Thursday, March 8, 2012

Perolas da India


Deixar o melhor para o fim. Um conselho que segui religiosamente. Exitiam três locais que queria ver acima de tudo: Agra, Varanasi e Khajuraho. Estes eram as pérolas da India. E tinha motivo para tal ansiedade. São simplesmente divinais. Cada um por motivo diferente, mas todas são estrelas num firmamento carregado de sonhos.

Varanasi

Não pede desculpa. Entra em ti e viola-te os sentidos. Inunda-te de sons, cheiros e movimentos. No primeiro momento ficas paralisado. É muito. Quase sentes que é demais. Aqui tens tudo o que a vida é. Sem desculpa, nem falinhas mansas. É cru, violento e agressivo. Mas também muito belo.

Foi uma das últimas cidades que visitei na India. Por esta altura estava habituado ao movimento. Quando atravessei a rua da estação de comboios fi-lo de forma indiana: sem pausa e com a mão a orientar o espaço por onde consegues passar. Não me assustou, mas foi intenso. Sentia que tinham comprimido a India naquele “pequeno” espaço.

Mais do que qualquer outro sitio, Varanasi põe a nu o que a India tem de negativo. O lixo, o hustle-hustle e os encontrões. Mas também projeta tudo o que este país tem de bom. A simpatia, a diversidade humana, a beleza cénica. E não podes escolher. Aqui tudo te é entregue numa moeda de uma face. E cada zona da cidade tem a sua beleza.

As ruas principais e “amplas” trazem-te o movimento e o dinamismo do caos. Obrigam-te a apurar os sentidos e dá-te uma beleza de olhares, roupas ou conversas amistosas. Podes ter a certeza que até com o volume no máximo do teu ipod ouves e sentes a buzina. Tu não entras nesta realidade, é ela que entra em ti.

E do meio desta confusão vais para... outra confusão. Esta é feita de ruas estreitas. As que te guiam aos Ghats. É um óptimo local para passeares a imaginação. E entre os corpos que são levados para o crematório, as pequenas lojas de deliciosos Lassis ou becos pouco iluminados, encontras o que te apetece. Em qualquer sitio encontrarás a atmosfera de um bom filme de espiões ou  locais de contos de fadas.

Mas é nos Ghats que Varanasi se materializa. Por aqui tens a vida. É o curso mais intensivo de humanidade. E a beleza da mesma não é perfeita. É cheia de defeitos e chatices. Mas, tal como na vida, é a tua actitude que determina a tua experiência. Olhas para o imperfeito e negativo e Varanasi é um monstro que te consome. Olhas para os sorrisos e as cores, e não consegues deixar-te flutuar por um mundo de pequenos sonhos e conquistas, de uniões e amores.

Varanasi é muito mais que uma cidade, é uma humanidade que se comprime e agita, te toca e te violenta, mas nunca, por mais que queiras, te pedirá desculpa...

Taj Mahal

Só existe uma coisa mais difícil que descrever um pôr de sol: descrever o Taj Mahal. Por mais que puxes pela imaginação, acabarás com palavras que alguém já escreveu ou com imagens que alguém já fotografou. Mas nas duas situações – pôr de sol e Taj Mahal – eles contêm uma beleza que ultrapassa todos os cliches.

O Taj Mahal é uma emoção. Ele não é belo pela sua simetria, pela sua pureza branca ou pela sua bela e triste história. A sua beleza aparece pelo sentes. Ele toca-te. Mexe-te por dentro, apesar de ser um conjunto de pedras e dois corpos. Tem um magnetismo que consome tudo à sua volta. Passeias-te pelos seus belos jardins e os teus olhos prendem-se ao Taj. Sentas-te à sua beira, e mesmo com todo o movimento que os turistas trazem, estes são pinceladas criadas para sobressair o monumento.

Não sei quem era o maior romântico. Quem mandou construir ou quem construiu. Mas sei que todos os permitiram o Taj existir, são os maiores construtores da humanidade. Conseguiram aquilo que qualquer escritor luta sem sucesso por fazer: materializar uma emoção.


Khajuraho

E Khajuraho foi... diferente do que esperava. Desde que soube dos templos do Kama Sutra - como são apelidados - que tinha curiosidade em os ver. Acho fascinante, e um pouco trágico, como uma sociedade depois de passar por uma fase tão liberal se tenha transformado Tanto. Hoje as pessoas nem se sentem à vontade para passear de mãos dadas na rua. Esperava que estes monumentos conseguissem-me transmitir algo impossível quando falamos de evolução tecnológica: olhar para um passado mais avançado que o nosso.

