Sunday, March 4, 2012

Bundi, um dia perfeito


Gosto de coincidências. Como quando descobri que o gentil homem que me aborda é Kukki.  Era minha missão encontra-lo. E aí estava ele a encontrar-me. Kukki é um arqueologista, boa pessoa e com disponibilidade para fazer uma tour pessoal pela regiões circundantes a Bundi. Uma excelente oportunidade de conhecer um lado tantas vezes vedado a um viajante como eu.

Conversa puxa conversa, e o meu dia de escrita é transformado em tour pelo countryside. Quando dou por mim já estou em cima da sua mota, a passear pelas radicais ruas indianas. Primeiro tenho de ir à estação de comboio comprar o meu bilhete de ida para Agra. Depois de uma paragem obrigatória na lateral da estrada por causa de um fitipaldi indiano, lá estavamos nós na estação.

O que parecia ser complicado, passa a ser simples – estava a espera de uma longa fila e muita confusão e encontro um balcão com duas pessoas à minha frente. E o que parecia simples transforma-se em complicado – demorou uma eternidade até chegar a minha vez, para descobrir que tenho de preencher um papel de reserva, para voltar à fila e aí poder comprar o meu bilhete. E com ele na mão partia descansado descansado.

O primeiro caminho é feito pelos campos agrícolas. Com um verde que muda consoante a colheita, mas que sempre transpira uma cor viva. Tendo vindo de zonas mais desérticas, estou mais sensível a esta imagem, e toda a região parece um pequeno paraíso. Paramos na primeira povoação, para tomar um Chai. Kukki cumprimenta todos com uma simpatia que parece contagiar toda a gente.
Todos saudam-me gentilmente, algo que tento replicar o melhor que posso. Apesar de não saber falar Hindi, fazem-me sentir como estando num grupo de amigos.

O sítio é destinado para pequenas paragens em viagem. Temos as bancadas de chai, mercearias e uma ou outra oficina mas mais nada. Mal tinha começado esta minha observação e já o dono do estabelecimento me dava uma chamuça para a mão, entregue num pedaço de jornal. Aceito de bom agrado e curioso para experimenta-la. Levo o primeira trinca à boca e esta reage de imediato. Sinto a picada rápida do picante. Tento ajeitar o melhor que sei a comida, como isso pudesse minimizar o picante. E lá para o final, entre sopros e narinas dilatadas – descobri que o meu ponto de tolerância é o de um nariz a pingar – confesso a Kukki: “hot... spicy...” Ao que ele replica, para meu espanto: “also for me”. Sorriu de alívio. Afinal 2 meses na India, já me deram alguma tolerância ao picante. Ele “refila” simpaticamente para o dono e sem dar conta já tenho uma nova chamuça na mão, desta vez com molho curdo – yogurte – que apazigua a minha boca. Termino a refeição com um clássico chai e muito sorrisos.

Com o estomago satisfeito, partimos. A próxima paragem é a casa do seu “irmão” mais velho. Irmão por amizade e convivência. Uma oportunidade para conhecer uma casa tipica do Rajastão. E aqui a experiência começa a ser mágica. Este povo tem uma simpatia que não te deixa indiferente. Torno-me modelo de turbante e fotografo-a-tentar-ser-profissional. Quando dou conta, já estou no pátio interior, que liga as divisões da casa, rodeado de crianças e adultos curiosos e satisfeitos por estar ali. Tento o máximo que posso para tirar boas fotografias, e cada vez que as mostro um coro infantil de risos e comentários junta-se à minha volta. Agradecem-me e eu agradeço. Lá fora vejo Kukki a sorrir para mim e a conversar com o seu “irmão”. O tempo passa entre sorrisos e timidez, entre comunicação gestual e rodas alegres de crianças. As “mães” estão tão bem dispostas como as crianças e parecem guardar entre-rugas uma jovialidade que refresca a alma e me recorda dos meus avôs.

Retemperado por este momento, partimos para visitar um templo, vida selvagem e um rio. Pelo caminho paragem para comprar fruta e visitar uma plantação. Coisas simples que dão outra cor a uma viagem. Lá chegados, o espanto não é só meu mas também de Kukki. Nas margens do rio – que nesta epoca é um conjunto de grandes poças – estão cerca de trinta pessoas. Aldeões nomádicos que estão a colher “water fruits”. Uma vez mais, a minha camara capta a atenção das pessoas e dou por mim a tentar apanhar o melhor que posso a beleza do momento. Este tocou-me especialmente. Não sei se foi a simplicidade do estilo de vida, a beleza do lugar, ou a simpatia envergonhada com que me abordavam, mas algo me prendeu aquele local. Pelo meio, e porque estava a ser um dia de sorte, um espetaculo de vida selvagem, com muitos passaros a pintarem o céu e árvores. Antes de partir, uma visita ao belo pequeno templo.

De novo na estrada, a paisagem muda radicalmente. O verde transforma-se em amarelo arido e rochoso. Pelo caminho fazemos mais umas paragens fotográficas – onde sou de novo recebido com uma simpatia desarmante – e outras obrigatórias pelo tráfico intenso de... gado. Aqui estamos dentro da India rural. Nas estradas rectilineas até perder de vista competem motas, camiões, tratores, vacas, cabras e ovelhas pelo pequeno espaço asfaltado. Tudo convivendo com naturalidade. O passado e o presente misturam-se e transformam-se na India que gostamos de conhecer. Acabamos por fazer mais uma pausa numa aldeia. Tempo para chai e pakora – fritos que retemperam a alma. E tal como na primeira paragem, sou adoptado por todos os membros do estabelecimento. O tempo desliza entre sorrisos, sentado nos bancos de pedra, e sobre a sombra de um telhado de palha.

E dentro desta doce melancolia, sigo para visitar as descobertas de Kukki: pinturas rupestres que abundam nesta região e que são um tesouro precioso que Kukki tenta manter. O cenário onde se encontram é belo: um rio que escorre entre as pedras arredondadas, pouso de vida selvagem. Pelas palavras entusiasmadas de Kukki, passeio-me pela pre-história e os momentos de descoberta até chegar ao difícil presente da manutenção deste espaço. Por aqui existem muitas minas ilegais, que dão sustento a familias e pedras a casas por este mundo fora. Parto com o desejo não confesso, de que o sítio sobreviva para outros terem o mesmo prazer que tive. Mas com a dúvida que tal seja possível.

Por esta altura o tempo voava e o Sol descia demasiado rápido. Altura para chegarmos ao ultimo destino. Uma aldeia típica da região. Kukki surra-me entre palavras que é constituída pelas pessoas mais humildes que conheço. Preparo a alma e coração, para o encontro. E vejo as suas palavras transformarem-se em realidade, por uma oferta de chai, os sorrisos de crianças e o convite a entrar dentro de uma casa. No meio a mesma alegria que tinha encontrado ao longo desta minha viagem. Uma existência cheia de coisas simples mas profundas, que parece guardar a essência do ser humano melhor que qualquer outra coisa.

Sinto-me esmagado, mas ainda com tempo para ser ouvido pelos deuses. Entre a viagem, Kukki pede a Deus que nos mostre “a little of wild life” e logo de seguida, para nosso espanto uma lebre cruza a estrada. Sem dúvida um sinal que Deus estava a ouvi-lo. Ele faz questão de agradecer efusivamente. Ainda paramos uma vez mais, para termos um vislumbre de uma catarata que parece desaguar num paraiso perdido. Uma maneira perfeita de completar o dia em que fazia 3 meses de viagem. 

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