Tuesday, December 13, 2011

Uma Doce Pausa


“Can I take a photo?” pergunto-lhe “Você é português?” Responde-me. E com isto a minha viagem começa.

O dia anterior foi para me acostumar ao clima tropical da India. Foi um tremendo choque. Do frio invernal de Tehran para o calor tropical de Goa, em pouco mais de 24 horas. Todo o meu corpo ressentiu-se e, nesse dia, pouco mais podia fazer que alimentar-me e descansar.

“Sim, sim... é que ontem passei por aqui, vi o simbolo e queria tirar uma...”

“Ah, é sportinguista...” responde-me com um sorriso rasgado.

Afinal pertencíamos à mesma familia. E com a gentileza dos seus 70 anos disponibiliza uma cadeira para me sentar. Apresenta-se: “Bento”. É, entre outras coisas, o presidente do Núcleo Sportinguista de Goa e ainda fala português – algo que está em vias de extinção. Trocamos umas palavras, conto-lhe o que faço e ele prontifica-se a ajudar. Sinto-me adoptado e isso traz um conforto especial. Parto com uma nova segurança para mais uma etapa desta viagem...

Panjim e arredores



Foi paixão à primeira vista. Não sei se é o calor, a luxúria da vegetação ou o flavour semi-lusitano que ainda guarda. Algo atraiu-me e fiquei rendido. Gosto como pequenos toques de portugalidade são adoptados e adaptados à cultura indiana. Torna-se uma arquitectura e paisagem única. Em si, a capital não é muito grande mas é bastante agradável para se estar. Ao sabor dos conselhos do Sr. Bento acabo por experimentar o melhor Baghi Puri da cidade, um saboroso xacuti e deliciar-me com uma bebinqa divinal.

O primeiro foi no café Tato. Um sempre-cheio espaço. Descubro, para meu espanto, que esta especialidade serve-se mais como pequeno-almoço ou similar, do que entrada de uma refeição. Ainda não estou habituado ao picante, por isso, é com muita arte que tento separar os pequenos pedaços de malagueta, enquanto devoro o resto. Os outros pratos foram comidos no restaurante Viva Panjim. E se, por si só, a comida vale a pena, este restaurante situado numa ruela no bairro de Fontainhas é muito belo. Um negócio familiar. A casa restaurada leva-nos a uma era em que Goa era um importante posto mercantil.

A pouca distância desta cidade fica Old Goa. Podemos chegar lá de bus. E isso é uma aventura por si só. Esquece o número e paragem de autocarro. Aqui, para encontrares o teu bus, basta percebes o que os inúmeros gritos significam. “Ol'go, ol'go, ol'go, ol'go, ol'go, ol'go, ol'go, ol'go, ol'go, ol'go” grita um homem em menos de um segundo. É suficiente perto do que soa o meu destino pelo que o abordo para ter a certeza. Na mouche. Entro para o pouco-muito espaço que ainda sobrava. Por aqui nada é desperdiçado, e nos autocarros indianos cabe sempre mais uma pessoa.

Mais solavanco, menos solavanco lá conseguimos chegar a Old Goa. O espaço está em festa, e acorreu a este sítio uma pequena multidão. Gosto como pessoas se arranjam para a mesma. O que me parecia ser uma festa de bairro, transforma-se em evento social e todos querem estar vestidos à altura. Passeio-me no meio da confusão da feira. O ar calmo da estátua de Ghandi contrasta com o movimento mais ou menos caótico das ruas. Tenho aprendido que para lá do caos aparente, existe uma ordem que acaba por fazer fluir tudo. Apenas é necessário apanhar o ritmo e as coisas já não parecem desorganizadas... - ok, tão desorganizadas.

Acabo por passar a tarde entre a multidão. Reparo nos piqueniques das familias, na religiosidade das pessoas ou nos esquemas dos vendedores. Uma pequena amostra para o que vem aí...


