Thursday, April 19, 2012

Lang Tang Trekk

Entre a espada e a parede. Uma expressão que gosto, mas não de a sentir. Mas aqui estou, nessa posição incómoda. A tentar encontrar as melhores palavras para descrever o trekking que fiz. Sei, pelos ensinamentos de Katya, que numa crónica nunca se critica a viagem. Ou melhor, até é possível fazê-lo, mas isso requer uma boa dose de humor.

Não existe nada de falso nessa regra. É apenas uma forma de dizer que “se não tens nada de interessante a escrever, então não o faças”. O problema acontece quando não tendo nada que me queixar – a não ser da minha própria estupidez – também não posso afirmar que o trekking em si foi fenomenal. Mas vamos por partes, mais que dizer o que não foi, o melhor é explicar o que foi.

Nos Himalayas existem vários circuitos que podes fazer. Por zonas, as mais populares são Everest, Annapurna e Langtang. Dos três, a minha escolha recaiu sobre a última. Guiado pelas preciosas dicas de Isabel Braz e com adjectivos que me seduziram, não me preocupei muito em ver qual dos trekkings melhor me encaixariam. Por cada região encontras diversos percursos que podes escolher. No meu caso acabei por fazer uma pequena pesquisa na net, para ver qual o percurso mais conhecido ( ← o primeiro de alguns erros). A decisão recaiu pelo percurso que parte de Syabru Besi – uma aldeia quase no final da estrada que vem de Kathmandu – até Kyanjin Gompa – a última aldeia antes de nos aventurarmos para os picos das montanhas.

E o que me esperava era uma escalada de alguns dias, montanhas e natureza. E não posso dizer que não tive isso. Pois tive. Mas também tive muito mais que isso. Todo este percurso foi mais que um simples trekking. Foi um enorme desafio, e acima de tudo uma lição de vida. Tive que lutar contra tudo. O cansaço físico, a doença (fiz o percurso todo com paracetamol, por causa de uma garganta infectada e uma febre que teimava em não desaparecer) e acima de tudo contra a desmotivação.

Esta apareceu logo no primeiro dia. Ao contrário do que imaginava o trekking não era fácil. O percurso segue uma lógica himalaya e muitas vezes é constituido por inclinadas subidas, para se seguir as consequentes descidas que nos levarão uma vez mais... sim, adivinharam... a outras inclinadas subidas. Pelo meio, o percurso segue o rio que nasce do alto da montanha. E apesar de belo, existem dois pormenores que causam muito impacto: (a) as montanhas são muito inclinadas e fecham a paisagem e (b) nunca nos afastamos muito do rio pelo que não temos a noção de altitude.

Assim o nosso cansaço físico diz-nos que estamos a subir, mas nunca atingimos a noção da altitude que temos. Para alguém com formação em gestão como eu, tudo parece demasiado esforçado para a beleza que estamos a contemplar. Pior quando não se tem um perfil desportivo. Ao final do primeiro dia - no qual fiquei a meio do meu objectivo - todo o meu corpo me dizia que eu era masoquista. Tudo doía e o cansaço era muito. E isto seria apenas o primeiro dos dias que tinha pela frente.

E com o cansaço veio a doença. Ao primeiro arrepio de febre, eu sabia o que esperar: umas longas horas com o corpo a tremer violentamente. Eu era uma misturadora humana. Tal facto fez-me temer não conseguir continuar o percurso. Quanto mais subia, mais distante de cuidados médicos estaria. Caso algo se agravasse tal significaria que tinha de caminhar tudo de volta e sem medicamentos que se estavam a esgotar. Se eu tivesse uma crise na subida, tal poderia significar que teria de parar onde quer que tal começasse.

É fácil imaginar que tudo no meu corpo me dizia para voltar. Claro que, se isso tivesse acontecido – ou se o trekking se resumisse a dores e poucas paisagens – não estariam a ler estas palavras.
A realidade foi muito diferente de meras dores, uma mente desmotivada ou umas pernas cansadas. Foi a companhia de uma pessoa especial chamada Hannah. A motivação que veio da América pela força de Miranda. Ou momentos mágicos como de um corvo a pousar nas asas de uma águia em pleno voo. Foi a superação dos nossos limites e a teimosia de continuar. A certeza de que, por mais que subisse, encontraria mais um pico para escalar só para ter uma melhor paisagem. Foram os pequenos detalhes de uma vida Himalaya camuflada por aldeias que existem para o turismo de trekking. Foi uma pequena criança que roubou um pedaço de coração e me entregou momentos únicos de brincadeira e sabedoria. Foi estar no meio do nada, sem um único som de civilização. Ter respeitos pelos yaks e macacos com que nos cruzávamos. Foi chegar lá acima apenas para voltar. Seguir um outro caminho no retorno e ter aquilo que ambicionava desde o primeiro momento.

Por ali, por aqueles carreiros, ficou um outro estranho. Algo de mim subiu, mas não retornou. Algo que apenas foi possível pelo caminho que segui, pelas pessoas que conheci e pelo esforço que ultrapassei. Posso não ter tido a melhor paisagem do mundo. Não ter subido ao pico mais alto ou não ter escolhido o pior caminho. Mas agora que tudo foi ultrapassado, não trocaria um segundo por um outro percurso.

Termino esta crónica ainda na mesma posição. Sem saber se devo ou não recomendar o que fiz. Acho que é algo que nunca saberei responder. Até a mim mesmo. Se tenho a certeza que no futuro não recomendarei a mim próprio este percurso – talvez faça o das aldeias ou me aventure pelo oeste nepalês – também sei que não diria a mim próprio no passado para não o fazer. O que ganhei foi precioso demais para trocar por momentos mais agradáveis...

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