te permitir olhar para as mesmas coisas com outros olhos. Por aquela rua passava a vida diária de Laos. Os turistas nas minivans, os camiões de transporte de madeiras, as crianças que regressavam da escola. Em todos, aquele olhar surpreendido por ver um estranho por ali. E foram muitas as horas de espera. As suficientes para um sol preguiçoso se esconder atrás da paisagem.
Quando a minha “equipa de salvamento” apareceu, respirei de alívio. Não tinha de procurar uma outra solução e abandonar a moto. A meio caminho em direcção da cidade um último momento para selar com perfeição este dia. Uma pequena rapariga repara na mota e no estranho que vai no rickshaw e sorri. O meu olhar cruza o dela e sorrio também. Decido acenar com um adeus, ao qual ela responde com um sorriso maior, um acenar de adeus e uma corrida para me acompanhar...

Sunday, May 27, 2012

Novidades

Com 6 meses de viagem (pelo menos no momento em que escrevo) é altura de trazer novidades. O meu espirito precisa destas coisas. Com este espírito serão criadas duas novas rúbricas, a saber:
“Um dia em...” - com estreia marcada já esta semana (próxima sexta-feira), esta rúbrica tentará explicar o que é um dia numa viagem destas. Tentarei trazer ao texto mais pormenores (como o dinheiro gasto, comidas, etc...). Como qualquer “work in progress” este primeiro artigo ainda é uma versão “beta” do que pretendo no futuro.
“O mundo cá fora” – E depois de seis meses mais introspectivos na escrita, a minha voz politica tem o desejo de reaparecer. E se até agora me contive, a força com que ela fala dentro de mim é impossível de abafar. E antes que fujam ao som da palavra “política”, gostava de explicar que para mim, esta palavra está ligada às relações sociais, aos nossos sonhos e desejos e à forma como vivemos a nossa vida. Assim, por aqui ficará a minha impressão aos temas deste tipo, ao que eu vejo por este mundo fora e como sinto os problemas “back home”, a milhares de quilometros de distância.
Por enquanto estas rúbricas não terão dias da semana marcados e aparecerão ao ritmo da vontade da minha inspiração. Com o tempo acabarei por decidir se irão ter força suficiente para justificarem um dia próprio, ou se pura e simplesmente continuarão ao sabor do acaso.
E claro, fica a vontade de melhorar as rúbricas existentes e poder proporcionar alguns bons momentos a quem por aqui passa. Oferece um pouco da sua atenção para ler o que este estranho vai escrevendo...

Thursday, May 24, 2012

Sabaidee Pi Mai


“E é altura de dar início a mais uma partida. As gotas de agua já se agitam e... torneira aberta! Saem de rompante da mangueira para o balde... lá fora o ambiente é de festa, e que festa... aguardam um momento... aguardam... aguardam... e pode ser... é agora... a oportunidade, está quase... seguem para uma bisnaga, fintam o ar e... é agora... força, coração... vai ser... SPLAAAAAAAAAAASHHH...”
Mais uma pessoa molhada, mais um benção dada. Na realidade é impossível descrever a loucura que é um fim de ano passado nesta região do planeta. Quis o destino que me encontrasse em Luang Prabang – o centro dos festejos em Laos e capital turistica do Norte deste país. Toda a zona histórica é patrimonio mundial, e esta cidade tem uma beleza única. De inspiração colonial, ladeada pelo Mekong e preenchida por belos monumentos.
Mas não foi esta a Luang Prabang que conheci. Adoptado pelos donos de uma guesthouse, fui introduzido à loucura desta festa. Todas as pessoas acorrem às ruas. Em cima dos carros ou nos passeios. Molham tudo o que se movimenta. Nos dias festivos, não aguentei mais de 10 minutos na rua sem estar completamente encharcado. E a cada molha, um generoso “Sabaidiiiii Pi Mai”. E quem molha não se importa de ser molhado. A partilha de água e risos é constante.
Coisas de Crianças? Nem pensar! Por aqui todos participam. E na memória guardo a idosa que mal podia andar, com a bisnaga na mão e o sorriso jovial no rosto. E o som é de festa. Quer seja das casas, dos carros ou bares, a musica é tom dominante e dá um diferente contexto a toda esta movimentação. Aqui todos festejam, tudo é alegria, tudo é àgua.
Mais de três dias de festa. Ao segundo, uma procissão cheia de carros coloridos, música de tambores e uma Miss Luang Prabang em cima de uma estátua de búfalo. Esta termina em frente de um dos templos, onde todos entramos e seguimos a festa.
No fim, mais uma memória dourada, um corpo cansado e roupas molhadas. Estes dias em Luang Prabang vão ser inesquecíveis. Daqui saio com um dos mais rasgados sorrisos que poderia ter. Quem sabe se no próximo ano não me encontrarei por aqui uma vez mais?

