Thursday, April 5, 2012

Kathmandu – Uma estranha familiariedade


Preciso de fazer uma nota introdutória nesta “artigo de viagem”. Caminhar significa também aprender as nossas limitações. Uma delas tornou-se clara. A cada dia que passa, afasto-me mais do estilo “artigo de viagem”. Sinto que ainda não tenho o dominio completo da minha escrita para conseguir levar esta rúbrica ao destino que quero encontrar. No entanto, e porque julgo ser importante dar a conhecer os locais por onde passo, não termino a rúbrica em si. Será uma que irá mais ao sabor da imaginação do momento do que da certeza de um estilo – aliás cada vez mais acho que o meu estilo é não o ter. Espero que tenham a paciência para acompanhar a evolução e diferentes facetas que esta rúbrica terá.

Decidi isto, pois Kathmandu revelou-se um obstáculo impossível de transpôr. Não a consegui colocar no formato desta rúbrica. Para isso contribuiu muito a mudança que a viagem vai tendo. No início, o local era o mais importante. Hoje já pouco interesse tenho por isso. Não perdi o espanto de uma grande paisagem ou monumento. Mas o meu foco moldou-se para as pessoas que me rodeiam e as emoções únicas que cada lugar transmite.

Mais do que descrever o Pashupatinath (um zona de templos muito agradável), Swayambhunath (mais conhecido como Monkey Temple) ou a Durbar Square, interessa-me explicar a sensação de estar em Khatmandu. Talvez estranhem a palavra que vou utilizar de seguida, mas foi essa que senti: familiariedade. Não sei se tal aconteceu pelo sonho que tive anos atrás - e que se materializou quando cheguei - ou porque é a sensação própria deste local.

Mas as ruas não asfaltadas, o aspeto poeirento ou a mistura de diferentes traços não me eram estranhos. Estar em Kathmandu é estar num berço de humanidade. Daqui poderemos seguir uma linha que nos leva a qualquer local. E o Nepal tem tanto de India como tem Portugal. Sim, aqui e ali, reconheces os gestos das mãos parecidos aos dos indianos. E não há como fugir ao “Namaste” que acompanha a troca de saudações. Mas esses traços aparecem pela fusão com as outras culturas. Tens os templos que já estão mais perto da China que da India. Em algumas casas encontras o cheiro de arquitetura ocidental. És encantado por uma música que não se afasta muito da Andina da America do Sul. E por cada traço do rosto de um nepalês podes fugir para um continente diferente.
Talvez esta sensação familiar apareça por reconheceres um pouco de tudo em tudo. Ou então pelos regressos à minha juventude. Ao meu bairro. Quando me dirigi para o Monkey temple – que fica no topo de uma colina – não poderia prever o que me esperava. Saí de Thamel – um bairro centro do turismo, comércio e confusão – e desemboquei numa rua não asfaltada. A minha orientação disse-me que estava correcto, mas entre as vivendas parecia que estava numa rua do meu bairro. Claro que era apenas uma breve ilusão. Mas quando atravessei o rio - e me perdi à procura desse templo - poderia estar de novo nos meus 8 anos a caminhar pelo ribeiro - que mais era um esgoto - por entre canas e hortas.
Quando finalmente cheguei ao topo da colina tudo ficava para trás. Mas este magnifico lugar também não me pareceu estranho. A Stupa, com os seus olhos que tudo veêm, tornam-se acolhedores, e as rodas das rezas, de tanto as imaginar, já fazem parte de mim. A combinar esta longa caminhada, ficou também uma conversa com Kash – um amigo de uma amiga que me ajudou a desbloquear este país - que me levou a discussões sobre religião e modos de vida, e, mais que tudo, ao ponto comum de qualquer humanidade: os sentimentos.

Kathmandu é local de ruas estreitas, praças lindissimas e pessoas simpáticas. Centro de turismo e capital politica. Mas mais que tudo, é um local familiar. Onde não me importo de me perder e flutuar na minha imaginação. Aqui acabo sempre por encontrar o sorriso, o pormenor belo ou a ajuda necessária. Não sei se irão encontrar a mesma cidade. Mas se tal acontecer, enviem cumprimentos, como quando os entregamos a uma amizade comum.

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