Thursday, December 22, 2011

Uma pequena aldeia


Sinto o toque leve de algo no meu ombro. Olho para cima. Na minha direcção flutuam pétalas amareladas atiradas pelas mãos simpaticas do empregado do restaurante. Sorrio, pois sei o que significa. Ele devolve-me o sorriso e diz-me “is to give you good luck”. Junto as duas mãos para agradecer.

Sinto-me abençoado, não apenas por este gesto, mas por tudo o que tenho vivido. Estou certo que Ganesha está a olhar por mim. Da mesma forma que tenho a certeza de ter entrado na India mistica. A que nos encanta, não pela sua beleza – que tem – mas por tudo o que nos faz mexer por dentro.

Hampi é um belo sitio para conhecer esta India. Não é grande e por isso não nos engole com os seus estimulos. Mas já é cheia dos pormenores que tanto imaginamos quando pensamos neste país. Fica situada no norte do estado de Karnakata e mais que tudo é uma aldeia rodeada de templos e paisagens magnificas.

Hampi Bazaar

Cor, cor e mais cor. Está em todo o lado. Na bancada à venda, nas paredes das casas, nas roupas que as pessoas vestem. Até os sorrisos das crianças que te abordam à procura do teu nome, foto e algumas rúpias parecem ter uma cor especial. Espalha-se por todo o lado e contagia-te. Hampi é uma pequena aldeia histórica e turistica. Histórica em duplo sentido. Centro de templos centenários e porque vai desaparecer. Toda a parte turistica da aldeia vai ser demolida. Na realidade já o começou a ser. A hampi que descrevo não será a hampi que existirá.

As suas ruas, empedradas ou de terra batida, têm um movimento próprio que tudo funde. Sentes o antigo e o recente, o turistico e o genuino. Convivem a par e passo numa estranha harmonia. No centro das atenções está o Templo de Virupaksha – uma das encarnações de Shiva. Com a sua torre de 50 metros, indianamente ornamentada, não escapa ao nosso olhar. Aqui tudo parece girar à sua volta e constitui um sempre presente elemento que nos vigia e protege.

Uns metros mais abaixo corre o rio Turgabahdra, palco da vida quotidiana. As suas margens são ocupadas pelos banhos e a roupa lavada. A escadaria que nos conduz a este lugar, serve de palco de contemplação de uma das mais belas paisagens que já vi. Algo para saborear ao nosso ritmo. Quer seja o de um click fotográfico ou de um belo pôr de sol.

Vittala Temple e Complexo Real

Por vezes o caminho é mais importante que o local de chegada. Não digo isto para desvalorizar os locais a visitar. Sem dúvida que o Vittala Temple, com a sua carruagem de pedra, ficará na memória. Aqui tudo é rendilhado. Mais que monumentos, eles parecem livros que devemos demorar algum tempo a degustar. E o complexo real trará a calma de espaço cuidado. O pavilhão Lotus, apesar de simples, é um hino à harmonia de formato ondulante. De qualquer ângulo é simétrico. Perdes tempo a andar à sua volta, com a boca aberta de espanto. Quase que te hipnotiza.

No entanto, tudo isto é interligado por caminhos que te levam a paisagens magnificas e te deixam espantado até com as coisas mais simples. Toda a região é constituida por pequenos-grandes grãos que constroem montanhas, margens e que que se equilibram por magia própria deste local.

A região é vasta e pode ser feita de bicicleta ou moto. Como sou do contra, fi-lo a pé. E apesar do cansaço, este ritmo permite observar os pequenos pormenores da vida. As pessoas que se deslocam a pé e a admiração por te verem ali. Serás abordado, e muitas tem genúino interesse em conhecer o estranho que passa por ali a pé. Reparas também nos templos funcionais e no respeito sentido pelas divindades. Vês sobras enferrujadas de uma altura mais rural desta região.

Hanuman temple

E quando caminhamos por sitios que não conhecemos acabamos por nos perder. Mas em viagem, raras são as vezes que isso tem uma carga negativa. Esta não foi excepção. Desta forma fui por caminhos incomuns das montanhas rochosas de Hampi e tive o privilégio de conhecer Oscar, um viajante ingles com quem partilhei uma excelente conversa. Mais um daqueles momentos que a viagem nos entrega.

Quando o encontrei, no meio de um grupo de pessoas que estavam a praticar climbing, estava completamente perdido. Procurava o Hanuman temple e o que deveria ser fácil – pois está no topo de um dos montes – tornou-se numa tarefa impossível. Estranhamente não o via, e sem essa referência, não me conseguia orientar.

Mal lhe perguntei, prontificou-se a me mostrar o caminho. E, passo puxa passo, acabou por decidir ir comigo. Passámos por meio dos arrozais, onde por agora quase todos estão secos, excepto o que serve de cultivo de sementes para a próxima colheita. Esse tem um verde vivo como a India. Atravessamos o ribeiro – que à primeira vista parecia um obstáculo intransponível – para chegar a uma aldeia rústica. E heis que estamos na base dos 570 degraus que nos levam ao templo. Pelo meio da subida ainda paramos à sombra de uma árvore e acabamos rodeados de macacos. Parece que estamos numa varanda do mundo tal é a amplitude da nossa visão.

Com a subida feita, e os pés descalços, chegamos ao local de nascimento de um Deus - Hanuman. Aqui só poderia nascer um deus, tal é a beleza do local. Tudo à nossa volta nos silencia em contemplação.

A descida é mais fácil. A caminhada foi excelente, acompanhada de uma conversa que nos transportou para este e outro mundo. Nos guiou ao passado, presente e futuro. Quando me despedi tinha já a certeza de ter vivido mais um momento mágico da minha viagem. Oscar é a personificação do mundo dos viajantes. Com uma generosidade desprendida, um olhar aberto ao que o rodeia, e uma cultura que alimenta uma boa conversa e desperta o interesse para outras dimensões desta vida.

Não era para estar aqui. Hampi não fazia parte dos meus planos. Mas a dica de um amigo iraniano e de uma amiga portuguesa adicionado dos sorrisos espontâneos das pessoas sempre que mencionava Hampi despertaram a minha curiosidade. Precisava de saber o que Hampi trazia. E agora que releio o que escrevi, acho que não lhe fiz justiça. Hampi não é só os templos ou as paisagens. Não é só a diversidade ou o espirito aldeão. Hampi carrega uma magia dificil de transformar em palavras. Se tivesse que a descrever em poucas palavras diria que Hampi é o local onde podes saborear a India ao teu próprio ritmo. E isso por si só é algo que te encanta e te faz sorrir sempre que pensas nesta pequena aldeia...

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