Wednesday, May 23, 2012

Vejo-me... ou como ainda tenho um problema de expressão

Procuro os caminhos do meu ser. Tudo começou por uma visão superficial de mim mesmo. Olha de fora para dentro e via as cicratizes que tinha. Algo óbvio e superficial. Por elas entrei dentro de mim. Encontrei novas dimensões e espaços.
Um mundo meu, mas novo. Pela primeira vez olhava de dentro para fora. Reparava como essas mesmo cicratizes eram diferentes e com ligações a outros espaços. Vi as minhas próprias defesas e sentia-me um turista por estas bandas. Os caminhos da alma são tão desconhecidos como os outros. E tal como os caminhos da viagem, só caminhando os posso descobrir. Teria de os percorrer. E assim fui, um pouco a medo, por dentro de mim.
Começo a ver as minhas mais profundas cicratizes. E quando pensava que já tinha conquistado algo, percebo que não. Foi uma simples barreira. A minha dificuldade em me expressar ainda persiste. Hoje ainda não consigo abrir o meu coração com a amplitude que ele tem. Ainda existem emoções que eu próprio desconheço. Sensações que ainda não tenho coragem de as colocar em palavras.
Pelo caminho percebo que existe tanto por caminhar. Mas não desisto. É impossível. Os passos que se iniciaram há uns meses atrás não têm retorno. Parar é algo que já não consigo fazer... Resta-me aguardar e ver por onde irei agora...

Tuesday, May 22, 2012

História de uma foto: Paixão



Sim, apaixonei-me. Pela sua beleza, o seu sorriso e os seus passos de tom embriagado. Sou uma pessoa que se apaixona muitas vezes, e era impossível resistir a esta. No momento, apenas desfrutava o melhor que uma paixão te pode trazer: a capacidade de admirar os pequenos pormenores. Um coração que corre e se emociona a cada olhar.
A festa transforma-se em algo inesquecível e apaixono-me também por ela. Pelos risos e alegria que me rodeia. Apaixono-me pelo licor de arroz que me é oferecido e pela comunhão do beber. Pela gentileza das pessoas e pela música que ouço.
Viajar é também isto. É nos apaixonarmos num instante. Prender o coração a um olhar. Não foi a primeira. Não será a última. Por vezes sinto que estou constantemente a me apaixonar. No fundo não estranho que isso aconteça. Movo-me por entre vidas e essas sempre foram apaixonantes...