Mandrem

Nem queria acreditar quando cheguei. Uma cabana e uma praia. Ao longo desta viagem tenho descoberto que é possível realizar os sonhos de criança. E se no Irão tinha ficado milionário, aqui satisfazia o de viver numa cabana à beira mar. Mandrem é uma das inúmeras praias que podemos encontrar no Norte de Goa. Quem criou a expressão “Dolce fare niente” deve ter passado por aqui. Este espaço chama por isso. No mesmo senti algo pela primeira vez: estar feliz a fazer nada.

Acabo por aproveitar para a primeira pausa da viagem. Senti que estava a precisar desse momento. De nada fazer, nada pensar, nada observar. Deixo-me caminhar pela areia aveludada desta praia até chegar a Arambol. Esta, já com mais movimento, parece um paraíso perdido para hippies. Com alguns bares, muito comércio de rua e uma estrada que acompanha o torneado da encosta.

E por vezes o ficar parado traz bons momentos. De um “what did you order?” desenvolve-se uma excelente conversa. Transforma-se em mais um momento desta viagem. Sinto-me um privilegiado. Quer por ter a possibilidade de viajar, quer pela sorte em encontrar tantas pessoas interessantes. Pergunto-me o que fiz para merecer tanto. Sei que nunca terei resposta, nem me interessa. Para mim, importante é aproveitar os momentos, experienciar as emoções e guardar as sensações de cada local. Neste, a sensação de local perfeito para viver feliz sem fazer nada...

Palolem

Não me vou esquecer desse instante. O primeiro em que vi um macaco selvagem. Foi a caminho de Palolem – uma praia no Sul de Goa. Ali, naquela rua que cortava uma pequena montanha tropical, um macaco creme e esguio corria pela estrada apenas para se atirar para os ramos das arvores à sua frente. Um pequeno sinal de que esta zona era bem diferente do Norte.

De onde estou sentado agora, já pude observar borboletas lindíssimas, esquilos atrevidos, macacos saltitões ou águias. Segui mais um conselho – desta vez da minha amiga Isabel Braz – e estou numa cabana na praia de Palolem. Ordo Sounsar é o nome deste espaço. Um pequeno conjunto de  cabanas no final da praia. Os donos transmitem uma hospitalidade que nos sentimos em casa. J.D., a dona, conta-me como este sítio apareceu. Ao apontar para o local, Serafin, o seu namorado, replicou com um “mas não dá para passar para esse lado” – o sitio fica no extremo norte desta praia em quarto crescente, para lá do ribeiro que a limita - “constroi-se uma ponte” respondeu-lhe J.D. com a força de quem visiona um sonho. E desta forma, temos a sensação de entrar num refúgio tropical quando atravessamos esta pequena e frágil ponte de madeira. Algo que parecia um obstáculo tornou-se num ícone do local.
Por aqui o tempo desenvolve-se devagar. Acabo por passar os dias entre kayaks, caminhadas, mergulhos ou então ficar por aqui a escrever. Lá fora, na praia, os vendedores de viagens tentam angariar clientes, pessoas divertem-se a jogar cricket, disco ou futebol. As vacas aproveitam o fresco da praia e repousam, enquanto os turistas vão e vêm consoante a actividade que pretendem. Eu acabo por decidir ficar à beira rio a escrever. Saborear a brisa e o dialecto local dos empregados. Com um sorriso estampado no rosto.

Goa é uma doce pausa. Um bom sitio para dar inicio à aventura indiana. Já contém muitos aspectos desta cultura, mas emana uma calma que me permite adaptar a este mundo. Todos me dizem para me preparar. India é a universidade do viajante. Goa foi o meu estágio. Uma preparação para o que aí vem. Por cá ficam momentos especiais, pessoas simpáticas e a certeza que vou voltar ainda nesta viagem. É que não contei, mas no meio de tanta ajuda, o Mr. Bento ainda se ofereceu para guardar a  mochila enquanto dou as minhas voltas indianas. Por isso a Goa, mais que um adeus, fica um até breve...

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