Sunday, December 4, 2011

Pela tua mão...


Pela tua mão encontro algo único. Estou cego, mas a tua mão gentil guia-me. Ouço vozes e sei que estou num sala. Sinto as rugas da tua mão. Está marcada pela experiência de uma humanidade. Sei que posso confiar. Decido deixar-me ir e descobrir o que me queres mostrar. Sento-me e a palavra “chay” já me é familiar. Sinto o montar de algo à minha frente. O som metálico a bater na madeira prova-me que estão a colocar uma mesa. Tu guias-me até lá. Obrigas-me a abrir a minha mão e descubro o que pretendes: oferecer um tecido.

Ao primeiro toque, noto o aveludado de uma simpatia persa. Aquele conforto que encontrei no café tomado na companhia de um contador de histórias. Ali, no meio do nada, apenas os carros quebravam a nossa conversa. Nesse momento, não existia um turista e um guia. Eramos dois seres humanos a partilhar uma boa conversa e um café que aconchegava a alma e expulsava o frio do corpo.

Prossigo para ver que outros pedaços de tecido me ofereces. Este é mais àspero, quase agressivo. Sinto que não quer que lhe toque. A minha mão está a mais. Como eu na manifestação que celebrava o aniversário da polícia que controla a moral. Era na bela praça Khomeini em Isfahan. A mesma que uns dias antes me tinha acolhida tão bem. Agora o véu negro, como o preconceito, cobria as mulheres e os camuflados fardavam os homens-meninos. Era uma festa que não partilhava e expulsei-me dessa praça.

Levas-me para o próximo pedaço de tecido. E agora é tão diferente. Tornou-se leve. Deixa passar o ar fresco e confortante de uma conversa à beira rio. Livre de preconceitos ou morais. Um momento intemporal e sem geografia. A não ser a dos nossos sonhos e emoções. Por aí senti uma vez mais a hospitalidade das pessoas que vivem cá. Algo que me tocou com toda a profundidade. Que humildemente agradeço com a certeza de não conseguir retribuir tão generoso presente.

Já não preciso que me guies. Prossigo sozinho, com vontade de descobrir o que mais existe. Sinto que ao passar a minha mão por este novo pedaço, o tecido emite um som especial. Tão especial como ouvir o chamamento para uma oração dentro da Mesquita Iman. Passeio-me sozinho pelos seus amplos claustros e o som torna-se transcendental. A melodia daquelas palavras não chega aos meus ouvidos mas à minha alma. É poesia encarnada no som. Sinto-me elevar para um outro estado, para uma outra consciência. Passeio-me com a melodia na minha cabeça e apenas desperto para o som da flauta que toca no salão musical do palácio Ali Qapu e me embala para outro momento de contemplação.

Penso que mais belo tecido não poderá existir e eis que a minha mão toca um último pedaço. Não tenho palavras para o descrever. É do mais puro que pude sentir. Mexeu comigo. Mudou-me. Tremo a pensar nele. Seria um crime, neste estágio, tentar fazê-lo...

Recupero por fim a minha visão. Vejo o que a minha mão sentiu. Um tecido completo de momentos, bordados na perfeição num país a que chamamos Irão.

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