Monday, May 21, 2012

Uma festa em Udomxai

“Onde podemos alugar bicicletas?” Uma simples pergunta com consequências inesperadas. Depois do almoço tomado, era altura de procurar uma bicicleta para explorar um pouco a região de Udomxai. A vila por si só não tem um grande atrativo. Mas por perto existem cascatas e grutas, e com tempo livre, apetecia expandir os nossos horizontes. No dia anterior, do topo de um espaço em que se encontra uma stuppa e um buda, podiamos contemplar um belo vale rodeado de montanhas sudestemente lineadas, que despertaram a curiosidade.
Mas era fim-de-semana e as lojas pareciam fechadas. A teimosia levou-nos a procurar soluções alternativas, pelo que aquela pergunta queria dizer mais “têm alguma bicicleta que possamos alugar?”. Motivo pelo qual tinhamos interrompido a festa que decorria no pátio da companhia de águas.
“No shop... close”, “Sorry... sorry... no bicicle” responderam-nos quando perceberam o que queriamos. E com isto viramos costas à procura de outra solução. Mas, mesmo antes de cruzar o portão, alguém chama por nós.
Com um sorriso amistoso, convida-nos para comer e beber algo. E com isso abria as portas da festa e, principalmente, as da simpatia e hospitalidade deste país. Depois... bem, depois existiu dança e karaoke. Muita cerveja. Risos, estórias trocadas e uma alegria genuína de nos ter por perto.
A magia desta partilha é impossível de passar por palavras. A cada Sabaidee Pi Mai (Feliz ano novo) molhado, o sorriso aumentava. Ali não existiam europeus e asiáticos. Apenas pessoas que partilhavam a felicidade de estarem vivas e a aproveitar mais um dia das suas vidas. Um dia que nunca me irei esquecer...

Sunday, May 20, 2012

Festa de Karaoke

“Anda” diz-me Magritte em jeito de desafio. Tinhamos acabado de jantar num restaurante de hotel, e não sabia muito bem porque me chamara. Ao chegar perto dela percebi que estava a existir uma festa por perto. Ouviamos a música e as pessoas a cantar. A curiosidade foi maior que a vergonha e acabámos por bater à porta.
E o que imaginámos ser um espaço comum, era na realidade um quarto onde um grupo de amigos estavam a fazer uma festa de Karaoke. Meio envergonhados, pedimos desculpa. Mas em vez de rostos chateados, fomos recebidos por caras sorridentes e um convite para participarmos. E no meio deste país tão belo, o nosso espirito apenas diz: “e porque não?”
Nas próximas horas - por entre cervejas e canções que não conseguia compreender - o tempo escorria para um momento intemporal. A alegria e a simpatia eram dominates. Muitos sorrisos e cantares. E no meio da confusão, aprendemos que se trata de uma recepção a um familiar vindo da Australia, que estava pela primeira vez em Laos. Como era o único que percebia inglês, tornou-se o nosso tradutor oficial e, nas horas que se seguiram, o nosso intermediário por entre os nossos costumes e a cultura festiva do Laos.
Quando nos despedimos, os meus olhos brilhavam e o sorriso rasgava o rosto. Esta forma de sermos acolhidos no meio de estranhos é algo único neste país. Algo que o transforma num espaço muito próprio e que se vai arrumando no teu coração...

Thursday, May 17, 2012

Luang Nam Tha Trek

Gosto da minha coerência. Volvidos quinze dias desde que descobri que treking não era para mim e aqui estava eu de botas calçadas e mochila nas costas para mais um. Antes de tomar a decisão, enchi a pessoa da agência com perguntas: “é muito difícil?”, “quantas horas a andar?”. “que nível de dificuldade?”. “e a paisagem? Que tipo é?” Ele, com uma paciência própria daqui, respondia-me a todas e apaziguava a minha alma. Na realidade não tinha alternativa. Decidi Luang Nam Tha – uma pequena vila no norte de Laos – por causa do trek, e apenas queria uma confirmação de que não cometera um erro.
Dia 1
O primeiro dia começa no mercado. Enquanto nos passeavamos pelas bancadas de frutas, insectos e outras coisas que não conseguiamos identificar, os nossos guias compravam o almoço. Como qualquer bom mercado, cada passo era preenchido por cheiros e sons que quase nos tocavam fisicamente.
Após este momento de pausa, seguimos numa minivan para o início do trek. Uma estrada de terra que corta as belas montanhas da região. O verde e vermelho são as cores dominantes. Uma floresta, que há muito sonhava visitar, desenvolvia-se à minha frente. A minha idade fez com que crescesse a ver os filmes de guerra do Vietnam. Agora teria a oportunidade de viver o tipo de paisagem que tanto imaginei.
Mas antes tinha um dia de caminhada. Este primeiro serviu para atingir a aldeia onde pernoitavamos. Pelo caminho ficaram as imagens das queimadas, o almoço no meio da floresta e a vista ampla da floresta. Quando chegamos ao destino final, todos tinhamos um sorriso de quem passara um excelente dia.

