Thursday, March 1, 2012

Rajastão


A India para muitos é Rajastão e arredores. Num pequeno espaço, consegues apanhar uma variedade difícil de igualar noutra região da India. Numa sociedade com pouco tempo disponível, este acaba por ser o local da India mais conhecido. Após um mês mágico no Sul, estava curioso para descobrir-lo. Tinha receio que acabasse por achar demasiado comercial. Mas como em tudo na India, acaba por ficar surpreendido e trazer algo que não estava à espera.

Udaipur

Todos temos no nosso passado uma aldeia. Retornem agora à mesma e imaginem-se a passear pelas pequenas ruas que ela tem. Dessa forma conseguem sentir um pouco o que é estar no meio de Udaipur. Uma cidade cheia dessas pequenas ruas e átrios. Uma sensação de aldeia, mas uma que parece não terminar. Tem um flavour mourisco, muitos cabos e cores. Tem vacas e pedintes. E tem um magnífico lago. Nas suas margens, restaurantes, hotéis e um excelente palácio. Daqueles que nos levam o ar e o tempo. Digno de histórias de encantar, acabas por te perder nas multiplas salas e átrios. Em todas, um gosto muito rico pelo ornamento. Desejas que tudo fosse assim. Acabas a visita por ser esmagado pela vista sobre o lago de um lado e sobre a cidade do outro. Uma cidade composta pelos azuis, cor-de-rosas e brancos dos seus prédios.

Mas Udaipur é colorida pela simpatia dos seus habitantes. Tens a pressão dos vendedores, como em qualquer outro local indiano. Mas o que é uma potencial venda, transforma-se numa boa conversa e conheces um pouco mais as pessoas. Uma troca, não de mercadoria, mas de momentos. E até o impensável acontece, quando o dono de uma loja me confidencia o local onde existe o mercado com os preços mais baratos. Um utilizado pelos indianos e alguns turistas mais curiosos. Aqui não apenas os preços são diferente, como as próprias regras. Em vez de negociação encontras preços marcados. Uma lufada de ar fresco para quem não tem gosto, ou arte, na negociação. Livre de agitação, acabas por te perder a ver o que comprar. No meu caso, uma manta, uma sweat, calças de fato treino, luvas e gorro. Numa palete de cores que nunca antes eu imaginaria utilizar, mas que acabei por gostar.

Jodhpur

Jodhpur apareceu com uma nota musical. Esta estava destinada a entrar na minha visita à cidade azul e a transforma-la em momentos mágicos. Começou logo que cheguei. Vim num bus de Udaipur, e fomos deixados num local em que apenas existiam rickshaws. No meio da confusão, lá sou guiado a um. Mais uma pessoa ia para o mesmo Haveli (uma mansão transformada em Guesthouse) e acabamos por partilhar o rickshaw. Descubro no meio de apresentações que é cantora e muito simpática.

Jodphur é mágica. As suas ruas estreitas e serpenteadas levam-nos para um local próprio de contos. O azul é dominante, ou não fosse este o seu nome. A supervisionar todo este emaranhado de vida está o forte, imponente e belo. O primeiro dia fui directo a ele. Quase que por atracção. Pelo caminho, a India que nos habituamos a ouvir falar. Crianças que nos abordam, vacas que se passeiam, belas mulheres em saris coloridos e um sorriso em cada rosto.

Entrei por uma das portas. Não sendo a principal, tudo estava calmo. És transportado para uma época medieval. Todo o complexo é feito de rocha. Nas muralhas, o sandstone vermelho domina reflectindo o Sol de uma forma magnifica. Decido segui-las. Erguem-se rapidamente e permitem uma bela panorâmica da cidade. Lá em baixo o azul é apenas irrompido pelo branco das torres dos templos, e o vermelho da clock tower. Ao longe é possível ver o palácio que os Rajas utilizavam no tempo das Monções. Depois deste momento, decido seguir a estrada que dá entrada ao complexo. Antes da entrada vejo uma familia de músicos de rua. Deixo-me estar. Assim que começa a tocar a sua guitarra indiana tudo muda. A sua voz, e da sua mulher, são perfeitas e hipnotizantes. Fundem-se com o cenário à sua volta. Com o aspecto medieval do forte, com a beleza azul dos tectos da cidade, ou com o aspecto árido das montanhas que envolvem Jodhpur.

