Gosto da minha coerência. Volvidos
quinze dias desde que descobri que treking não era para mim e aqui
estava eu de botas calçadas e mochila nas costas para mais um. Antes
de tomar a decisão, enchi a pessoa da agência com perguntas: “é
muito difícil?”, “quantas horas a andar?”. “que nível de
dificuldade?”. “e a paisagem? Que tipo é?” Ele, com uma
paciência própria daqui, respondia-me a todas e apaziguava a minha
alma. Na realidade não tinha alternativa. Decidi Luang Nam Tha –
uma pequena vila no norte de Laos – por causa do trek, e apenas
queria uma confirmação de que não cometera um erro.
Dia 1
O primeiro dia começa no mercado.
Enquanto nos passeavamos pelas bancadas de frutas, insectos e outras
coisas que não conseguiamos identificar, os nossos guias compravam o
almoço. Como qualquer bom mercado, cada passo era preenchido por
cheiros e sons que quase nos tocavam fisicamente.
Após este momento de pausa, seguimos
numa minivan para o início do trek. Uma estrada de terra que corta
as belas montanhas da região. O verde e vermelho são as cores
dominantes. Uma floresta, que há muito sonhava visitar,
desenvolvia-se à minha frente. A minha idade fez com que crescesse a
ver os filmes de guerra do Vietnam. Agora teria a oportunidade de
viver o tipo de paisagem que tanto imaginei.
Mas antes tinha um dia de caminhada.
Este primeiro serviu para atingir a aldeia onde pernoitavamos. Pelo
caminho ficaram as imagens das queimadas, o almoço no meio da
floresta e a vista ampla da floresta. Quando chegamos ao destino
final, todos tinhamos um sorriso de quem passara um excelente dia.
Aldeia
E a aldeia foi a conquista mais difícil
do treking. Apesar dos sorrisos amigáveis, nós eramos uns estranhos
que iam passar uma noite ali. Uma simpatia envergonhada como cartão
de visita. Por outro lado, a aldeia étnica era uma aldeia “viva”.
Cheia de antenas de satélite, motos por baixo da casa e utênsilios
modernos.
Mas este início pouco auspecioso
tornou-se numa experiência única. Esta era uma aldeia real. Não
daquelas onde tudo é mantido para condizer as expetativas dos
turistas. O mundo desenvolveu-se e a tecnologia chegou a todo o lado.
Aqui, em vez de transformar o modo de vida, fundiu-se com ele. Com o
tempo, a vergonha foi diminuindo e desapareceu por completo quando
partilhámos uma noite de lua cheia à volta de um mágico pote de
lao-lao. Envolvidos pelos risos da boa disposição.
Dia 2
De manhã estavam a avisar: “em breve
vamos começar...” As nuvens prometeram e cumpriram. Apenas tivemos
tempo suficiente para entrar na selva densa. Um conjunto verde que
tudo preenche e luta por cada espaço livre. O trek mal se vê, e
esta é uma altura em que ter um guia é a escolha acertada.
“coloquem os impermeaveis!” avisa-nos com a antecedência de 5
minutos. Sabedoria de quem conhece o clima como um bom amigo. Mas os
impermeáveis pouco podiam fazer. A luta estava perdida desde inicio.
Pouco tempo depois eu era um pingo de agua.
Altura de andar e escorregar. Cair e
levantar. O castanho da terra cobria tudo, mas a água limpava-lhe o
rasto. Percebia quão difícil se torna o terreno nestas condições.
Uma luta por equilibrio e por avançar uns metros. Mas a cada
descoberto, uma paisagem que nos roubava o folêgo. Era uma
experiência completa. Chama-se rainy forest por bom motivo. Existe
algo na chuva que a torna ainda mais bela.
Atravessamos um riacho para chegar a um
abrigo de bambu. Perdido no meio da floresta. Sitio perfeito para
retemperar as energias e almoçar. Por entre pingos, as nossas mãos
lançam-se ao sticky rice e acompanhamentos. A raiz de bambu num
molho picante fica divinal.
Com a refeição tomada, reparo que
parte do meu impermeavel está vermelho. Mmmm... acho que sei o que é
e verifico o meu braço para ter a certeza. Nada. Oh... espera... o
fim das minhas calças também estão vermelhas. Arregaço-as e...
uma gorda sanguessuga passeava-se pelas meias. O guia rapidamente
retira-a de mim. Eu sinto-me violado. Bebe o meu sangue e eu nem
sinto nada. Nem uma picada para dizer “hey estou aqui e vou-me
alimentar um pouco de ti”.
Com isto, inicia-se a segunda etapa do
trek: um jogo de fuga às sanguessugas. É impressionante a
velocidade com que elas se movimentam e nos assaltam. Mas as
adversidades servem para criar um espirito de camaradagem e no final
eramos sobreviventes de uma luta desigual.
A última parte do trek foi feito sem
chuva, nem sanguessugas. Percorremos um ribeiro até à aldeia.
Passamos por locais que pareciam nos levar ao paraíso, tal era a
beleza do verde que nos envolvia. Chegados à aldeia os nossos pés
pediam liberdade. Largamos as botas encharcadas e calçamos os flip
flops.
Mas a chuva ainda tinha feito alguns
danos, e a nossa carrinha estava umas centenas de metros mais à
frente. Altura de enfrentar o lamaçal. Algo que uns flip-flops de
algibeira não aguentaram. Ainda bem. Deram-me assim a oportunidade
de saborear com os meus pés o paladar desta terra vermelha...
Gosto da minha coerência. É ela que
me transporta para a próxima experiência. Uma decisão só a é, se
puder ser contrariada. Fiquei contente que, volvido 15 dias de ter
decidido que trekking não era para mim, ali estava eu, com os pés
na lama e feliz pelos dois dias que passara a caminhar...
aiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii, sanguessugas!!!!
ReplyDeletelololol elas tb não são assim tão más... apenas são tipo party crashers... aparecem sem convite e sem avisar :D
ReplyDeletebjs
João