Aldeia
E a aldeia foi a conquista mais difícil do treking. Apesar dos sorrisos amigáveis, nós eramos uns estranhos que iam passar uma noite ali. Uma simpatia envergonhada como cartão de visita. Por outro lado, a aldeia étnica era uma aldeia “viva”. Cheia de antenas de satélite, motos por baixo da casa e utênsilios modernos.
Mas este início pouco auspecioso tornou-se numa experiência única. Esta era uma aldeia real. Não daquelas onde tudo é mantido para condizer as expetativas dos turistas. O mundo desenvolveu-se e a tecnologia chegou a todo o lado. Aqui, em vez de transformar o modo de vida, fundiu-se com ele. Com o tempo, a vergonha foi diminuindo e desapareceu por completo quando partilhámos uma noite de lua cheia à volta de um mágico pote de lao-lao. Envolvidos pelos risos da boa disposição.

Dia 2
De manhã estavam a avisar: “em breve vamos começar...” As nuvens prometeram e cumpriram. Apenas tivemos tempo suficiente para entrar na selva densa. Um conjunto verde que tudo preenche e luta por cada espaço livre. O trek mal se vê, e esta é uma altura em que ter um guia é a escolha acertada. “coloquem os impermeaveis!” avisa-nos com a antecedência de 5 minutos. Sabedoria de quem conhece o clima como um bom amigo. Mas os impermeáveis pouco podiam fazer. A luta estava perdida desde inicio. Pouco tempo depois eu era um pingo de agua.
Altura de andar e escorregar. Cair e levantar. O castanho da terra cobria tudo, mas a água limpava-lhe o rasto. Percebia quão difícil se torna o terreno nestas condições. Uma luta por equilibrio e por avançar uns metros. Mas a cada descoberto, uma paisagem que nos roubava o folêgo. Era uma experiência completa. Chama-se rainy forest por bom motivo. Existe algo na chuva que a torna ainda mais bela.
Atravessamos um riacho para chegar a um abrigo de bambu. Perdido no meio da floresta. Sitio perfeito para retemperar as energias e almoçar. Por entre pingos, as nossas mãos lançam-se ao sticky rice e acompanhamentos. A raiz de bambu num molho picante fica divinal.
Com a refeição tomada, reparo que parte do meu impermeavel está vermelho. Mmmm... acho que sei o que é e verifico o meu braço para ter a certeza. Nada. Oh... espera... o fim das minhas calças também estão vermelhas. Arregaço-as e... uma gorda sanguessuga passeava-se pelas meias. O guia rapidamente retira-a de mim. Eu sinto-me violado. Bebe o meu sangue e eu nem sinto nada. Nem uma picada para dizer “hey estou aqui e vou-me alimentar um pouco de ti”.
Com isto, inicia-se a segunda etapa do trek: um jogo de fuga às sanguessugas. É impressionante a velocidade com que elas se movimentam e nos assaltam. Mas as adversidades servem para criar um espirito de camaradagem e no final eramos sobreviventes de uma luta desigual.
A última parte do trek foi feito sem chuva, nem sanguessugas. Percorremos um ribeiro até à aldeia. Passamos por locais que pareciam nos levar ao paraíso, tal era a beleza do verde que nos envolvia. Chegados à aldeia os nossos pés pediam liberdade. Largamos as botas encharcadas e calçamos os flip flops.
Mas a chuva ainda tinha feito alguns danos, e a nossa carrinha estava umas centenas de metros mais à frente. Altura de enfrentar o lamaçal. Algo que uns flip-flops de algibeira não aguentaram. Ainda bem. Deram-me assim a oportunidade de saborear com os meus pés o paladar desta terra vermelha...
Gosto da minha coerência. É ela que me transporta para a próxima experiência. Uma decisão só a é, se puder ser contrariada. Fiquei contente que, volvido 15 dias de ter decidido que trekking não era para mim, ali estava eu, com os pés na lama e feliz pelos dois dias que passara a caminhar...

