Monday, February 13, 2012

Uma viagem de comboio


Foi com um enorme sorriso que recebi o bilhete. O mesmo que levei comigo para a estação de comboio de Chennai – Chennai Central. E apesar de não ser linda, tem a beleza própria destes locais: a das viagens e movimento. Das despedidas, abraços de chegada e pressa para chegar ao destino. Sinto sempre um nervoso miudinho quando estou para sair. Um nervoso que ia sendo consumido pelo tabaco até ter apenas um cigarro.

Com esta tarefa cumprida, entro no terminal. Descubro a minha linha, e sigo em direção ao comboio. Com o número memorizado, e tempo, a carruagem e o lugar foram encontrados com facilidade. Passo pela 2ª classe e percebo o porquê de não ser aconselhada para turistas. É impressionante como tantas pessoas cabem em tão pouco espaço.

Sigo para a minha carruagem, que é um enorme upgrade... ok não tanto assim. A grande diferença entre um e outro é que aqui tens espaço. E isso faz toda a diferença. Apesar da carruagem levar mais pessoas que os lugares disponíveis, é suficiente arejada para te sentires à vontade. Lá dentro tudo já foi branco e azul. Agora continua a ser mas camuflado pelo escuro do pó e antiguidade. As ventoinhas precisam de ajuda de um pente de cabelo para arrancarem. Um viajante, profissional destas viagens, lá consegue colocar uma a funcionar. Tenho alguns mosquitos por companhia, e penso se não será uma boa escolha fazer um upgrade. A 1ª classe já não me parece um luxo, mas uma necessidade.

Assim que o comboio arranca, entramos noutro mundo. Prepara-se as camas. Os encostos das cadeiras são levantados e agarrados a duas correntes, constituído assim a cama do meio. A de baixo era o local onde estavamos sentados, e mesmo lá em cima fica a do topo. O era a de baixo. Dois amigos indianos pedem-me para subir um nível pois viajam juntos. Algo que acedo sem problemas. Todos preparam as suas camas. Amigos discutem pelo melhor lugar, enquanto outros fazem a cama no chão. Passado uma hora já estamos todos deitados e uma outra sinfonia começa a superar a dos carris. A do ressonar. E o que até poderia ser um contra, alivia-me a consciência. Corre um boato – maldoso por certo – que ressono. Nestas coisas gosto de estar acompanhado. A minha alma repousa mais descansada.

Durante a noite, o maior problema é o frio. Sendo uma carruagem de metálica com pouco isolamento, a temperatura desce a níveis inimaginados para a India. Ao ponto dos meus neurónios não funcionarem mais e esquecerem-se que tinha um saco-cama. Passei parte da noite a tentar encontrar a melhor posição para manter o precioso calor. E jeito daqui, encolhimento dali, lá adormeço. Quando os primeiros raios de Sol tocam a carruagem sinto um enorme alívio. Com um novo dia, vem também uma nova animação.

Ao coro das conversas e ritos matinais, junta-se a voz dos vendedores de comida. Conhecemos a experiência de cada um pela convição e musicalidade com que apregoam os seus produtos. De refeições completas – com o delicioso cheiro a especiarias a acompanhar – a pequenos snacks, fruta, café, chá e até bijutaria, existe tudo. Transformando aquele corredor num bazaar idêntico a tantos outros.

E depois de 14 horas, o vício começa a apertar. Por esta altura já perguntava aos vendedores se vendiam tabaco. Mas todos me confirmavam o que já sabia: nas estações indianas não se vende ou consome tabaco. Com os sentidos mais apurados um conjunto preto e amarelo perto duma pequena estação chama-me a atenção. Da janela conseguia ver os rickshaws parados do outro lado da linha. Vou até à porta para confirmar a minha intuição: por perto estava uma daquelas pequenas barracas indianas, que serviram de inspiração para a mala do sport billy. Pergunto se o comboio ainda demora a arrancar. Recebo a confirmação. Olho para a esquerda, para a direita e desato a correr como a minha vida dependesse disso. Não era tanto com a vida que temia. O meu receio era que algum comboio chegasse e impedisse o meu caminho de volta. Bati um qualquer record de 50 metros obstáculos. E acredito que a velocidade com que disse “tabac, cigarrettes, tabac” era idêntica à dos apregoadores nos buses. Tabaco na mão e volto mais calmo. Não se ouvia nenhum comboio, e o meu ainda estava no mesmo sitio. Quando me veêm de tabaco na mão perguntam-me onde tinha arranjado. Conto-lhes a minha historia. Estranhamente, ninguém seguiu o meu exemplo.

Por esta altura, a carruagem já parece a minha pequena casa indiana. De um lado vista para a cidade. Do outro para o campo. Esqueço todo aquele sentimento de estranheza e vontade de mudança inicial. Quando adormeço, embalado por um belo pôr de sol, sinto que melhor casa era impossível...

1 comment:

  1. Ola João. Esta historia fez me lembrar as minhas viagens nos comboios de longo curso na antiga URSS (mais correcto : já em tempos post-URSS). Sempre conhecia alguém na carruagem para ter a companhia durante a viagem. Compravam-se as cervejas as hospedeiras. Saiamos nas estações durante as paragens ( de 10,20,30 minutos) para comprar qq coisa nos quiosques. Dormíamos nas camas de 1º,2º ou mesmo 3º nível (fala-se da altura do chão e não da qualidade :)) Bons velhos tempos!!! Continuo desde Taj a ganhar a inveja... Um grande abraço!

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