E por vezes a viagem tem um ritmo
próprio que nos ultrapassa. Cada um altera a sensação do local que
visitamos. O norte da Tailândia foi feito a três tempos. Cada
deu-me uma emoção própria e pintou com diferentes traços a minha
viagem.
Andante - Ayuthaya
Foi quase uma resposta a um desafio. No
dia que cheguei, no meio de uma conversa ouvi: “Ayuthaya é
impossível de ser feito a pé”. A minha forretice e curiosidade
levou-me a abandonar a ideia de alugar uma bicicleta e decidi ir a pé
visitar esta bela cidade-templo. A geografia ajudava-me. Esta vila
turistica é plana e está no meio do rio, numa ilha natural.
E se os templos, meios degradados - mas
turisticamente preparados - são a grande atracção, descobri que é
o sorriso das pessoas e os pequenos pormenores da vida rotineira que
me davam maior gozo. Em vez de uma rápida evolução entre locais,
via os contornos dos templos transformarem-se em árvores floridas.
Estas transmutavam-se em ruas estreitas, casas de madeira e becos,
para de novo serem alargadas nas avenidas. Aqui os traços eram
largos e o ritmo próprio de uma artéria principal. De novo
esbatem-se noutro templo centenário. Sigo essas linhas para a
confusão pacífica de uma parte citadina do outro lado do rio.
Sigo ao meu ritmo. Um andante muito
andante... por vezes com toques de adagio sempre que o calor me rouba
o folgo. Mas quando uma vendedora me dá as indicações para o meu
novo destino, o meu ritmo acelera um pouco. Passa para um allegro,
enquanto tentamos comunicar e eu aprendo umas palavras de tailandês.
Despeço-me com um sorriso que devolve os que estou a receber.
De novo sozinho, de novo andante.
Continuo a seguir os traços desta cidade. E após atravessarem o
rio, transformam-se em dourados... pelos telhados do templo e pelo
pôr de sol que, ao mesmo ritmo do meu, se vai escondendo por detrás
da paisagem.
Gravissimo - Chiang Mai
E por vezes o ritmo é tão lento que
parece parado. Foi desta forma que eu vi a capital turistica do norte
da Tailândia. Uma pequena cidade, constituida por imensos Wats e um
impecável centro histórico. À excepção do templo no topo do
monte tudo foi feito em modo stand still. Passeiei-me sem pressas
pelo night market e pelos seus templos.
A maior parte do tempo estive parado.
Resolvi ficar uns tempos a escrever alguns artigos e foi das
esplanadas que vi esta cidade. Da que fica junto à porta da cidade
velha, via o trânsito fluir. Os turistas passavam à minha frente,
e, de vez em quando, via um ou outro nativo com o tradicional chapéu
chinês. Daqui guardo a memória de um mendigo que me cravou uns
cigarros. De tez morena, por um sol que não perdoa, e numa t-shirt e
calções usados, pediu-me de forma simpática um cigarro. Algo que
nunca recuso. E depois dinheiro. Algo que nunca ofereço. Nos dias
seguintes sempre a mesma rotina, acompanhada de sorrisos
companheiros. Eu ia para as minhas letras, ele seguia o seu
peditório.
Da outra esplanada, mais no centro da
cidade – a meio caminho entre a porta e o Wat principal – as
vozes eram mais internacionais. Gosto de perceber a pose dos turistas
e a forma como interagem com o que os rodeia. Uns trazem o sorriso de
quem tem prazer na viagem. Outros a indiferença e arrogância de
quem pica um ponto na sua to-do list. Por detrás, os empregados
seguem a sua dança de encomendas e pausas. Depois de algum tempo
cria-se uma cumplicidade própria. Sinto-me em casa, e eles fazem-me
sentir dessa forma. Umas conversas, pequenas, reforçam essa partilha
e sinto -me seguro por aqui...
Presto - Chiang Rai
Uma noite apenas. Esta foi a minha
Chiang Rai. O ritmo foi elevado. Um belo pôr de sol por detrás de
um templo. A vontade de encontrar um local para pernoitar. Uma saída
rápida para o night market. Cheio de cor do artesanato vendido, som
das músicas nas bancas dos DVD's e cheiro das comidas. Tudo me
acompanhava. Queria apanhar tudo. Os sons, as casas e avenidas. Os
risos e rostos. Estive apenas umas horas. Muito pouco para descrever
algo. Mas esta foi uma cidade mais real e mais viva que as outras. No
dia seguinte, enquanto abandonava a cidade, o meu coração ainda
seguia o mesmo ritmo. Tão diferente dos outros que tinha sentido
pelo norte deste país.
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