Wednesday, May 16, 2012

Le moi errant: O adeus...

É o mais difícil da viagem. Uma despedida rouba-te um pouco da tua alma e deixa um vazio dentro de ti. Tudo à tua volta torna-se cinzento. Apenas a memória do tempo vivido é brilhante.
Sempre foi assim. O adeus sempre esteve presente. Alguns quase impossíveis de dizer. Mas em viagem o ritmo é diferente. Numa vida “normal” saboreamos a doce ilusão de que não existe um adeus. Em viagem ele está presente desde o primeiro momento.
Não me conformo, nem me oponho. São as regras do jogo. Não deste, mas da vida. Com um olá vem um adeus e com este um vazio. Profundo e lapidar. Marca-te e tu guardas essa marca. Num primeiro instante encolhes-te ao som do próximo “Olá”. Um instinto que acabas por esquecer. Tu conheces a tristeza que vem depois, mas necessária para aproveitares o momento.
E no momento tu entregas-te. Com a força de uma vida passageira. Atiras-te de cabeça e sabes a dureza do chão. Levantas-te e guardas contigo todos os momentos, sorrisos e palavras partilhadas. Abandonas as riquezas materias e ficas com as outras. Aquelas que se guardam no teu coração. São o teu tesouro mais precioso. Um selado por uma simples palavra: Adeus!

Tuesday, May 15, 2012

História de uma foto: À mesa...




É um dos traços comuns à humanidade. O tempo da refeição. E se o stress nórdico tem roubado um pouco a comunhão deste acto, os latinos - e o resto do mundo - ainda gozam-no com a sociabilidade que tal implica.
A comida é um dos elos mais importantes da humanidade. À volta de uma mesa cumprimos rituais, contamos histórias e aproveitamos paladares que a criativadade humana cria. Esta refeição - no meio da selva asiática - trouxe a satisfação de um dia a caminhar. Trouxe mais histórias. Sabores desconhecidos – como o do miolo do bambu - e outros familiares – como o da hortelã. E no meio de latinos, a conversa acaba por girar à volta da comida. Passeamo-nos por outros sabores, ao mesmo tempo que partilhamos experiências.
À mesa viajamos por continentes, sonhos e emoções. Encontramos uma parte da essência da humanidade e apaziguamos aquele vazio que o estomago já sentia...

