Thursday, February 2, 2012

Uma viagem... espiritual


Este é o post improvável. Nunca fui dado a muita espiritualidade. Como em outras coisas, nesta viagem tenho descoberto uma nova dimensão em mim. Não que tenha abraçado uma religião. Por aí tudo se mantem igual. Mas a minha experiência mudou-me tanto que trouxe algo que não sei definir a não ser com palavra espiritualidade. Tamil Nadu foi a parte em que tal se concretizou. Uma deliciosa coincidência. Tinha escolhido visitar este estado por causa dos seus templos e a espiritualidade é algo que se sente um pouco por todo lado.

Madurai

É o coração da cidade. Domina a paisagem e dá-lhe um toque mágico. Tem uma mistura saudável de calma e agitação. Apesar do hutle-hustle indiano não te sentes oprimido pelas solicitações. Quando chegas ao centro, dois mundos diferentes co-existem. De um lado a confusão do comércio e cabos de eletricidade. Do outro, a calma do templo. A rua, que separa estes dois lados, é estranhamente limpa. O templo é belo. As torres – portas de entrada para o complexo – seguem os pontos cardeais e são ricamente decoradas e coloridas. Perdes-te entre admirar esta beleza e a do movimento das pessoas.

Mas Madurai foi também o sitio onde domestiquei a minha mente. Depois de algum tempo, decidi que era altura de me organizar e começar a escrever com mais método. Foi difícil. Tinha muito com que me distrair. Lá fora uma cidade que se movimentava e chamava por mim. Cá dentro o conforto de um bom hotel. A luta foi grande, mas sempre que subia um dos prédios para tomar a refeição acabava por sorrir. Olhava para o complexo e tinha a certeza de que estava no caminho certo.

Trichy

A viagem continuou por outra cidade. Por esta altura o meu corpo já se ia habituando às peripécias dos buses indianos. Nem a confusão das estações já faziam muita mossa. No entanto, Trichy tinha para me dar bem mais do que estava habituado. Pela primeira vez senti o cheiro indiano. Já tinha tido umas pistas aqui e ali, mas nada tão intenso. Fruto de uma combinação terrível entre água, calor e lixo. Mas isto é algo que tens de preparar o teu corpo se queres aproveitar o que a India tem para te oferecer. A India nunca foi fácil. Mas sempre interessante. É um sitio que combina realidades antagónicas ficando à mercê da tua escolha. A minha foi ultrapassar estes obstáculos.

Em boa hora o fiz. Trichy tem sitios lindos para contemplares. A zona do forte é uma zona comercial por excelência. Perdes-te sem problemas pois encontras sempre algo que te rouba um sorriso. No meu caso, e depois de ter tentado sem sucesso chegar ao topo do forte, acabei por entrar num templo hindu. Por dentro a luz quase não entrava e as poucas pessoas presentes, meditavam. Deixei-me passear, entrando num mundo novo. Um momento que acabou quando fui “descoberto” por um dos elementos do templo. Acompanhou-me com a sua simpatia até à porta de saída. O momento estava feito e decidi ir ao templo que marca esta cidade.

Rio atravessado e estou perante o primeiro das torres de entrada do templo. Parecem portais para outros mundos. No primeiro, a rua segue cheia de comerciantes e pedintes. Consoante nos aproximamos, a confusão vai ficando para trás e a devoção vai entrando. Acaba por ser um bom templo para estares. Tem diversos locais de devoção em que vês o hinduísmo ao vivo. Gosto dos diferentes trajes, ou de como as pessoas se movimentam com os seus saris coloridos, dando uma vida única a este espaço. Depois de muitas hesitações, acabo por decidir não entrar no centro do complexo. Tenho percebido que os sítios mais sagrados são espaços para a devoção e eu não sou devoto. Poderia matar a minha curiosidade, mas seria apenas isso. Prefiro substituí-la pelo respeito a quem utiliza esse espaço para o fim a que é destinado.

Thiruvannamalai

Cheguei em dia de Festival. Era lua cheia, e por esta altura milhares de fiéis acorrem a esta cidade. O culto é a Shiva na sua forma de fogo. E as chamas espalham-se por cada altar da cidade e em frente às quatro entradas do templo. Surpreende-me a quantidade de pessoas que estão cá. Nunca pensei que uma pequena cidade pudesse conter tantos devotos. À volta do templo, uma fila que deixaria a do museu do Vaticano com vergonha. No rosto das pessoas a imagem de uma longa espera.

Eu passeio-me pelo lado de fora do templo, entre a fila de um lado e as barracas de comércio do outro. Muitas são de comida para satisfazerem os fiéis. A cada fogo, um grupo de pessoas junta-se para as suas orações, unindo as mãos por cima da cabeça.

Já é de noite, e enquanto desço a rua para regressar ao hotel, reparo na vedeta da noite. Depois de muitas tentativas lá consigo captar pela primeira vez a lua cheia. Digo primeira, pois nunca a tinha conseguido tão grande e nítida. Uma mulher, curiosa com o que estava a fazer, aborda-me e atesta que a fotografia saiu bem. Apresenta-me a sua filha, que fala comigo num inglês perfeito e sorriso demolidor - como só as crianças sabem ter (e as indianas em especial).

Acabo por me juntar à fila que seguia pela cidade. Uma corrente imparável de pessoas. Não sabia o caminho, nem precisava. Aqui e ali, as vacas eram tocadas e apreciadas. Não sei muito bem se a abençoar ou a serem abençoadas. Presumo um pouco de ambas. O seu leite era agora entregue aos peregrinos à porta de mais um templo, para que pudessem fazer uma benção.

Sou vencido pelo cansaço e retorno a casa. Noite dormida e no dia seguinte subi a montanha que é o centro desta cidade. Um antigo vulcão, onde Shiva apareceu e deu origem a este culto e templo. O caminho é ingreme, e sob este sol, duro. Faço-o ao meu ritmo até encontrar uma pedra onde repousar. Tenho a sombra do espinheiro para me fazer companhia e paro uns segundos para contemplar a paisagem. No centro o templo, geométrico e perfeito. À sua volta o caos da cidade indiana, com as suas casas cúbicas – de um cubismo abstrato e picassiano – e ruas pequenas. Deixo-me estar em contemplação. Reparo que um sorriso, diferente daquele que me habituei, se forma. Um sorriso que vinha da calma que o meu espírito atingia.

Tamil Nadu, foi uma experiência. Encontro aqui a diversidade e unidade, própria da India. Os cheiros que nos repulsam e os outros que nos atraem. Os templos tão iguais e diferentes entre si. É esta combinação impossível mas real que guardo desta visita. Uma combinação que foi lentamente entrando em mim quando cheguei à India, e que se materializou neste Estado. Numa caminhada que mais que tudo, foi espiritual.

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