O complexo do forte acabou por ser visto no dia seguinte. E enquanto admiro o rendilhado das paredes deste forte começo a ouvir um batido de tambores. Depois uma flauta e quando dou conta já estou à beira dos músicos. E a magia acontece quando uma foto colectiva transforma-se numa dança indiana. O momento é único. Sinto-me maravilhado pela forma ondulante com que dançam. E aqueles minutos dão uma beleza a um espaço já de si belo. Lá dentro podemos ver a riqueza de palácio. As várias armas e carruagens. Podemos ficar horas a admirar os pátios interiores. Mas foi o momento musical que transformou tudo. Gosto como é universal e como sempre traz um sorriso a quem ouve. Foi um momento real e belo.

Acabo por decidir perder-me nas ruas. Cheias de comércio, vida e cores. Não tinha um objectivo que não fosse caminhar. Também não precisava. São ruas cheias de pormenores, transformando-se num highlight por direito próprio desta cidade. E encontramos tudo pelas ruas cobertas de fios. A pequena mercearia, a oficina de bicicletas, o vendedor de comida, ou o fazedor de colares de flores. No seu meio o transito parece ter um ritmo variado e próprio. Ora  imergindo-te em motas e rickshaws, ora deixando a rua deserta para tu caminhares.

Khuri

Cheguei a esta pequena aldei pelo conselho e companhia de Hannah. Eu queria uma pequena aldeia para ficar uns dias e ela tinha a sugestão perfeita. Sem hesitação coloquei este local no meu itinerário. Após uma viagem duma hora num típico bus lotado - em que dois lugares são na realidade três - e com tempo para uma criança curiosa, chegamos a esta aldeia.

Khuri apresenta-se como uma cidade resort. Muitas renovações e guesthouse por cada habitação. No entanto consoante nos aproximamos da casa do nosso gentil anfitrião, começamos a abandonar o feeling de resort e a entrar no ambiente de aldeia. As cabras e vacas são mais numerosas que os aldeões e o ritmo tem um ritmo doce de esquecimento. Com a casa apresentada, um complexo constituido por alguns quartos e três desert huts (barracas de tijolo, lama e caidadas em branco). A decisão foi obvia: fico numa hut. Temos a sensação de não precisarmos de mais nada que uma cama e um telhado.

Mas se o local já é atracção suficiente, é o deserto que nos chama. Nunca tinha entrado no deserto. Já me tinha cruzado com ele no Egipto, mas não o cheguei a conhecer pessoalmente. E seguindo a estrada que segue à duna encontrei-o. E entrava na magia das dunas sedosas. As cores e as formas ondulantes das dunas encantam e hipnotizam. Mas é a sensação de abandono que te agarra. Aqui não tens nada, e por isso é tão fascinante. Podes-te concentrar na tua existência. Tudo o que é civilização fica para trás e tens apenas um céu azul, e os tons de amarelos à tua frente.

É dificil captar a beleza do deserto por palavras. Porque a beleza está na ausência.de elementos. Está no silêncio apenas interrompido pelo som de camelos trazido pelo vento. Na não existência de vegetação, à excepção de uma árvore, que pelo seu isolamente se torna belo. Ou por um sol, que quando desaparece, se transforma e muda as cores do cenário à tua volta.