Monday, May 14, 2012

Nova rotina


O mundo do viajante também é feito de rotinas. Umas pequenas – como arranjar a mochila – outras que ocupam mais tempo – como arranjar um quarto para dormir. Esta última começa sempre com um olhar que tem um toque de pasmo e outro de perdido. Por este mundo fora são muitos que assim chegam a um novo local.
Eu não estava diferente no primeiro momento de Luang Nam Tha. Talvez um pouco mais perdido que o habitual. Acabava de chegar a um novo país e esta era a minha primeira paragem. Pior, cheguei mais cedo. Quando saí do bus pensava que estava numa simples paragem. Um grupo de turistas despertaram a minha curiosidade: “o que estão a fazer aqui?” Pesquisei à minha volta e nos vidros das bilheteiras encontrava a mesma palavra repetida: Namtha... “Será a minha paragem? Luang Nam Tha?” Decido perguntar. E à terceira confirmação, percebi que era o meu destino.
O segundo passo desta rotina é perceber como se chega ao local dos hosteis. Esta era uma vila pequena demais para ter um mapa no meu guia. E à minha volta só existia... bem, nada. Tinha um mercado, autocarros e uma rua. Nada de tuc-tucs a tentarem vender um hotel ou o quer que seja.
Terceiro passo desta rotina: sair da estação. Com nenhuma opção que não seja a rua, a vida estava facilitada. Faltava escolher a direcção. À esquerda não via nada mais que a rua e os descampados que a envolviam. À direita... voila os tuc-tuc's e o grupo de turistas. Uma escolha fácil. Quando cheguei eles estavam em negociações. Também vão para a cidade, pelo que acabamos por ir juntos. A vila vai-se compondo consoante nos aproximamos do seu centro. Luang Nam Tha tem uma rua principal de onde, todas as outras desembocam. Quando estamos rodeados de hotéis e agências de viagens o condutor pára o tuc-tuc.
Altura de dar o último passo desta rotina. Pegar de novo nas mochilas e começar a bater à porta das guesthouses, com as seguintes perguntas:
“Do you have room?”
“How much?”
“Can I see it?”
Daqui seguem duas alternativas:
“ok, I'll be back if I don't find cheaper” que serve tanto para quando inicias a pesquisa e queres ter a sensibilidade do preço.
Ou então:
“Discount... discount?” que é utilizado quando já tens um quarto que te interessa.
No meu caso faço esta última pergunta com uma voz de pedido, mais do que exigência. Não sou bom a negociar, e esta é a melhor forma que arranjo. Para além disso, aqui a negociação é diferente da indiana. O simples recusar significa isso mesmo, e não que queres um preço muito mais baixo.
E desta forma que consegui o primeiro quarto em Luang Nam Tha. Uma guesthouse que fica um pouco fora da rua principal – normalmente mais baratas – com um aspecto... próprio para ficar apenas um dia. Com a chave na mão, chegava ao fim desta nova rotina. O último momento acontece com o suspiro final... mas, pensando bem, não é assim que terminam todas?

Sunday, May 13, 2012

Atravessar uma fronteira


Uma nova experiência. Atravessar a fronteira por terra... bem, neste caso, rio. Até agora apenas o fizera num aeroporto. Estava curioso. Ao chegar ao posto fronteiriço no rio Mekong não sabia o que fazer. Mas tudo foi fácil. Passaporte entregue, papel de saída preenchido e carimbo colocado. Estava oficialmente fora da Tailândia. Altura de descer a margem do rio e apanhar um dos barcos longos e esguios que estão à espera de passageiros.
Ao som do motor, arrancamos para um novo país. É uma sensação estranha. A de atravessar uma terra-de-ninguém cheia de água. Quando passo um rio, espero encontrar a mesma cidade ou cidades-irmãs. A sensação era a mesma e apenas a bandeira me dizia que era um outro país. Mas isso era apenas aparência...
Mal pus o pé na outra margem, senti que era diferente. Algo súbtil. Andei um pouco até ao posto fronteiriço. Sou recebido por rasgados sorrisos e apresentado à burocracia que compõe qualquer entrada num país. Uma pergunta torna-se impossível de responder: “where do you stay?” Pois... deveria ser fácil, mas desde que comecei a viajar que é comum ir para o sitio sem dormida marcada. Neste caso, nem sabia qual a cidade em que ficaria. Pergunto-lhe se tenho de preencher. Ele diz que não é importante. Com tudo resolvido é altura de pagar o visto...
“What? No euros?!”
“No euros... Dolars” responde-me. Vejo quanto tenho e não é suficiente. Olho em volta para tentar encontrar uma solução. Reparo numa cabine de câmbio vazia e pergunto:
“When does it open?”
“2 P.M.” lapidar, esta resposta... tal significa que teria de pernoitar por ali. Um atraso na viagem que não me apetecia ter.
“Other place?” pergunto, na vã esperança que ainda haja solução. Digo “vã” porque sou optimista. Outra solução resolver a seguinte charada: “No money, no visa. No visa, no money...”
“yes... ATM... end of the road.” responde-me com um simpático sorriso. “You can go to the ATM...”