Neste sentido, esta pequena vila indiana tinha como propósito terminar o caminho das três pérolas. Mas, e como estou na India, tudo foi muito diferente do que esperava. A começar pela vila. A saudar-me encontrei amplas avenidas, rotundas limpas e ajerdinadas. É certo que o hustle-hustle junto ao templo ainda nos recorda de que país estamos a falar, mas foi como me encontrasse num espaço a meio caminho entre a India e a Europa.

Também foi diferente porque tive a oportunidade de ver ums outra Khajuraho. Entregue pelas mãos de Abid (ou Michael para os turistas) e Hassan. Conheci Michael numa troca de palavras sobre um lenço. Tinha acabado de chegar e esperava que o meu quarto ficasse pronto. Depois, bem, depois palavra puxa palavra e Michael levou-me a conhecer um belo local para um pôr-de-sol nas montanhas. Guiou-me a uma pequena aldeia e templos.  E mostrou-me uma escola constituida por voluntariado e que ajuda as pessoas mais pobres da aldeia. Conheci os melhores locais para comer e mais que tudo tive acesso à gentileza das pessoas e à sua simpatia que me permitiu participar numa vida tantas vezes fechada a quem é de fora.

Foi também foi com ele que conheci Hassan. Um electricista, dono de uma loja de reparação de electrónica. Mais que tudo um senhor de coração generoso e sorriso cativante. Passado umas horas já me convidava para almoçar no próximo dia na sua casa. Algo que aceitei com todo o agrado.

Quando cheguei à pequena aldeia a 4 quilometros de Khajuraho, a palavra turismo tinha ficado bem para trás. Aqui estava num sitio feito de indianos para indianos. Cheguei de mota à sua humilde e generosa casa. Insiste em me pedir desculpa por a casa ser pequena, pouco maior que 15 mt2, algo que não concordo. Uma casa é do tamanho do coração das pessoas que a habitam, e esta, com Hassan e a sua familia, foi uma das maiores que já estive. Passei o tempo a brincar com as crianças, ou dito de outra forma com os meus pares, e a admirar esta pequena casa, que me recordava da casa da minha avó. As paredes de estuque, os sorrisos à refeição e o cheiro de comida cozinhada à lareira era-me muito familiar. Foi um momento muito especial que guardarei no meu coração.

Hassan ainda me leva a fazer um pouco de sightseeing, guiando-me até um templo hindu no topo da colina da sua aldeia. Daqui tive uma bela vista sobre toda a região. Uma ampla planicie verde, cortada por cordilheiras de pequenas montanhas. Daqui, as torres que se elevam de Khajuraho parecem as de uma cidade perdida no meio da selva.

E depois disto, pensava que pouco mais me restava para fazer em Khajuraho. Heis que Michael me surpreende com a pergunta: “já foste a um casamento indiano?” Parecia que lia os meus pensamentos, pouco me faltava para fazer e isto era uma dessas coisas. Já tinha desistido. Tratava-se de um casamento muçulmano, algo que é impossível de saber numa primeira impressão. Quando cheguei a casa do noivo - maquilhado de vermelho e com as mãos pintadas de hena - foi a alegria e generosidade que encontrei. Recebi de imediato um pacote de doces e fui introduzido à familia.

 Todos me saudavam e faziam questão que assistisse de perto à entrega de presentes ao noivo. Por entre um batalhão de fotografos e curiosos, via a familia da noiva entregar o enchoval a um noivo sorridente. Fui para fora, e depois de algum tempo, chegava o momento principal desta etapa do casamento: o montar do cavalo que levaria o noivo para o local de celebração. O cavalo era multi-colorido com fitas que me recordavam as das árvores de Natal. E apesar do cavalo apresentar algum temperamento, em pouco tempo o noivo - agora também coberto das mesmas fitas - já se encontrava no cavalo, e a procissão podia seguir. Isto significava que as quatro megas colunas na carrinha poderiam começar a funcionar. As pessoas seguiriam ao ritmo de festa, e numa atmosfera que parecia uma rave. Tudo possível com um gerador ambulante. Era altura de voltar ao hotel. Faltavam alguns minutos para fechar as portas e por esta altura já sentia que a festa não era minha.

Ah... é verdade... quase me esquecia. Ainda tive tempo para comtemplar os maravilhosos templos de Khajuraho. Os do Western Group, são os mais conhecidos e bem preservados. O espaço fechado é quase paradisiaco como os seus amplos jardins relvados. Um espaço para saborear cada momento e que te levanta a questão: como chegamos a este ponto? Mas por esta altura estes já eram um pormenor em Khajuraho. Graças a Michael e seus amigos conheci uma Khajuraho como só a India consegue criar: um local turistico e não-turistico embrulhado da mesma realidade.

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