O deserto aqui não é o do sahara, mas um constituido por dunas  e terrenos áridos. Passas entre a “savana” e deserto do sahara a uma distância de casa. Mas é o local inóspito que nos habituamos a associar à palavra deserto. E ele tem o condão de apurar os teus sentidos. E de valorizar o belo no pouco que tens. Viver em khuri é uma experiência minimalista. Sem muito, valorizas a comida, a companhia e a paisagem pelo belo e significante que tem. Abandonas o superficial e tornas valioso as pequenas e mais importantes coisas da vida.

Jaisalmer-Pushkar-Bundi

Acabei a semana num ritmo acelerado. Com pouco mais do que dois dias por cada sitio, sinto que apenas vi um vislumbre destes três locais. Mas não deixou de ser intenso.

Se Jodhpur é a cidade azul, esta será a contra-parte amarela. Um amarelo de deserto que nos mostra a sua função. Hoje Jaisalmer é um posto turístico que serve de passagem para os safaris no deserto. Apesar deste aspecto, ela mantem uma beleza arida e agitada que a torna única. É certo que assim que colocas o pé fora do autocarro, és levado por uma maré de solicitações, que só termina quando voltas a sair. Mas saindo fora desse “drama” indiano, acabas por encontrar as ruas estreitas e esguias, os belos Havellis ou um daqueles fortes em que dá prazer te perderes. E para lá das lojas turísticas existem os jogos tradicionais, os sorrisos afáveis e as conversas espontâneas que te recordam da verdadeira natureza da India.

Pushkar continua turistica, mas bem mais calma. É uma pequena vila religiosa. Ao seu centro um lago sagrado, onde muitas pessoas se banham ou lavam as suas roupas. Turistas passeiam-se enquanto crianças dão de comer a milhares de pombos. As suas danças aéreas, sempre que alguém passa pelos pombos a correr, dá um belo cenário para a música que estiveres a ouvir. Para lá do lago, existe o mercado. Demasiado tentador para não comprares algo que não sabias que precisavas.  A envolver toda esta vila as montanhas, que dão o toque mágico a todo o cenário. E apesar de ser um belo palco para tu estares, Pushkar foi um palco diferente para mim. Acabei por ir a um concerto de músicos tradicionais do Rajastão. E não existem palavras para o descrever. Tocado numa pequena sala preparada especialmente para esta ocasião - dentro de um complexo religioso - foram momentos que apenas a música permite-te chegar. No final, um sorriso de orelha a orelha e um extase que transforma tudo à nossa volta. Pushkar ficou mais belo depois deste concerto, e ainda com a música na minha cabeça, nada melhor que terminar a visita a ver o pôr de Sol no topo de uma das suas montanhas.

E depois apareceu aquele sitio que qualquer pessoa tem de ir quando passa pelo Rajastão. Falo de Bundi. Essa vila que te recebe com um sorriso aldeão, e um abraço generoso. Se o forte que desce sobre a vila te rouba o primeiro sorriso. Se as ruas estreitas e medievais te deixam os teus olhos a brilhar. São as pessoas que te roubam o coração. São genuínas. São belas. São de uma humildade que te contagia e te permite crescer como ser humano. Talvez, como nenhum outro sítio, este guarda o que de melhor o Rajastão tem para oferecer. Tens o forte, o comércio, a confusão, o cenário desertico ou o verde luxuriante numa pequena distância. E a tecer todos estes cenários tens as almas coloridas das pessoas que se refletem no olhar, nos sorrisos e no brilho dos saris. Bundi foi sem dúvida a melhor forma de me despedir deste estado.

O Rajastão é a India que melhor conhecemos. Estava curioso para saber porquê. Depois de ter passado algum tempo entendo a razão. Num só estado tens uma imensidão de paisagens e emoções. De certa forma acaba por ser o estado que melhor consegue transmitir o que a India tem para oferecer. No entanto, como tudo na India, o Rajastão é isto e o seu contrário. É também um lugar genuíno e com caracteristicas que não encontras em mais lado algum. E é isto que mais seduz neste tão belo Estado indiano. 

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