Nem queria acreditar. Com aquela resposta, desatava o nó górdio que me encontrava. Foi assim que entrei pela primeira vez no Laos. Sem visto, desorientado e à procura de um ATM. Uma sensação estranha de ilegalidade e de entrar num país que parecia diferente do que já tinha experimentado até agora...

Monday, May 7, 2012

Em pausa por uma semana

Vou estar em pausa por uma semana e este blogue também estará parado. Volto para a semana com mais novidades :)

Thursday, May 3, 2012

Ritmo

E por vezes a viagem tem um ritmo próprio que nos ultrapassa. Cada um altera a sensação do local que visitamos. O norte da Tailândia foi feito a três tempos. Cada deu-me uma emoção própria e pintou com diferentes traços a minha viagem.
Andante - Ayuthaya
Foi quase uma resposta a um desafio. No dia que cheguei, no meio de uma conversa ouvi: “Ayuthaya é impossível de ser feito a pé”. A minha forretice e curiosidade levou-me a abandonar a ideia de alugar uma bicicleta e decidi ir a pé visitar esta bela cidade-templo. A geografia ajudava-me. Esta vila turistica é plana e está no meio do rio, numa ilha natural.
E se os templos, meios degradados - mas turisticamente preparados - são a grande atracção, descobri que é o sorriso das pessoas e os pequenos pormenores da vida rotineira que me davam maior gozo. Em vez de uma rápida evolução entre locais, via os contornos dos templos transformarem-se em árvores floridas. Estas transmutavam-se em ruas estreitas, casas de madeira e becos, para de novo serem alargadas nas avenidas. Aqui os traços eram largos e o ritmo próprio de uma artéria principal. De novo esbatem-se noutro templo centenário. Sigo essas linhas para a confusão pacífica de uma parte citadina do outro lado do rio.
Sigo ao meu ritmo. Um andante muito andante... por vezes com toques de adagio sempre que o calor me rouba o folgo. Mas quando uma vendedora me dá as indicações para o meu novo destino, o meu ritmo acelera um pouco. Passa para um allegro, enquanto tentamos comunicar e eu aprendo umas palavras de tailandês. Despeço-me com um sorriso que devolve os que estou a receber.
De novo sozinho, de novo andante. Continuo a seguir os traços desta cidade. E após atravessarem o rio, transformam-se em dourados... pelos telhados do templo e pelo pôr de sol que, ao mesmo ritmo do meu, se vai escondendo por detrás da paisagem.
Gravissimo - Chiang Mai
E por vezes o ritmo é tão lento que parece parado. Foi desta forma que eu vi a capital turistica do norte da Tailândia. Uma pequena cidade, constituida por imensos Wats e um impecável centro histórico. À excepção do templo no topo do monte tudo foi feito em modo stand still. Passeiei-me sem pressas pelo night market e pelos seus templos.
A maior parte do tempo estive parado. Resolvi ficar uns tempos a escrever alguns artigos e foi das esplanadas que vi esta cidade. Da que fica junto à porta da cidade velha, via o trânsito fluir. Os turistas passavam à minha frente, e, de vez em quando, via um ou outro nativo com o tradicional chapéu chinês. Daqui guardo a memória de um mendigo que me cravou uns cigarros. De tez morena, por um sol que não perdoa, e numa t-shirt e calções usados, pediu-me de forma simpática um cigarro. Algo que nunca recuso. E depois dinheiro. Algo que nunca ofereço. Nos dias seguintes sempre a mesma rotina, acompanhada de sorrisos companheiros. Eu ia para as minhas letras, ele seguia o seu peditório.
Da outra esplanada, mais no centro da cidade – a meio caminho entre a porta e o Wat principal – as vozes eram mais internacionais. Gosto de perceber a pose dos turistas e a forma como interagem com o que os rodeia. Uns trazem o sorriso de quem tem prazer na viagem. Outros a indiferença e arrogância de quem pica um ponto na sua to-do list. Por detrás, os empregados seguem a sua dança de encomendas e pausas. Depois de algum tempo cria-se uma cumplicidade própria. Sinto-me em casa, e eles fazem-me sentir dessa forma. Umas conversas, pequenas, reforçam essa partilha e sinto -me seguro por aqui...

Presto - Chiang Rai
Uma noite apenas. Esta foi a minha Chiang Rai. O ritmo foi elevado. Um belo pôr de sol por detrás de um templo. A vontade de encontrar um local para pernoitar. Uma saída rápida para o night market. Cheio de cor do artesanato vendido, som das músicas nas bancas dos DVD's e cheiro das comidas. Tudo me acompanhava. Queria apanhar tudo. Os sons, as casas e avenidas. Os risos e rostos. Estive apenas umas horas. Muito pouco para descrever algo. Mas esta foi uma cidade mais real e mais viva que as outras. No dia seguinte, enquanto abandonava a cidade, o meu coração ainda seguia o mesmo ritmo. Tão diferente dos outros que tinha sentido pelo norte deste país.

Wednesday, May 2, 2012

Le moi errant: Eat Pray Love... ou a diferença em mim


Uma companhia desde o início da viagem. A cada “devias de ler”, a minha curiosidade aumentava. Uma sugestão censurada pelo o meu “lápis azul” mental. Mas sempre que aquelas 3 palavras chegavam aos meus ouvidos ele perdia força.

E quando o livro sorriu para mim- numa livraria de aeroporto - acabei por aceitar o convite. Mal comecei a ler percebi o porquê de tantas sugestões. Era impossível escapar à comparação entre o que lia e o que vivia. Apesar das muitas diferenças, o espírito era idêntico. Ao ler este livro, dialogava com ele e foi aí que surgiu o meu espanto.
Não falava com a escritora com uma voz de admiração, mas de companheiro. Percebi a mudança brutal que tinha ocorrido em mim. Um passo que ainda não tinha sentido. Elizabeth era uma fellow traveller - tal como outras que conheci - e vivia no mesmo mundo de letras que eu agora vivo. Ainda reconheço a realidade e vejo as diferenças. Eu sou - no máximo - algo em potência e ela uma confirmação. Mas rompi as barreiras de admiração.
Percebo quanto nos auto-limitamos pela forma como construímos o mundo à nossa volta. Somos todos seres humanos. Feitos do mesmo sangue e alimentados pelas mesmas emoções. Não existe diferença entre o escritor e o leitor, o que viaja e o que fica. As barreiras construidas são nossas. Não do mundo que nos envolve. Tal como qualquer outra, assim que as destrois encontras um enorme - mas natural - percurso à tua frente...

História de uma foto: O sofá


“Psst... hey... tu aí... Sim tu! Aquele que se passeia pelas nossas ruas. Pára um pouco. Sei que não sou uma atracção, mas pára uns segundos... Viajar não é só ver os belos monumentos e andar pelas ruas limpas e turisticas... por vezes tens de parar e ver o que de belo existe no resto...
Hey... não olhes assim para mim... não sou apenas um velho sofá deitado fora... por mim passaram vidas, risos e sonhos. Ouvi o sussurrar dos adultos e dei conforto depois de um dia passado no mercado. Dei felicidade a quem se sentou aqui...
Quando ouvi a primeira palavra sobre um novo sofá estremeci... até soltei uma mola... mas percebi que tudo na vida tem um fim... e o meu não é mau. Olha à minha volta...vista para o lago... o verde... e a vida que se passei na outra margem... gozo o descanso da minha reforma enquanto os elementos da natureza me levam... aos poucos... até que não seja mais que uma simples memória na tua fotografia”